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Novos estudos mostram que a perseguição feita pelo mau chefe não afeta apenas a produtividade das empresas – também faz mal à saúde dos funcionários.

Aos 35 anos, Philippe Rouchou era gerente comercial de uma grande companhia européia com sede em São Paulo. Com dez anos de casa, aparentemente não tinha motivo para maiores preocupações com a carreira. Até que, num processo de fusão, a empresa foi incorporada a outro grupo e, na troca de comando, Rouchou ficou subordinado a um chefe recém-chegado. O que poderia ser um fato normal na vida de qualquer assalariado transformou sua rotina num inferno. O novo superior o proibiu de falar em reuniões e, depois de algum tempo, passou a não mais lhe dirigir a palavra. Ao mesmo tempo, foi reduzindo sua área de atuação. Progressivamente acuado, Rouchou mergulhou num sofrimento com reflexos físicos: insônia, enxaqueca, dores na coluna, emagrecimento. Acabou demitido. “Foi um choque”, recorda. “Depois de dez anos ouvi que não me encaixava no perfil”. Hoje, esse período faz parte de um passado de que ele não gosta de se lembrar, mas que foi superado. Como gerente de vendas da Nikon para o Mercosul há dois anos, deu a volta por cima. Desta historia, só o final feliz não é corriqueiro. A situação psicologicamente massacrante a que ele foi submetido por seu chefe é comum nas empresas e, já há algum tempo, tem sido apontada como prejudicial à produtividade. O que não se sabia – ou não se levava em conta – até muito recentemente, é que a má chefia não abala apenas a saúde das companhias. Ao contribuir para a degradação do ambiente de trabalho, ela traz danos concretos à saúde de seus subordinados.

É a esse universo de sofrimento cotidiano no trabalho que a médica paulista Margarida Barreto se dedica há cinco anos. Em 1996, iniciou a pesquisa que hoje reúne milhares de historias ouvidas de gente que trabalha em empresas de todos os portes, de todos os setores, em todos os níveis hierárquicos. Do mais subalterno trabalhador da industria aos mais altos níveis executivos há relatos de chefes que infernizam a vida, atrapalham o trabalho e prejudicam a saúde de seus subordinados. As historias contadas pelos entrevistados vão muito alem das cobranças de resultados normais em qualquer emprego, mesmo que às vezes feitas alguns decibéis acima do que qualquer um gostaria. São comuns relatos de chefes que simplesmente passam a ignorar o subordinado, deixando de dirigir-lhe a palavra por dias a fio. Ou de pessoas que, de uma hora para outra, ficaram seu computador, sua copiadora ou qualquer outro instrumento de trabalho. Ou, então, foram isoladas fisicamente. “O castigo ainda é uma prática muito comum”, diz ela. “São atitudes que desqualificam, desmoralizam, desacreditam o funcionario, e muitas vezes o levam a pedir demissão.”

Margarida Barreto tem 25 anos de experiência como médica dod trabalho e concluiu no ano passado sua tese de mestrado em psicologia social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual analisa os efeitos do que chama de “uma rotina de humilhações” sobre a saúde. Para esse trabalho, ela ouviu cerca de 2000 trabalhadores de 97 grandes industrias de São Paulo. Muitos relataram sofrer humilhações constantes e, simultaneamente, apresentaram sintomas já amplamente associados a situações de stress, como distúrbios de sono, dor de cabeça e pressão alta. A partir daí, resolveu ampliar seu universo de pesquisa para profissionais de outros setores e incluir os níveis gerenciais e executivos. Os relatos são espantosamente parecidos. “Quem precisa do emprego tem de calar-se e agüentar. Aí você sente tudo. Vêm as dores, a raiva, a revolta”, resume um dos entrevistados, que trabalha na indústria química.

