Perfil do Executivo brasileiro: cooperativo, machista e apegado ao poder
5 de fevereiro de 2019Administração e Gestão de Empresas: Conheça o perfil dos principais escritores
5 de fevereiro de 2019A saga do Homus Corporativus: evolução, conquistas, dramas e
dilemas daquele que é o protagonista da cena corporativa: o executivo
A década de 70 foi o cenário para a ascensão de um dos mais importantes
personagens – senão o mais importante – do universo corporativo: o executivo,
ou, como descrito pelo jornalista britânico Anthony Sampson, o Homem da
Companhia. Seguir o rastro das variáveis que moldaram o executivo brasileiro
leva ao caminho da evolução e da modernização das próprias empresas, até então
comandadas por seus donos. Os escritórios são paredes. O trabalho em times. A
hipercompetitividade.
Nos anos 90, o talento passa a ser o ponto mais vital da agenda corporativa.
Sem talento, o resto – ousadia, inovação, capital e o que mais se queria –
torna-se inatingível. Ou se atinge somente em doses insuficientes para estes
ásperos e perigosos tempos de competição exacerbada.
O Nascimento do Executivo
1968
– Instrução Programada: “O treinamento de pessoal pela industria já evoluiu
tanto que um novo método, denominado Instrução Programada, ajudou a fazer com
que a IBM conseguisse o domínio de 70% do mercado mundial de computadores”. O trunfo
da técnica era dispor de cartilhas totalmente feitas em forma de perguntas e
respostas.
– Caem as paredes dos escritórios. “O resultado é um salão amplo, de visão
panorâmica, dentro do qual os departamentos se separam por divisões mais
aparentes que reais. Biombos de meia altura e vasos com plantas ornamentais
canalizam as linhas de visão. (. . .) A idéia central é que a supressão das
paredes favorece o espírito de equipe”. Os cubículos e as baias seriam o novo
habitat da grande maioria dos funcionários nos escritórios.
1970
– Uma pesquisa inglesa mostra que os funcionários querem um emprego seguro, bem
como não ser exigidos além de suas capacidades. Os valores dos que
sobreviveriam nas grandes empresas nas décadas seguintes mudariam
completamente.
– O executivo é um “homem raro” no Brasil. “A maior parte da população não sabe
distinguir o executivo – o homem que recebe delegação superior de poderes – do
dono da empresa, embora o dono possa acumular as duas funções”.
1971
– Uma reportagem de capa de Exame investiga os hábitos desse novo personagem do
capitalismo brasileiro, o executivo, com base numa pesquisa com 100
presidentes, vice-presidentes, diretores e gerentes de grandes empresas
paulistas: “Um homem exigente, prático e (. . .) conservador (. . .), que
prefere o bom uísque a um copo de cerveja”.
– O homem da companhia repensa sua vida. A reportagem O futuro da sua empresa
não é o seu futuro questiona até que ponto é possível conciliar a satisfação
pessoal com os objetivos da empresa, numa reprodução de um artigo publicado por
Alan Schoonmaker, administrador formado pela Universidade Carnegie Mellon: “O
administrador está tão ligado à empresa que até sua vida privada e suas horas
de lazer são, em grande parte, dedicadas a ela”.
1972
– A Shell do Brasil é uma das pioneiras na aplicação de técnicas de seleção
hoje em dia corriqueiras. Três universitários são observados numa discussão, a
hoje popular dinâmica de grupo. A triagem inicial dos currículos é feita por
uma empresa especializada: “É uma das experiências mais ambiciosas da Shell
para resolver o pesadelo administrativo da correta seleção de pessoal – que
consome cada vez mais tempo, dinheiro e energia de tantas empresas. E, até o
momento, o projeto tem sido francamente animador”.
1973
– O horário flexível chega ao Brasil, depois de se consagrar na Alemanha:
“Trata-se da mais excitante inovação na rotina dos escritórios desde a invenção
da minissaia”. A alemã Bosch é a única empresa a adotar o sistema no Brasil.
Depois de uma experiência piloto de dois meses, a Bosch ofereceu aos 1099
funcionários que trabalhavam em seus escritórios a liberdade de programar seu
horário, com uma margem de 75 minutos no início e no fim do expediente.
1976
– O termo “recursos humanos” toma o lugar de “chefia de pessoal”. “É difícil
encontrar nas empresas de hoje a figura soberana e ameaçadora do chefe de
pessoal, uma espécie de capataz cuja principal aptidão profissional, nos
primórdios da indústria brasileira, estava calcada na truculência”.
– Fala-se pela primeira vez em remuneração ligada à estratégia do negócio.
