Administração e Gestão de Empresas: Conheça o perfil dos principais escritores
5 de fevereiro de 2019A evolução dos conceitos da Administração nos últimos 30 anos
5 de fevereiro de 2019A quarta onda
A obsessão de Alvin Toffler, um nova-iorquino de 73 anos, é escarafunchar
pistas sobre o futuro. Durante mais de 30 anos, ele se notabiliza pelo sucesso
que3 vem obtendo na empreitada. Toffler vislumbrou um novo e acelerado ritmo de
vida enquanto o mundo cantava baladas inocentes, em meados da década de 60. As
pessoas seriam confrontadas com o que chamou “choque do futuro”, termo que
serviu como titulo para seu primeiro livro, publicado em 1970, que elencou uma
série de fenômenos hoje corriqueiros: a profusão dos conceitos descartáveis,
uma avalanche de informações cada vez mais acessíveis, o uso pessoal de
computadores, então enorme engenhocas restritas a universidades e grandes
corporações. Em 1980, A Terceira Onda propagou pelos quatro cantos a teoria que
divide a historia em três ondas de mudança – a agrícola, a industrial e, enfim,
a tecnológica.
Toffler vê o prenúncio de uma quarta onda nos atuais avanços da biotecnologia.
Quando traça prognósticos, discorre sobre ciência, geopolítica ou negócios com
a mesma desenvoltura. Sua trajetória é quase tão eclética quanto seu discurso.
O primeiro emprego de Toffler, quando ainda era adolescente, foi como operário
na fundição de uma indústria automobilística. Mais tarde, graduou-se em letras
e literatura e iniciou os estudos de fenômenos sociais. Hoje, divide-se entre o
trabalho de consultor de empresas e de órgãos do governo americano, como a
NASA. Um tipo eloqüente, com uma fala pausada, Toffler falou a Exame de sua
casa, no sul da Califórnia, onde trabalha em tempo integral.
Qual será a quarta
onda?
Hoje vivemos a ultima parte da terceira onda – um rápido e revolucionário
desenvolvimento da biologia e a sua convergência com a tecnologia da
informação. Ate agora a revolução biológica dependeu da tecnologia, sem a qual
as pesquisas não seriam possíveis. Mas daqui para a frente os avanços da
biologia serão determinantes para desbravar fronteiras tecnológicas. A
modificação de algumas estruturas biológicas em seres poderá permitir a
preparação para o espaço. Só então embarcaremos realmente na quarta onda –
vamos considerar o espaço mais seriamente e começaremos a colonizá-lo.
O que fez o senhor
chegar a essa conclusão?
A convergência entre a tecnologia da informação e a biologia já está
acontecendo. Você a vê em manchetes de jornais todos os dias. Os avanços em
relação ao espaço, no entanto, não viram noticia tão freqüentemente. Embora
poucos saibam, caminhamos para uma revolução neste campo. Eu e Heidi, minha
mulher, participamos de um grupo de estudos na NASA, para pesquisar os efeitos
da ausência de gravidade nos astronautas e realizar experimentos biológicos que
terão um impacto significante na medicina. Suponha que você pegue uma gripe e
vá ao medico. Ele pode tirar uma amostra do vírus para fazer testes em
laboratório. Mas jamais poderá estudar precisamente suas reações e determinados
estímulos. O microorganismo não reage da mesma maneira fora do nosso corpo.
Porque dentro do corpo a célula é tridimensional. Quanto você a retira, a
gravidade a torna chapada como uma panqueca. O vírus no espaço, no entanto,
continua tridimensional.
Os computadores
atuais executam tarefas impensáveis há até poucos anos. Em 1997, o Deep Blue,
da IBM, venceu o campeão russo Gary Kasparov numa partida de xadrez. Já
chegamos ao auge de desenvolvimento tecnológico?
Os computadores que conhecemos hoje são como as primitivas ferramentas de pedra
de 10 mil anos atrás. A nanotecnologia está desbravando maneiras de processar
informações em espaços tão minúsculos que conseguiremos construir ambientes em
que tudo ao redor será inteligente. Essas engenhocas estarão intercomunicadas
entre si e com os seres humanos. E serão como poeira. Vamos criar ambientes
inteiros em que seremos parte de uma estrutura de informação invisível. Mas
somos crianças a caminho dessa mudança. E ninguém sabe quais serão as
conseqüências desse ambiente na sociedade ou nos valores das pessoas.
Caminhamos para um período que será cientificamente, tecnologicamente,
culturalmente, socialmente excitante, porque haverá um mundo de possibilidades.
Mas, ao mesmo tempo, será um ambiente extremamente turbulento. As
possibilidades, de um lado, vão resolver problemas. De outro, criarão enormes
conflitos éticos sobre suas aplicações.
