Cresce o papel do gerente de projetos no Brasil
5 de fevereiro de 2019Em momentos de conflito, empresas mandam executivos para o ‘divã’
5 de fevereiro de 2019Todo governo, por instinto, teme revoluções. A instabilidade
política gera o medo de que o velho regime seja suplantado por um novo, com uma
nova estrutura de poder e novas regras. Uma rápida análise da história das
guerras civis, da Roma antiga ao mundo moderno, demonstra porém que tal medo é
infundado. Uma revolução raramente dá certo. Mesmo quando dá, é mais pela
inépcia de quem detém o poder do que pela superioridade ideológica do
insurgente. O triunfo da revolução bolchevista de 1917, por exemplo, foi fruto
da incapacidade do czar de administrar a 1ª Guerra Mundial e questões internas
russas, e não da força da ideologia comunista. Na mesma veia, o sucesso da
revolução iraniana em 1979 foi viabilizado pela corrupção e pela reação inepta
do xá iraniano, e não pelo clamor popular por um governo de aiatolás.
O mesmo vale para os negócios. É comum, entre líderes de mercado, o temor de
que novas tecnologias e modelos operacionais tornem obsoletos seus produtos e
seus pontos fortes. Quando empresas estabelecidas sucumbem a revoluções, no
entanto, a culpa em geral é só delas. Das duas, uma: ou negligenciaram a
novidade, permitindo que ganhasse impulso, ou a adotaram rápido demais,
desperdiçando recursos e minando seu ponto forte atual sem ter dominado um
outro. Infelizmente, até a mais sagaz das empresas pode descambar para os
extremos da passividade ou do pânico. A Motorola, por exemplo, ignorou o padrão
GSM na crença de que poderia lidar com a ameaça mais tarde – acabou perdendo a
liderança da telefonia celular para as rivais Nokia e Ericsson. No outro
extremo, a AT&T adotou a banda larga cedo demais, com enormes prejuízos
para a organização e sua reputação.
Nos últimos cinco anos, analisei as estratégias de mais de cem líderes de
mercado confrontados com uma ameaça concreta à dinâmica competitiva, ao modelo
de negócios ou à tecnologia de seus respectivos setores. Entre os vitoriosos,
poucos adotaram a postura extrema de ignorar ou abraçar totalmente a revolução.
Antes, apostaram num misto de estratégias voltadas a conter ou modificar a
ameaça – ou, em certos casos, a contra-atacá-la de frente. Tais reações
estratégicas se encaixam em cinco categorias que correspondem, de forma geral,
aos estágios de um processo revolucionário.
Uma empresa que note a aproximação de uma revolução logo nos primeiros estágios
pode adotar táticas de contenção. Ao erguer barricadas, uma líder de mercado
limitaria o nível de adesão à novidade entre o público e a concorrência. Não
raro, a revolução morre ali mesmo. Caso contrário, a contenção preliminar dá à
empresa fôlego para tentar outra abordagem, que é modificar a revolução de
forma que a nova tecnologia ou modelo complemente, em vez de substituir, a sua
tecnologia ou modelo. Tal mudança pode até não anular a ameaça. Mas dá ao líder
tempo para adaptar a inovação de forma que sua absorção não destrua seus atuais
pontos fortes.
Mas nem toda empresa consegue conter o progresso inicial de uma revolução. Em
várias ocasiões, a insurreição é tão rápida que o líder de mercado não tem
tempo para conter, moldar ou absorver o levante. Nesses casos, a empresa
precisa apelar para uma de duas abordagens relativamente mais agressivas. A
estratégia de neutralização afronta a revolução e põe fim à mesma – se preciso,
oferecendo de graça temporariamente os mesmos benefícios da insurgente. Já a de
anulação permite ao líder de mercado transpor a ameaça ou se desviar por
completo dela, que com isso se torna irrelevante.
Nas páginas seguintes, explorarei em detalhes cada uma das cinco estratégias
contra-revolucionárias (veja “Anatomia de uma contra-revolução”). Depois,
mostrarei como a maior fabricante de cerveja do mundo, a Anheuser-Busch,
conseguiu combinar várias delas satisfatoriamente e repelir uma ameaça
potencial ao setor cervejeiro americano – a revolução da cerveja produzida
artesanalmente – , que já redefinira a estrutura e a dinâmica do setor na
Europa.