Esse foi o primeiro trabalho a expor, no Brasil, um problema que vem chamando a atenção de especialistas em vários paises. Os alertas vêm de todos os lados. A saúde mental nas empresas é uma das maiores preocupações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e tem aparecido nas estatísticas como um dos principais fatores de aposentadoria precoce. Na União Européia, o Fundo Europeu para a Melhora das Condições de Trabalho, mantido por sindicatos, estima que cerca de 12 milhões de trabalhadores (8% do total) sofrem de problemas decorrentes de opressão e humilhação nas empresas. E nos Estados Unidos, John Kotter, um dos maiores especialistas em recursos humanos do momento, autor de best-seller como Liderando Mudança e Afinal, o que fazem os Lideres, concluiu sua análise sobre as conseqüências da liderança inadequada com cores fortes. “Mais dramáticos que qualquer número são os casos singulares de pessoas que sofrem sob o comando de tiranos e incompetentes”, diz. “A dor, exibida com espalhafato ou sofrida em silêncio, pode ser imensa quando as pessoas perdem o emprego devido a reengenharias incompetentes ou se esgotam sob a pressão de ter de sustentar resultados abalados”.

O grave nisso tudo é que, diferentemente do que acontece com os riscos físicos de determinados ambientes de trabalho, como exposição a poeiras e gases que provocam doenças pulmonares ou más condições de segurança, que aumentam os acidentes de trabalho, a pressão psicológica é invisível. Portanto, é impossível medi-la a não ser a partir de suas conseqüências sobre a mente e o corpo de quem trabalha. Muitas vezes, inclusive, a pior opressão vem de atitudes aparentemente bobas, mas tão comuns que sua descrição transformou em best-seller na França o livro Assédio Moral, a Violência Perversa no Cotidiano, da psicanalista Marie-France irigoyen. Lançado em 1999, o livro já vendeu quase 400.000 exemplares e foi editado em quinze paises – inclusive aqui, pela Bertrand Brasil. O sucesso se deve à narrativa de situações pelas quais a maioria das pessoas já passou. Como num filme de terror, uma situação aparentemente inofensiva vai se tornando perigosa e assustadora. Num primeiro momento, as pessoas envolvidas tentam ignorar as agressões que recebem. Em seguida, os ataques vão se multiplicando e a vítima se vê acuada, aniquilada, sem forças para reagir diante da pressão de alguém mais forte e poderoso. “Não se morre disso, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, ofendido, deprimido. E é difícil recuperar-se” diz a autora.

A recuperação é tão difícil que muita gente não consegue. A bancária Maria Antonia Rebelo acabou incluída no plano de demissão voluntária (PDV) do Santander depois de 23 anos e meio de serviço, iniciado com um concurso para o Banespa. Foi no Banespa que Maria Antonia conheceu um chefe tirano. Agora, aos 44 anos, ainda vive à base de antidepressivos e chora toda vez que se lembra das humilhações por que passou. Antonia foi afastada da função de caixa no Banespa porque desenvolveu uma tendinite. Seu chefe a ridicularizava por causa da doença, dizendo que ela estava inventando motivo para não trabalhar. E começou a transferi-la de setor, sempre sob a alegação de que não estava dando certo. “Acabei acreditando que era incompetente, ou louca”, conta Antonia.

É uma reação comum, diante de um cerco cada vez mais fechado, o subordinado acabar se comportando de maneira a justificar a punição. Numa situação de crise, o indivíduo pode reagir dando o melhor de si para achar soluções. Mas, numa circunstância em que tem que provar que é bom apesar de estar pressionado e inseguro, ele só vai conseguir mostrar a própria fragilidade, expor os próprios defeitos. Acaba dando razão ao chefe que o considera incompetente e acrescenta mais um item ao seu rol de motivos de sofrimento: a vergonha. “Trata-se de um fenômeno circular. Uma seqüência de comportamentos deliberados por parte do agressor destina-se a desencadear a ansiedade da vítima, o que provoca nela uma atitude defensiva, que é, por sua vez, geradora de novas agressões”, analisa Marie-France Irigoyen.