1977
– A mulher começa a ganhar espaço no mercado de trabalho. “Embora
tradicionalmente coubesse apenas um papel decorativo à mulher que se via à
frente de uma empresa (em geral, por herança ou viuvez), já há pelo menos duas
dezenas de mulheres que (. . .) ocupam – e exercem efetivamente – o principal
cargo executivo de uma empresa.”
1980
– As vantagens da política de portas abertas começam a se disseminar nos
negócios brasileiros. Havia obstáculos, porém: “Predominam no Brasil empresas
caracterizadas por rígida organização hierárquica, alto grau de burocracia e
exagerada centralização nas decisões.”
1981
– As corporações iniciam a promoção dos hoje prosaicos programas de estagio. “A
resistência que as empresas brasileiras tradicionalmente ofereciam aos estágios
para estudantes universitários e de nível médio profissionalizante parece estar
cedendo paulatinamente. Isso porque constataram que investir em estagiários –
ainda que trabalhoso – é uma das soluções mais eficazes e baratas para
recrutamento e formação de gerentes e executivos”.
– Surgem os “workaholics”, os fanáticos pelo trabalho”: “Descoberto pela
literatura norte-americana especializada em questões organizacionais, o
workaholic, uma espécie de viciado em trabalho, ainda é uma figura
controvertida no dia-a-dia das empresas. Trabalhando muito mais que a média e
sacrificando sua vida pessoal aparentemente com prazer, não se avaliou ainda ao
certo se o workaholic é útil ou prejudicial às empresas nem se estabeleceu se a
escravidão ao trabalho provoca, de fato, estresse, ansiedade, úlcera e
problemas cardíacos em executivos. Nas empresas brasileiras, que mais
recentemente vêm questionando os padrões de eficiência e se preocupando com a
qualidade de vida de seus funcionários, só agora o workaholic começa a ser
posto em xeque”.
– O plano de sucessão da subsidiária brasileira da Shell prevê que 170 jovens
se encontram em condição de, em dez anos, ser guindados a um posto de diretos.
Desse,s dez poderão ocupar o posto de presidentes. A empresa tem um total de
3300 funcionários.
1982
– Com a ascensão das mulheres nos ambientes de trabalho, surge um dilema ético:
deves-e ou não permitir a formação de casais na empresa? “A regra ainda é
evitar, mas alguns empregadores assimilam e até estimulam os relacionamentos
entre colegas de trabalho”.
1984
– A Semco elimina o vigia dos relógios de ponto, a revista dos funcionários e o
controle de qualidade. O empresário Ricardo Semler, então com 25 anos, assumira
havia pouco o cargo de superintendente na empresa do pai e coordenava mudanças
na área de RH.
1986
– Com o crescimento das empresas de tecnologia, torna-se popular a carreira em
Y, “em que profissionais de prancheta e laboratório podem chegar aos mais altos
salários sem assumir cargos de gerência”.
1987
– A maré feminina é um dos destaques de Exame: na época, 17 milhões de mulheres
compunham a parcela da população ativa do país, o equivalente a 34% da forca de
trabalho total.
1988
– O headhunter, caçador de executivos, ganha notoriedade.
– A nova Constituição cria outros encargos trabalhistas: a ampliação da
licença-maternidade para 120 dias, a licença-paternidade de oito dias, a
redução da jornada semanal de trabalho para 44 horas, os turnos de revezamento
de seis horas, os adicionais de 33% nas férias e de 50% das horas extras e,
ainda, a multa de 40% sobre o FGTS nas dispensas sem justa causa.
1989
– O intrapreneur, o executivo empreendedor que inicia e desenvolve novos
projetos dentro da companhia, é capa de Exame.
– As pesquisas de clima organizacional ganham espaço no ambiente corporativo.
Os funcionários respondem anonimamente a perguntas sobre seu relacionamento com
os colegas ou sobre remuneração, por exemplo, para a empresa detectar eventuais
problemas.
1990
– As tensões entre empregados e empregadores eclodem em 20 de julho, quando
funcionários da Ford depredam e incendeiam instalações e veículos na fábrica de
São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O estopim fora a decisão da Autolatina,
a holding que abrigava também sob seu guarda-chuva a Volkswagen, de não pagar o
salário de 6500 funcionários que formalmente não haviam aderido à greve
promovida por 900 operários da ferramentaria e manutenção.
– Tem início a era dos superexecutivos: as empresas querem ousadia,
criatividade e dinamismo, mas a prática mostra que os profissionais ainda não
cabem nesse figurino.