Conter
“É mais fácil resistir no início do que no final”, dizia Leonardo da Vinci 500
anos atrás. Um líder de mercado sagaz, ao perceber uma revolução em seus
primórdios, tenta confiná-la a um nicho. Em vários casos, é o bastante para
congelar a revolução. Na pior das hipóteses, é uma trégua para que os executivos
tentem identificar a natureza da ameaça e a extensão dos possíveis danos e
decidir se podem modificar, absorver, neutralizar ou anular o motim.
A contenção assume diversas formas. Uma tática é “atrelar” o público à linha
atual de produtos e serviços da empresa por meio de programas de fidelização e
outros incentivos. Um exemplo são os programas de milhagem, que evitam a
migração do público de grandes companhias aéreas como a American e United para
concorrentes de baixo custo como a Southwest e a Virgin. Outro truque é elevar
os custos de migração para o consumidor. O exemplo clássico é o da Microsoft,
cujo software Windows é hoje praticamente indispensável devido ao esforço
envolvido na transição para outro sistema operacional.
Uma líder astuta costuma alavancar ativos complementares como software e
serviços para onerar uma possível transição. Numa inversão de papéis com a
Microsoft, a Sony conseguiu conter a investida da titã do software no mercado
de videogames graças à oferta bem maior de games para o Sony PlayStation 2 do
que para o Microsoft Xbox, que tecnologicamente é mais avançado. Além disso, a
Sony vem investindo mais na criação de jogos desde a chegada do produto rival,
o que dificultará a equiparação da Microsoft.
Outra tática das líderes de mercado para esmagar revoluções embrionárias é usar
seu poderio na distribuição de seus produtos. Fabricantes de bens de consumo de
alta rotatividade, por exemplo, inundam as lojas com artigos em oferta,
ocupando nas prateleiras o lugar que caberia a rivais. Ou lançam bloqueadores
de mercado, bens que explicitamente saciam a mesma necessidade do público. Uma
cortina de fumaça também contém ameaças: no setor de alta tecnologia, é comum
uma líder anunciar lançamento de produtos ainda longe de concluí-los – os tais
vaporware – quando diante de uma ameaça. A idéia é convencer o público a
esperar em vez de apostar no produto rival e também dissuadir a concorrência de
criar artigos similares.
Há quem recorra a campanhas agressivas de relações públicas para deslegitimar,
e com isso conter, uma revolução. Em 1998, por exemplo, a BusinessWeek resolveu
repercutir o suposto lançamento de redes mais velozes e baratas para
transmissão de voz, dados e imagens por empresas como a Intermedia
Communications. Um vice-presidente sênior da MCI foi sarcástico: “Ainda não
criaram a fórmula da fusão a frio. Se nós não podemos comprar certos
equipamentos, ninguém pode.” Ao descartar a ameaça desta forma, a MCI desanimou
o público a trocar de provedora e evitou que os investidores apoiassem a
insurgente. Algo parecido ocorreu em meados dos anos 90, quando a Monsanto
lançou sementes geneticamente modificadas. Grandes fabricantes de sementes e
produtores agrícolas rotularam o produto de “Frankenfood”. A Monsanto teve
ainda, de se defender de acusações de que seu hormônio de crescimento bovino
era “crack para vaca” e contaminava o leite. Tudo isso abriu um debate feroz
sobre a modificação genética na agricultura e na pecuária, algo que até hoje é
um entrave aos transgênicos.
Uma estratégia de contenção se autoalimenta. À medida que menos e menos gente
adota o novo produto ou tecnologia, tem início inevitavelmente um ciclo
perverso de contenção: para ganhar terreno, o insurgente precisa investir mais
tempo e dinheiro, algo impossível se a novidade não emplaca depressa. Quando o
líder de mercado consegue conter o arroubo inicial de uma revolução, é quase
impossível para a insurgente ressuscitar a iniciativa.