O lado mais cruel desse tipo de sofrimento é que ele atinge o que se transformou no centro da vida do homem moderno. Mais do que fonte de sobrevivência, o trabalho constitui hoje a principal identidade do cidadão. Depois do nome, é a profissão, ou o emprego, que define o lugar do indivíduo no mundo. Por isso é tão dolorosa a experiência de ver seu trabalho ignorado ou desqualificado – além, evidentemente, do medo de ficar desempregado que a desaprovação do chefe provoca. O psiquiatra João Ferreira, diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do rio de Janeiro (Ipub), cita uma pesquisa na qual foram entrevistados 1800 funcionários do Banco do Brasil sobre suas condições de trabalho. A queixa principal, surpreendentemente, não foi a de excesso de serviço ou de salário baixo. “A esmagadora maioria das reclamações referiu-se à falta de reconhecimento. É isso que incomoda mesmo, causa ressentimento e rancor”, diz Ferreira.

O assunto pega fogo na internet, onde existem dois sites exclusivamente dedicados a esse tipo de conflito (www.assediomoral.f2s.com/index2.htm e www.assediomoral.org), que recebem centenas de relatos por mês. O presidente da Yahoo! No Brasil, Bruno Fiorentini, é um que quase sucumbiu à pressão de seu primeiro chefe, numa grande multinacional com sede no Rio de Janeiro. “ele queria me convencer de que eu era incompetente, e podia ter conseguido”, lembra Fiorentini, que carregou para a empresa que hoje dirige uma grande preocupação em fechar os espaços para abusos de chefias. Na Yahoo! Foi instituído um sistema de avaliação múltiplo. Cada diretor é avaliado por outros diretores, pelos gerentes que lhe são subordinados e pela presidência. “Isso dificulta muito as injustiças que podem acontecer quando a comunicação está restrita a um único chefe”, diz. Essa é uma tendência em boa parte das grandes empresas, que já incorporaram à sua administração a idéia de que o relacionamento humano está diretamente ligado à produtividade.
“É fundamental ter habilidade para lidar com gente, para não perder a contribuição que cada um pode dar a qualquer projeto”, diz Antonio Carlos Martins, diretor da Perfil Consultores, a maior consultoria de recrutamento de executivos do Rio. Em sua rotina de entrevista com candidatos a postos importantes em grandes companhias, Martins já percebeu que a preocupação existe dos dois lados. As corporações fazem uma série de exigências e consideram inaceitáveis alguns defeitos em seus chefes. Os candidatos, por seu lado, querem saber qual é a organização, seu porte, sua importância no mercado e também quem será seu superior imediato. “eles sabem que na vida profissional um mau chefe pode provocar prejuízos irreversíveis à carreira”, afirma.

Mas, se as empresas andam tão preocupadas com esse aspecto – e têm efetivamente tomado medidas para melhorar o ambiente de trabalho – por que o chefe carrasco ainda está tão presente? A diretora de recursos humanos da Xerox do Brasil, Priscila Soares, é pragmática. Antes de iniciar qualquer análise, ela ressalva que, do lado do subordinado, existe um desejo irrealizável de trabalhar sem pressão. “Num mundo competitivo como o nosso, não há como fugir da pressão, das metas, da busca por melhores resultados. Não adianta ser contra ou a favor, tem de encarar”, diz. É verdade que o panorama da economia mundial é para lá de desfavorável. Os índices de desemprego não param de crescer, e o fantasma da falta de trabalho é mais assustador que qualquer problema no emprego.

Isso não significa, contudo, que as empresas não tenham responsabilidade sobre os abusos cometidos por seus chefes. Priscila admite que normalmente as companhias subestimam essa função. “Um gerente precisa conhecer muito bem o funcionamento da empresa e ter um bom relacionamento com as pessoas. Muitas vezes se privilegia uma perna só”, avalia. Aliás, nestes tempos de descoberta da importância das relações humanas para a produtividade, o erro mais freqüente é dar excessiva importância ao bom relacionamento e deixar de lado a capacidade gerencial propriamente dita. “O resultado é um desastre. Afinal, ninguém respeita chefe bonzinho”, diz Priscila, ela mesma classificada por alguns de seus comandados como “um trator”.