1991
– A participação nos lucros é apontada, numa reportagem de capa de Exame, como
uma estratégia para que as empresas cheguem fortes e inteiras à virada do
século.
– As mudanças cada vez mais constantes fazer surgir “engravatados à beira de um
ataque de nervos”. Surgem práticas como o job rotation (troca de área, mesmo
sem mudança de nível hierárquico), generalistas em contraposição aos superespecialistas
e o trabalho em varias empresas para enriquecer o currículo.
1993
– Um número crescente de empresas adora a avaliação invertida, na qual os
empregados apontam os defeitos de seus superiores.
– Em novembro, Lair Ribeiro aparece na capa de Exame como um fenômeno de
auto-ajuda entre empresários e executivos. Uma média de seis a sete empresas
constava mensalmente em sua agenda de palestras, ao preço de 1000 dólares por
hora. Ribeiro se revelou um prolífico autor. Em março de 1995, ano em que faturou
1,4 milhão de dólares, os quatro primeiros títulos da lista de dez livros mais
vendidos na categoria não-ficção levavam sua assinatura. Ele foi o primeiro de
uma série de gurus brasileiros da motivação corporativa, que inclui nomes como
o psiquiatra Roberto Shinyashiki.
1994
– As empresas onde é melhor trabalhar – IBM, DuPont, Xerox e Johnson &
Johnson – inovam na qualidade de vida que oferecem aos funcionários. Pela
primeira vez o assunto é tema de uma reportagem de capa. O guia As melhores
empresas par você trabalhar sairia pela primeira vez em 1997.
– Ser prata da casa já não garante ascensão na carreira. Muitas companhias
contratam jovens com talento para dirigir seus negócios.
1995
– É a época em que várias técnicas de avaliação de perfil psicológico ganham
destaque. Uma delas é a do mapeamento cerebral, realizado após o preenchimento
de um questionário no qual as pessoas fazem opções de comportamento diante de
situações verdadeiras ou não.
– A experiência anterior começa a ser valorizada. É o efeito da globalização.
– Um artigo de Charles Handy, professor da London Business School, fala sobre o
futuro da gestão de pessoas invisíveis nas organizações: “O escritório será um
capricho antiquado e muito caro”.
– O casual day, dia da semana em que os executivos deixam o terno e a gravata
em casa, causa confusão na cabeça das pessoas à medida em que se populariza:
qual é o limite ente o casual e o desleixado?
– Vale a pena fazer um MBA lá fora? “Muitas pessoas acham que sim e chegam a
gastar mais de 80000 dólares para banca-lo. Para elas, o curso pode empinar
suas carreiras”.
– O livro Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, torna-se um best-seller. A
idéia: um alto quociente de inteligência pode valer um emprego, mas é o bom
quociente emocional que garante promoções.
– A ação afirmativa começa a ser introduzida nas filiais americanas instaladas
no Brasil que procuram diversificar e contratar funcionários negros para galgar
postos de chefia.
– O indiano Deepak Chopra lança o livro As sete leis espirituais do sucesso,
que se torna um dos mais vendidos no Brasil e em outros países do mundo. Chopra
é guindado ao posto de guru de auto-ajuda corporativa.
1996
– Tem início a era da empregabilidade. Nela, emprego é artigo escasso.
– A avaliação 360 graus passa a ser usada e vista como uma boa maneira de medir
a qualidade dos relacionamentos e não só o tamanho dos resultados. Além da
avaliação da chefia, os executivos passam pelo crivo de pares, clientes
internos e subordinados.
– “É noite numa chácara no município de São Roque, em São Paulo. Um grupo de
homens e mulheres caminha para o quintal de uma pousada recém-construída. Há
uma fogueira acesa no meio do terreno. As pessoas começam a andar em volta do
fogo em sentido anti-horário. Enquanto caminham vão tirando a roupa. Peça por
peça é lançada no fogo. Ao final, estão cobertas apenas por uma toalha. Parece
um ritual religioso. Mas não é. Trata-se de uma sessão de treinamento para
executivos. Bem-vindo à era dos cursos alternativos. Nela, vale tudo: dança em
volta de fogueira, exercícios no meio do mato e até florais de Bach. Bobagem?
Bem, essas técnicas têm seduzido empresas que não são conhecidas exatamente por
jogar dinheiro fora, como Alcoa, Ticket, Amil, Castrol, Usina da Barra e
General Motors”. Tem início a onda dos treinamentos exóticos.
– Warren Bennis, um dos mais respeitados acadêmicos americanos especialistas em
liderança, lança A Invenção de Uma vida, quie não chega a ser um best-seller,
mas marca a preocupação com o relacionamento interpessoal nas corporações.