Foi o que aconteceu quando a Polaroid invadiu o mercado fotográfico com câmeras
instantâneas nos anos 60 e 70. Para conter a ameaça, a Kodak lançou
imediatamente a Instamatic, uma maquininha de filme comum que de instantânea só
tinha o nome. Mas era fácil de usar e dava ao público amador a sensação de que
a Kodak tentava simplificar a fotografia. Por conseqüência, foi menor o número
de pessoas que testou as câmeras Polaroid, o que reduziu nitidamente o embalo
da revolução da fotografia instantânea. Enquanto a reputação e as finanças da
insurgente eram abaladas, a incumbente recobrava o fôlego. Mais tarde, quando a
Polaroid lançou câmeras instantâneas melhores, como a OneStep, a Kodak não pôde
repetir o feito, embora àquela altura já tivesse preparado outras táticas
contra-revolucionárias.
Modificar
Conter uma revolução nem sempre é possível. Por isso, depois de um certo ponto,
o mais sensato é permitir seu avanço e, à medida que a ameaça se dissemina,
tentar alterar sutilmente a nova proposta, tecnologia ou modelo de negócios
para que não haja riscos ao status quo.
A coexistência pacífica, em vez de luta até o último homem, é a grande meta da
tática de modificação. No início da década de 70, por exemplo, tentou-se vender
a
quiroprática como um substituto à medicina convencional.
A novidade emplacou mesmo depois de taxada de charlatanismo pela American
Medical Association (AMA). Para tentar moldar a ameaça, a AMA sugeriu
legitimação dos quiropratas. Bastaria que deixassem de lado certas alegações
sobre a eficácia da prática e alinhassem seus métodos aos da medicina moderna.
Com o esforço conjunto de autoridades, educadores, prestadores de serviços e
outros responsáveis pelas diretrizes da saúde americana, a AMA impôs suas
idéias à classe. No final, a quiroprática virou um complemento, e não uma
alternativa, ao tratamento médico convencional.
A probabilidade de sucesso dos líderes de mercado na hora de modificar uma
séria ameaça é maior com a união de forças. Em 1991, as três maiores montadoras
dos EUA criaram a joint-venture Advanced Battery Consortium, um consórcio para
o desenvolvimento de tecnologias elétricas que viabilizassem veículos menos
poluentes. Com isso, garantiram no mínimo que nenhuma tiraria proveito de uma
grande descoberta depois das outras. Mais importante, puderam direcionar a
pesquisa para a criação de sistemas híbridos de propulsão, e não de tecnologias
que desbancassem totalmente os motores de combustão interna que todas as três
fabricam. Com a cooperação, General Motors, Ford e Chrysler conseguiram
modificar com maior eficácia a revolução do “motor limpo” e permanecer à frente
das insurgentes. Sozinhas, seria mais difícil. Naturalmente, nada disso
impedirá que continuem a brigar pelo consumidor com linhas diferenciadas de
veículos híbridos quando tal tecnologia finalmente sair do papel.
Uma empresa estabelecida pode cooptar novidades de potencial revolucionário com
seu capital de risco, já que o dinheiro é um poderoso escultor de revoluções.
Uma série de operadoras européias, americanas e asiáticas de telefonia no
padrão GSM – Deutsche Telekom, VoiceStream e Singapore Telecom entre elas –
criou o fundo de risco GSM Capital. Administrado pela Argo Global Capital, o
fundo de US$ 160 milhões investe em insurgentes voltadas à criação de
tecnologias de comunicação sem fio – como conteúdo para internet móvel, torres
de celular e aparelhos celulares – capazes de mudar radicalmente o setor ao
converter celulares em micros remotos. O GSM Capital pressiona toda empresa na
qual investe a desenvolver tecnologias compatíveis com o padrão GSM, e não com
padrões rivais como o CDMA. Além disso, os investidores da Argo estão sempre a
par de qualquer tecnologia desestabilizadora que uma nova empresa venha a
desenvolver. Por sua parte, os candidatos a revolucionários aceitam o papel
interventor dos líderes de mercado porque tais prestadoras de serviços, por seu
porte, podem disseminar tecnologias em escala muito maior.
Uma líder de mercado também pode modificar uma revolução se assumir o papel de
fornecedora das insurgentes. Com isso, é possível não só ter uma idéia do
progresso do levante como influenciar o mesmo. Com freqüência se esquece que,
nos primórdios da fotografia instantânea, a Kodak fornecia vários produtos
químicos usados pela Polaroid para fabricar seu filme instantâneo,
influenciando assim, tanto a qualidade da foto quanto o preço do filme da
rival. A Kodak também pôde monitorar o progresso tecnológico e a participação
de mercado da insurgente e adiar atos mais decisivos (mas potencialmente
canibalizadores, como lançar câmeras e filmes instantâneos próprios ou a
revelação em uma hora) até que fossem absolutamente necessários. Até a Polaroid
se expandir para o setor de fotoquímicos e tirar a Kodak de cena, a líder do
setor parecia satisfeita em lucrar com a revolução.