O aspecto curioso da situação é que, observados sob outro ângulo, os chefes também são vítimas da pressão no trabalho – de certa forma até mais que seus subordinados. Na organização moderna das empresas houve uma pulverização do poder. Há mais chefes hoje que na rígida estrutura piramidal que vigorava até pouco tempo atrás, e cada um deles tem menos poder. Portanto, existe também uma competição horizontal. “Houve uma falsa distribuição de poder, fazendo com que a posição da chefia seja a mais ameaçada”, observa a psiquiatra Silva Jardim, do Ipub.

Além disso, é sobre os chefes intermediários que recai a maior cobrança. Ele fica espremido entre a cobrança cada vez mais implacável de metas por parte da direção da empresa e o medo de que seus subordinados não sejam capazes de atingir os objetivos. Quando a equipe do Ipub fez a pesquisa sobre as condições de trabalho no Banco do Brasil, foram ouvidas pessoas em todas as posições hierárquicas – caixas, atendentes, funcionários da compensação, chefias intermediárias e superintendentes. A constatação foi que a maior carga de trabalho estava nas chefias intermediárias. “É um pessoal que não tem horário, se for preciso prorroga o expediente e é quem toca adiante a pressão por desempenho.”, diz João Ferreira, diretor do Ipub. Como se não bastasse, boa parte dos chefes faz ainda uma confusão fatal. Acham que são meio donos da empresa onde trabalham. Quando são demitidos, ou rebaixados, passam por uma grave crise de identidade.

Com raras exceções, desmandos de chefia têm o aval da empresa, nem que seja por omissão. A psiquiatra Silva Jardim considera que o conflito é inerente ao trabalho, mas a humilhação é simplesmente abuso de poder – e, como tal, não deve jamais ser tolerada. A companhia que não age para coibir esse tipo de ação é co-responsável pelas conseqüências. A psiquiatra lembra que já houve tempo em que as empresas não se responsabilizavam pelos danos físicos do trabalho. Até o fim do século XIX, não se falava em saúde nas fabricas. Perdiam-se pedaços do corpo em acidentes, e o trabalhador ficava totalmente desamparado. Em 1890 surgiu, nas minas de carvão da Inglaterra, a figura dos delegados de segurança e só quase trinta anos depois, em 1919, se formou o conceito de doença profissional.
A saúde mental só começou a merecer alguma atenção das empresas no final do século XX, quando os problemas decorrentes da organização do trabalho começaram a comprometer a produtividade. Hoje, existe uma lista de distúrbios psíquicos que podem ser considerados como doenças relacionadas ao trabalho. Entre elas, algumas manifestações de alcoolismo crônico, episódios depressivos, síndrome de fadiga, transtornos do ciclo do sono e, no limite, o burnout, nome técnico da síndrome do esgotamento profissional, uma espécie de blecaute provocado por excesso de stress. “No início da Revolução Industrial foi preciso dar atenção aos limites físicos do homem para conter a mortalidade nas fábricas. Agora, o mesmo tem de acontecer com os limites psíquicos”, conclui Silvia Jardim.

A rotina humilhante

As atitudes listadas abaixo não fazem parte da política de recursos humanos de nenhuma empresa. Ainda assim, esses castigos são comuns no dia-a-dia do relacionamento entre chefes e subordinados.

– Parar de cumprimentar
– Ignorar a presença
– Menosprezar ou ironizar o trabalho em público
– Deixar sem ocupação
– Transferir de setor com intenção deliberada de isolar
– Retirar os instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador
(publicado em Veja de 31 de outubro de 2001 – pgs 102 a 109

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