1997
– Exame publica como matéria de capa A marca chamada Você, artigo do guru
americano Tom Peters sobre como administrar o marketing pessoal para manter a
carreira em alta: “Independentemente da idade, cargo ou ramo de trabalho em que
atuamos, todos nós precisamos compreender a importância de criar marcar
registradas. Somos os executivos-chefes de nossas próprias empresas: Eu S/A”.
– Mudam as técnicas de entrevista. A idéia é selecionar as pessoas que tem mais
jofo de cintura e são mais criativas e práticas – o perfil ideal para uma era
de mudanças rápidas: “Não se assuste se durante uma entrevista, você se
defrontar com uma pergunta aparentemente absurda, como: ‘Qual a área das
listras negras de uma zebra’? Ou: ‘Quantos barbeiros existem em São Paulo’?”
– O motor da liderança é considerado o livro mais relevante deste ano nos
Estados Unidos. Assinado pelo professor e consultor Noel Tichy, da Michigan
Business School, a obra apresenta, entre outras, a seguinte teoria: um líder
não precisa viver experiências extraordinárias para se inspirar. Todos nós
vivemos experiências – que podem ser uma fonte inesgotável de aprendizado.
1998
– O Fator Humano, reportagem de capa, marca a guerra pelos talentos. Foi assim
que a americana McKinsey, a maior consultoria mundial de gestão, batizou um
estudo no qual foram investigadas 77 empresas e entrevistados mais de 6000
executivos. Talento, segundo a McKinsey, será a mais importante vantagem
competitiva com que uma corporação poderá contar no próximo milênio.
1999
– É o fim das secretárias. Pelo menos tal como ficaram conhecidas e trabalharam
durante décadas. A tendência vem especialmente com a explosão das empresas na
internet. Mas já era praxe em organizações como o banco Garantia, desde meados
da década de 80. A antiga secretaria passa, então, a ser uma espécie de
assessora do executivo.
2000
– A diversidade ganha importância nas empresas brasileiras. O argumento: ter
diferentes perfis dentro de uma corporação colabora com a criatividade e
pluralidade das decisões.
– Surge o coach corporativo, o executivo que tem habilidade para desenvolver
pessoas, sobretudo os subordinados imediatos.
– A hipercompetição é algo saudável para as empresas? Em busca de bônus
milionários, os executivos da AmBev são capazes de quase tudo. O dia-a-dia é
uma competição na qual só os melhores sobrevivem e a empresa sempre ganha.
– A sopa de letrinhas corporativa nunca esteve tão rica de novas combinações, o
Brasil e no mundo: CEO (chief executive officer), CFO (chief financial
officer), CIO (chief formation officer), entre vários outros chief-alguma
coisa.
2001
– Uma matéria de capa trata da questão do desenvolvimento de lideres nas
empresas. A historia da sucessão de Jack Welch é emblemática: “Hoje em seu
lugar está Jeffrey Immelt, engenheiro, 45 anos, ex-estrela da liga
universitária americana de basquete, ex-presidente da fraternidade do Dartmouth
College e antigo chefe da divisão de sistemas médicos da GE. O ‘novo cara’,
como é chamado por Welch, era um entre centenas de talentos recrutados e
desenvolvidos numa corporação de 340 mil funcionários espalhados por todo o
mundo”.
– A pressão por lucros imediatos faz o inferno dos presidentes, segundo mostra
Rakesh Khurana, professor de Harvard: dois terços das maiores companhias do
mundo trocaram de presidente pelo menos uma vez os últimos cinco anos. O tempo
que esses executivos permanecem o cargo parece – e é – cada vez mais curto
Michael Hawley e Durk Jager ocuparam a presidência da Gillete e da Procter
& Gamble, respectivamente, por 17 meses. Richard Thoman, da Xerox, durou
pouco mais de um ano o cargo.
– Pelo menos 30 grandes empresas brasileiras lançaram a própria universidade
corporativa nos últimos dois anos. O conceito: num mundo de rápidas mudanças, a
capacidade de aprender tem papel estratégico em qualquer empresa. As
corporações já descobriram que, nestes tempos de turbulência, o conhecimento
tem prazo de validade cada vez menor.
2003
– Exame aponta numa matéria de capa um paradoxo no mundo dos negócios: as
empresas cada vez mais procuram executivos que produzam muito e consigam
conciliar a vida profissional com a pessoal – os atletas corporativos. “A
realidade, porém, é diferente. Elas ainda são fábricas de workaholics”.
Fonte: Exame de 15 de maio de 2003 – pgs. 118 a 124