Absorver
A estratégia de absorção permite à líder de mercado evitar riscos de tomar a
iniciativa ou agir como mera imitadora. Em vez disso, a incumbente assimila a
possível revolução de uma forma que não abale os pontos fortes da empresa no
momento nem condene à morte seus produtos e modelos de negócios correntes. Com
isso, o insurgente assume toda a dor de cabeça envolvida na criação e na
promoção de um modelo ou uma tecnologia revolucionários sem colher os
benefícios.
Uma das maiores gráficas do mundo, a R.R. Donnelley absorveu não uma, mas duas
revoluções sem se desintegrar. No começo dos anos 90, a editoração eletrônica e
os sistemas de impressão descentralizada reduziam num ritmo contínuo a demanda
nas grandes gráficas. Já a disseminação da informação migrava rapidamente da
tinta no papel para a mídia digital. Como resultado dos ataques, o retorno
sobre o patrimônio da Donnelley caiu de 17% em meados da década de 80 para
13,5% no começo dos anos 90.
A Donnelley, porém, conseguiu assimilar ambas as ameaças sem abrir mão da
tradicional economia de escala na produção. Em vez de condenar as imensas
rotativas a peças de museu, a gráfica modernizou o maquinário com o acréscimo
de aparatos automatizados de produção de lâminas e software para controle de
impressão offset. Com isso, pôde reduzir drasticamente o custo dos serviços e
competir por trabalhos pequenos que rumavam para gráficas de bairro e sistemas
de editoração internos de empresas. A Donnelley conseguiu ainda lançar serviços
de margens altas como a impressão de cadernos regionais – ou de bairro – para
jornais e revistas de circulação nacional. Paralelamente, a gráfica aprendeu a
reproduzir conteúdo em meios que não o papel, como CDs e bancos de dados
on-line. A empresa virou uma das maiores copiadoras e distribuidoras de CDs de
software para a Microsoft. Em 1997, o retorno sobre o patrimônio da Donnelley
subia para 19%, maior do que o dos anos 80.
Embora outras líderes de mercado – como Banta, Quebecor e Quad/Graphics –
tenham feito posteriormente a mesma transição, a Donnellley saiu na frente. Com
isso, colheu os maiores frutos. A gráfica absorveu a ameaça com tal velocidade
que muitos clientes creditavam a ela o início da revolução digital na
impressão. De fato, o melhor modo de um líder encampar uma revolução é agir
como se a idéia tivesse sido sua desde o começo.
Uma forma óbvia de absorver uma revolução é cooptar os rebeldes. Uma líder
astuta consegue deixar um revolucionário no ponto para alianças ou aquisição ao
reagrupar o setor em blocos polarizados que não operem com qualquer outro
participante, muito menos um insurgente. Tais blocos geralmente consistem da
líder de mercado, seus fornecedores e aliados fundamentais, como agências de
publicidade, distribuidores e varejistas.
Foi o que ocorreu no setor de refrigerantes nos anos 90. Bebidas alternativas
como Gatorade, Mad River e Snapple faziam investidas revolucionárias. Em
resposta, a Coca-Cola, A PepsiCo e a Cadbury Schweppes criaram três blocos
polarizados que reuniam fornecedores, engarrafadoras, distribuidoras,
consultores e agências de publicidade, entre outros. Tais blocos tornaram
praticamente impossível para as novatas garantir a distribuição em restaurantes
ou o espaço nas prateleiras dos supermercados. No final, as líderes puderam
comparar várias das rebeldes sem muito esforço: A Coca-Cola levou a Mad River,
a PepsiCo comprou a Gatorade e a Cadbury Schweppes a Snapple. Ao notar que não
podiam vencer um grande inimigo num setor polarizado, as revolucionárias foram
obrigadas a juntar-se a ele.