Qual deverá ser o
impacto da biotecnologia nos negócios?
Teremos uma corrida para criar robôs, que poderão realizar procedimentos
semelhantes aos do pensamento humano, de uma maneira bem mais eficiente do que
eles já fazem hoje. Há, na ciência da computação, o teste de Turing. Turing foi
um grande pioneiro da computação na Inglaterra da Segunda Guerra Mundial. Ele
propôs que, se você não pode perceber a diferença entre a maneira como uma
máquina e um ser humano respondem a uma mesma situação, para efeito pratico,
não há diferença. Turing achava que chegaríamos a esse ponto com as máquinas. E
ele não é o único. Hoje muitos concordam com essa proposição. Outros dizem que
seremos dominados pelas máquinas. Que uma rede de máquinas integradas criará um
poder intelectual tão grande que ultrapassará o dos seres humanos. Mas é
provável que a grande mudança não esteja relacionada a máquinas, e sim à
biologia. E o que aprenderemos com a nova biologia não será apenas como regenerar
um rim ou fazer um novo braço. Não será somente a capacidade de clonar pessoas.
Seremos capazes de mudar as características genéticas humanas.
As pessoas vão
viver mais? Há o risco de um colapso populacional?
É muito provável que as pessoas vivam mais no futuro. E a mudança na proporção
entre jovens e velhos deve ser algo mais importante do que a evolução do número
de pessoas. O n;úmero absoluto de pessoas aumentou, mas a taxa de crescimento
está diminuindo ano a ano. Mesmo em paises como o Brsil, onde a hipótese era de
que o número de crianças por família aumentaria progressivamente.
O senhor acha que o
ciclo das ondas será cada vez mais efêmero?
Sim. Não uso a palavra ciclo porque não acho que a historia seja cíclica. Mas
as ondas, sem dúvida, estão vindo mais rapidamente. Vivemos uma aceleração da
historia. E isso tem serias implicações para o poder mundial, por exemplo. Há a
discussão de que a única superpotência global são os Estados Unidos, uma
espécie de Roma dos tempos atuais. A razão pela qual essa não é uma boa
comparação é que, em 700 A.C., Roma poderia ser uma potencia por milhares de
anos. A dominação inglesa na Ásia poderia durar séculos. Mas nada dura tanto
hoje. Até as recessões vêm e vão mais rapidamente. E por isso parece improvável
que qualquer nação mantenha uma posição de domínio por muito tempo.
A premissa da
teoria das ondas não era justamente a de que a historia parece seguir
determinados padrões? A idéia de que a historia se repete é uma bobagem?
Não acredito que a historia seja uma linha reta. Mas os fatos também não se
repetem literalmente de tempos em tempos. Não vamos voltar para a Idade Media,
por exemplo. Vejo a historia como uma espiral. Você pode estar numa posição
agora. E depois em outra oposta. Em seguida, você volta a uma posição similar,
mas numa outra fase. Voltemos à comparação entre Roma e os Estados Unidos, dois
grandes centros econômicos e culturais de épocas diversas. Em Roma, você não
tinha uma sociedade globalmente integrada. Não havia uma rede mundial como a
internet que pudesse rapidamente espalhar características culturais de uma
determinada localidade para outra. Alguns aspectos da historia se repetem, mas
num estagio diferente.
O senhor já foi uma
vitima do choque do futuro?
Sim. Certamente. Pergunte à minha mulher. Temos sentido isso mais do que nunca.
O choque do futuro é a necessidade de tomar decisões tão rapidamente que essa
velocidade interfere na capacidade de fazer escolhas cuidadosas. Muitos dizem:
atire primeiro, mire depois. Penso que isso está incorreto.
Essa premissa tem
adeptos no mundo dos negócios. É uma postura sustentável?
Há uma noção hoje de que o sucesso nos negócios depende exclusivamente da
flexibilidade e da capacidade de adaptação. Se você não pensa nos passos que
dará em seguida, você perde o controle do próprio destino. É como se fosse a um
aeroporto e deixasse a multidão empurra-lo para uma sala de embarque qualquer.
A multidão escolhe, por exemplo, que você vai para o Texas. Se você não se
importa com o destino de sua companhia, tudo bem. Do contrário, precisará de
uma estratégia. A multidão vai pressioná-lo? Sim. Mas é possível desenvolver
estratégias novas e um ambiente que seja receptivo a constantes revisões de
rota.
As pessoas serão
mais céticas no futuro?