Neutralizar
Quando uma revolução ganha impulso muito rápido, ou foi detectada tarde demais
para ser contida, modificada ou absorvida, o líder de mercado deve ser mais
agressivo para neutraliza-la. Empresas que dominam tal tática costumam notar
que sua fama é um cartão de visitas, desanimando os próximos candidatos a
insurgência.
Entre líderes de mercado, é comum recorrer à Justiça para aniquilar um novo
produto ou modelo de negócios. A Recording Industry Association of America
(RIAA) conseguiu em julho de 2001 que a Justiça fechasse as portas do Napster,
o revolucionário do formato MP3. Representante dos interesses das grandes
gravadoras, a RIAA foi ao encalço dos rebeldes com tanta sede e alarde que
forçou outros insurgentes a continuar pequenos o bastante para escapar aos
radares da associação.
Maias tarde, quando o Napster resolveu criar um modelo de negócios legítimo, a
Bertelsmann tentou comprar a empresa. Para evitar o risco de que alguém
assumisse o controle dos ativos da insurgente e continuasse a desestabilizar a
indústria fonográfica, a titã alemã das comunicações resolveu agir. Talvez sua
real intenção fosse expulsar os revolucionários do mercado depois da aquisição,
estratégia que denomino “tirar de campo”.
Outra estratégia eficaz de neutralização é oferecer de graça os mesmos
benefícios de um insurgente. Em 1995, por exemplo, quando a Microsoft
desenvolveu o Internet Explorer, usuários do Windows levaram o navegador sem
nenhum custo extra, embora a Netscape tivesse passado a cobrar pelo rival, o
Navigator. O navegador era uma tecnologia nova, revolucionária, para a busca de
dados na internet e nos próprios microcomputadores e ameaçava o domínio da
Microsoft em sistemas operacionais e interfaces gráficas. Ao distribuir o
Explorer de graça, a Microsoft tirou da Netscape a chance de ampliar a
penetração de seu software e desbancar o Windows. Alerto, porém, que a empresa
agressiva demais na neutralização pode acabar na mira das autoridades, como
descobriu a Microsoft.
Em geral, um líder setorial pode neutralizar revoluções com um investimento
pesado em pesquisa e desenvolvimento para aprimorar produtos, tecnologias ou
modelos de negócios atuais. A título de ilustração, dou o exemplo da nova
ameaça à Kodak, a fotografia digital. A qualidade da foto processada
quimicamente ainda é maior do que a da equivalente digital. Com o filme, há
mais resolução, cores mais vivas e mais duradouras, imagens melhores mesmo com
fraca iluminação. Além disso, a ampliação em papel é mais difícil de alterar,
uma vantagem em certos casos. Logo, para a Kodak, o melhor talvez seja aprimorar
a linha de filmes e reduzir seu preço, e não embarcar na onda da fotografia
digital, sobretudo porque as margens, no caso, são muito menores. Há pelo menos
15 anos, o filme convencional vem ficando mais fácil de usar, melhor em
qualidade e mais barato de revelar e ampliar. Já a fotografia digital ainda não
virou – e talvez nunca vire – um setor lucrativo.
Anular
Se neutralizar significa esmagar uma revolução, anular equivale a torna-la
irrelevante. Estratégia contra-revolucionária mais decisiva do arsenal da
líder, deve ser usada apenas quando a ameaça for irrefreável. É uma operação
cara, que leva tempo para deslanchar. É também uma estratégia de alto risco,
pois traz consigo o perigo da canibalização.
Há duas formas de anulação: transpor uma revolução com outra ainda maior,
condizente com o ponto forte do líder de mercado, ou se esquivar totalmente
dela. Com a transposição, o líder recupera a aura da vanguarda e ainda afugenta
a próxima geração de insurgentes.
Um exemplo é o da Gillette, a líder dos produtos de barbear que transpôs duas
revoluções sucessivas. Até o começo dos anos 80, a Bic conseguia, com um êxito
considerável, convencer o público a migrar do sistema de cartuchos da Gillette
para aparelhos descartáveis. Com isso, a líder foi obrigada a lançar aparelhos
descartáveis, o que canibalizou sua linha mais rentável. Em resposta, a
Gillette decidiu suplantar a revolução. Tornou irrelevante o apelo descartável
ao lançar produtos que elevavam radicalmente a qualidade do barbear. Graças a
novas tecnologias fabris de solda a laser, a Gillette lançou as lâminas de
barbear Sensor e Sensor Excel, de qualidade e margem mais altas. Enquanto a Bic
lutava para dar o troco, a líder transpôs novamente sua própria tecnologia ao
substituir o Excel pelos sistemas de barbear Mach 3 e Mach 3 Turbo, de
qualidade e margens ainda maiores.
Uma vez que a transposição embute todos os riscos de liderar uma revolução, em
geral o melhor para o líder é se desviar da ameaça com uma alteração nas bases
da competição.
Acuada por várias investidas revolucionárias na produção de equipamentos de
informática, a IBM efetuou três desvios de curso. Primeiro, virou uma das
maiores produtoras de software para micros e redes dos EUA, atrás apenas da
Microsoft. Em outra mudança, tornou-se uma das maiores empresas de consultoria
de TI e internet do mundo, competindo com rivais como a Accenture. Numa
adaptação final, a IBM virou uma prestadora de serviços que enfrenta firmas
como a EDS. A Big Blue, como é conhecida nos EUA, se esquivou das ameaças
sofridas no hardware com a intensificação de sua atuação em software e
serviços. Com isso, ainda é uma das líderes do setor de TI e evitou a pressão
nos preços que a recém-fundida HP-Compaq hoje enfrenta.
A rainha dos
contra-revolucionários
As cinco estratégias contra-revolucionárias não precisam ser usadas
isoladamente. Muitas vezes, um líder emprega mais de uma para contrabalançar
diferentes aspectos de um ataque revolucionário. Um exemplo pertinente é o da
Anheuser-Busch, fabricante das cervejas Budweiser, Bud Lite, Michelob e Busch.
A empresa entrelaçou diversas estratégias contra-revolucionárias para refrear a
ameaça das cervejas artesanais nos anos 90 e reforçar sua posição como força
dominante do setor nos EUA.
No início da década de 90, o mercado da Anheuser-Busch andava choco como um
chope de dois dias atrás. Sua taxa de crescimento oscilava entre 1% e 2% ao
ano. Mas um segmento do mercado decolava: o das cervejas artesanais. Eram
cervejas produzidas em diversos pubs e microcervejarias, como a Sierra Nevada
Brewing e a Redhook Ale Brewery, ou por intermediárias que terceirizavam a
fermentação das bebidas feitas em grandes cervejarias regionais. A Boston Beer,
que detém a marca Samuel Adams, é uma destas.
Embora em 1994 as cervejas artesanais respondessem por apenas 5% do mercado, as
vendas disparavam: desde 1990, vinham subindo entre 25% e 70% ao ano. A onda
artesanal conquistara o público jovem e de renda média a alta. Já marcas como a
Budweiser, Miller e Coors atraíam cada vez mais os segmentos mais velhos e de
renda menor da população.
A cerveja artesanal parecia encarnar uma mudança fundamental nos hábitos de
consumo do americano. A mesma força por trás da tendência – a demanda por
variedade cada vez maior – revolucionara ao longo de duas décadas os mercados
de café e vinho. Pequenas vinícolas vinham suplantando a Gallo, Anheuser-Busch
do vinho, apesar da ausência de economias de escala. Já cafés aromatizados
tomavam o lugar das grandes marcas da Procter & Gamble e da General Foods.
Pior, a tendência das produtoras artesanais era um fenômeno mundial. As quatro
maiores cervejarias alemãs detinham juntas apenas 25% do mercado, enquanto
1.200 pequenas cervejarias controlavam o resto. Na Holanda, a líder Heineken
dividia o mercado com vários fabricantes belgas de cervejas especiais. Já o
mercado chinês era formado por milhares de marcas locais, com apenas uma
nacional, a Tsingtao.
As microcervejarias ameaçavam tornar obsoleta a tradicional vantagem de custos
da Anheuser-Busch, fundada na produção em massa. Aderir à revolução, porém, era
uma opção cara. A líder do setor teria de investir pesado para imitar a
britânica Bass Brewers, cujas instalações haviam sido reformuladas para
produzir várias marcas em volumes menores. Para isso, a Bass usava caldeiras
pequenas e linhas de produção flexíveis, embora menos eficientes que as da
Anheuser-Busch.