Elas deverão ser mais céticas. Há muitas pessoas, mesmo as inteligentes, que
caíram em modismos nas ultimas décadas. Numa semana era reengenharia, na
seguinte, qualidade, e na outra, qualquer outra coisa. E as pessoas tendem a
querer estar na próxima onda. Ninguém deveria fazer parte da multidão e ser
como os lemingues, pequenos roedores do hemisfério norte que inexplicavelmente
seguem uns aos outros e pulam de despenhadeiros juntos. Os executivos deveriam
pensar independentemente e não aceitar modismos. Os consultores e gurus
comercializaram modismos. As companhias são freqüentemente mais diferentes do
que iguais. Por isso sou cético em relação a cinco regras para isso, sete
regras para aquilo. . . A massificação de conceitos fez algum sentido na
segunda onda. À medida que evoluímos para uma sociedade e uma economia cada vez
mais desmassificadas, essas regras perdem o sentido.
Afinal, de tudo o
que se vê por aí, é possível distinguir as regras de negócios que valerão nos
próximos anos?
Por que você não me pergunta que ações comprar?
Se o senhor pudesse
me dizer, seria ótimo!
Não compre ações. Acho que veremos mudanças em todo o nosso pensamento
econômico. Eu e minha mulher estamos estudando o assunto nos últimos tempos. A
maioria das regras de economia é cada vez mais obsoleta. É preciso criar novas
teorias econômicas para a sociedade emergente. Os modelos atuais foram
desenhados há mais de 100 anos por economistas capitalistas e marxistas. Eles
analisaram a nova economia do tempo deles. E era a economia industrial –
produção em massa, mídia de massa, distribuição e consumo de massa. E hoje a
sociedade caminha em direção oposta. Falamos em “desmassificacao” da produção
de consumo, enfim, em dissolução de toda a estrutura de massa que a
industrialização criou. Precisamos rever a escala de nossa economia. Não
podemos confiar em nosso pensamento econômico atual, especialmente no
macroeconômico.
O senhor já disse que no futuro não haverá distinção entre empresas grandes e
pequenas, mas entre rápidas e lentas. Só as rápidas sobreviverão. Qual é o
futuro das grandes corporações, que surgiram no início da industrialização, num
contexto de mudanças constantes?
Acho que ainda as chamaremos de corporações, e a relevância delas será a mesma.
Mas a estrutura organizacional será bem diferente. Nos últimos dez anos, essas
companhias passaram por uma fase intensa de terceirização de atividades para
enxugar parte do peso das estruturas monolíticas que foram eficientes na era
industrial, na economia da segunda onda. Em 1961, fiz um relatório para a IBM
sobre o impacto do computador na organização da sociedade e escrevi sobre a
forma como as novas tecnologias podem nos ajudar a gerenciar organizações mais
complexas – maiores e mais velozes – com eficiência. Com a terceirização e a
ajuda da tecnologia, as empresas estão se aproximando de modelo de um banco de
investimentos. Concordo que é difícil gerenciar uma rede de prestadores de
serviços e manter a qualidade. Mas teremos de aperfeiçoar nossos métodos.
É possível ser
grande e ágil?
É possível ser grande, ágil e estúpido. Também é possível ser grande e ter
algumas unidades de negocio ágeis. Mas não é possível tornar a estrutura de uma
grande empresa, como a conhecemos hoje, ágil e eficiente. E agilidade não é um
termo absoluto. Não quer dizer que rápida seja uma companhia que anda a 200 km
por hora. A rapidez se refere à relação com consumidores, fornecedores e
concorrentes. O importante é ser mais veloz em relação aos outros em todos
esses aspectos. A relação entre o tempo, os negócios e a economia é um
território amplo e inexplorado. É o tema do meu próximo livro, a ser editado em
mais ou menos um ano.
A sociedade está
evoluindo eticamente?
Não posso afirmar que a sociedade de 2003 é mais ou menos ética que a de 1902
ou a de 1602. Não acho que o conceito de ética possua um sentido universal e
eterno. Mas um significado diferente em diversas sociedades. Eu, por exemplo,
sou produto de certo momento da historia, cresci sob alguns valores e tento
avaliar os meus atos, pelo menos até certo grau, em termos éticos. Não sei
quantas pessoas no mundo se preocupam com esta questão. É provável que a
maioria leve a vida sem muita filosofia. E fico frustrado com o comportamento
que considero antiético de lideres políticos e pessoas que deveriam ter uma
postura responsável. Eu leio historia – leio muito – e não conheço outra
passagem da historia que seja tão virtuosa, segundo minha própria avaliação. E
já houve sociedades que se diziam corretíssimas, baseadas em critérios dos
quais discordo radicalmente. O que seria ético para um grego, para quem a
escravidão poderia parecer algo natural, provavelmente não será para mim.
O mundo será
melhor?
Se será melhor ou pior dependerá da avaliação de nossas crianças no futuro. Não
da maneira como nós avaliamos.
Fonte:
Exame de 15 de maio de 2003 – pgs. 66 a 69