A Anheuser-Busch decidiu tentar uma abordagem diferente e iniciou o
contra-ataque em 1993 com uma seqüência de medidas de contenção. Primeiro,
lançou uma série de bloqueadores de mercado com a criação do Specialty Brewing
Group, que distribuía volumes pequenos de cervejas artesanais como Red Wolf,
Elk Mountain em diferentes variações, além da cerveja malte Elephant Red.
Algumas, importava do Canadá. Em vez de tentar desbancar as líderes de venda da
empresa, o grupo oferecia as marcas novas para que os distribuidores da
Anheuser-Busch não optassem por bebidas das cervejarias e microcervejarias
independentes.
A seguir, a líder criou incentivos monetários e outros programas “voluntários”
para que seus 900 distribuidores trabalhassem apenas com suas marcas. Embora a
campanha por “100% de fidelidade entre 70% dos distribuidores” tenha resultado
num inquérito, o Departamento de Justiça americano suspendeu a investigação em
outubro de 2001sem tomar qualquer medida contra a empresa. As marcas
bloqueadoras aliadas à força da líder na distribuição, confinaram
temporariamente a ameaça.
Em meados de 1994, a titã do Missouri percebeu que já não podia conter a
revolução. Decidiu modificá-la. Ao comprar a Redhook Ale Brewery, de Seattle, a
Anheuser-Busch virou a primeira megacervejaria a investir numa microcervejaria.
Com o aporte de capital, a Redhook ergueu mais fábricas, inclusive uma em New
Hampshire. Já a Anheuser-Busch anunciou a distribuição da linha Redhook na Nova
Inglaterra, território da Boston Beer. A cartada alarmou as microcervejarias,
que notaram que a Anheuser-Busch tentava moldar a revolução ao cooptar
microcervejarias como a Redhook para sua causa e usá-las para enfraquecer
cervejas artesanais de maior perigo e crescimento, como a Boston Beer. Fundador
e CEO da Boston Beer, Jim Koch taxou corretamente a tacada de “uma declaração
de guerra”.
A Anheuser-Busch também sinalizou que planejava absorver a revolução, como se
as cervejas artesanais tivessem sido idéia sua desde o começo. A empresa tornou
pública tal intenção ao declarar que sua meta era conquistar metade do mercado
artesanal, de US$ 400 milhões, em cinco anos. Para absorver a ameaça, a
Anheuser-Busch passou a produzir cervejas especiais em suas grandes fábricas
por meio de variação de ingredientes, temperaturas e processos. As técnicas de
produção improvisadas geraram economias de âmbitos, permitindo que a empresa
fabricasse uma gama de cervejas artesanais a custos inferiores aos de uma
microcervejaria. Empresa também se beneficiou de suas economias de escala em
marketing e distribuição.
A Anheuser-Busch inundou o mercado com marcas que iam da linha American
Originals, distribuída nacionalmente, a cervejas de nicho como a ZiegenBock
(vendida só no Texas) e a Pacific Ridge Pale Ale (que inicialmente só foi
distribuída na Califórnia e ainda é vendida em parte do oeste americano). A
líder também alavancou a decadente marca Michelob para lançar diversas cervejas
especiais a preços mais baixos, tais como Michelob Maple Brown Ale, Michelob
Winter Brew Spiced Ale, Michelob Amber Bock, Michelob Lager e Michelob Pale
Ale.
Um fato crucial foi que a líder enfrentou a revolução de frente e provou que o
público aceitaria um produto artesanal com o nome de uma grande cervejaria no
rótulo. Isso neutralizou o princípio fundamental no qual as pequenas
fabricantes haviam fundado a revolução das cervejas artesanais: o de que uma
cerveja de alta qualidade teria de ser produzida em pequenas cervejarias, por
artesãos que se confundiam com artistas. À medida que o público aderia a suas
novas cervejas, a Anheuser-Busch transformou a onda da cerveja artesanal, que
passou de revolução de microcervejarias a revolução de cervejas especiais.
Desde o começo, a Anheuser-Busch nunca tentou ocultar o fato de que era o
maestro de suas micromarcas. Buscando maior transparência, a líder iniciou um
ataque às fabricantes da Sam Adams e da Pete’s Wicked Ale, por ela vilificadas
como cervejas que projetavam uma imagem de produção caseira quando, na verdade,
eram produzidas nas instalações de cervejarias terceirizadoras ou grandes
empresas. A Miller Brewing criara mesmo uma microcervejaria fantasma, a Plank
Road Brewery, e lançara marcas de cervejas artesanais como Red Dog, Plank Road
Icehouse e Southpaw Light, embora fossem todas feitas em suas grandes fábricas,
algo que a Anheuser-Busch logo denunciou. Várias das 1.250 pequenas cervejarias
passaram a sentir a rejeição do público com a eclosão da acirrada polêmica
sobre quem realmente fermentava suas cervejas. A Anheuser-Busch conseguira
tirar a legitimidade da revolução da cerveja artesanal.
Ao final de 1997, as várias estratégias contra-revolucionárias da
Anheuser-Busch haviam demolido o mercado de cervejas artesanais. As cervejas
perderam o sabor da novidade, já que havia um mar de opções para o público.
Microcervejaria virou sinônimo de microlucro. Centenas delas quebraram.
Com a queda de demanda, várias cervejarias regionais fecharam. Com isso, quem
terceirizava a produção e dependia delas para fabricar seus produtos e teve de
sair de diversos mercados. As quatro maiores – Boston Beer, Pete’s Wicked Ale,
Redhook e Pyramid – viram suas vendas caírem conjuntamente 24% entre 1996 e
2000. Já a participação de mercado da Anheuser-Busch cresceu de 44,8% em 1990
para quase 50% em 2001. Seu desempenho financeiro também melhorou
acentuadamente, com um aumento de vendas de 40% e de lucros de 67% ao longo da
década. Assim a Anheuser-Busch manteve a estrutura e rentabilidade do setor e
reforçou a posição de liderança sem abandonar suas marcas, abrir mão das
grandes cervejarias ou absorver a revolução da cervejaria artesanal antes que
estivesse pronta para tanto. Na verdade, a Anheuser-Busch está hoje de volta à
estratégia anterior, revigorando a marca Budweiser e tirando do centro das
atenções as cervejas especiais.
* * *
Um alerta comumente dirigido a executivos é que, se não liderarem a revolução,
alguém o fará em seu lugar. Isso, porém, pressupõe que sejam incapazes de
promover uma eficaz contra-revolução. Num livro que escrevi em 1994,
Hipercompetição , enalteci as virtudes da revolução. É que descobrira vários
revolucionários altamente vitoriosos. Só que muitos dos clientes a quem
posteriormente prestei assessoria não queiram aderir a revoluções, mas acabar
com elas. Isso levou a novas pesquisas e, daí, a este artigo.
É fácil achar que revoluções são sempre estratégias vitoriosas. A definição da
palavra “revolução” exclui, em si, tentativas infrutíferas de mudança. Afinal,
tentativas frustradas não são chamadas de revoluções fracassadas: são rotuladas
de rebeliões, guerras civis, levantes ou motins. É por isso que quase toda
revolução parece ter triunfado. O fato é que nem toda empresa tem a estrutura
de uma empresa revolucionária. E é por isso que um líder sensato de mercado não
lidera revoluções. Lidera contra-revoluções.
ANATOMIA DE UMA CONTRA REVOLUÇÃO
– Estratégias de contenção
Usadas quando a
revolução é detectada no começo
· “Prender” o consumidor.
· Elevar outros custos da migração.
· Inundar canais de distribuição.
· Lançar bloqueadores de mercado.
· Criar cortina de fumaça.
· Deslegitimar a revolução.
– Estratégias de
modificação
Usadas quando a revolução já não pode ser contida
· Cooptar os revolucionários.
· Influenciar a revolução com
capital de risco.
· Abastecer e moldar os
revolucionários.
– Estratégias de
absorção
Usadas quando a revolução, embora com chances de triunfo, pode ser alterada
para complementar as atividades da líder
· Absorver a revolução para
aprimorar os negócios atuais.
· Criar blocos polarizados em
preparação à futura compra dos revolucionários.
– Estratégias de
absorção
Usadas quando uma revolução foi detectada tarde demais, alastrou-se muito ou
não pode ser contida, moldada ou absorvida
· Esmagar por vias legais.
· Tirar os revolucionários de campo.
· Oferecer, de graça, os benefícios
promovidos pelos revolucionários.
· Aprimorar continuamente produtos
ou tecnologias atuais.
– Estratégias de
Anulação
Usadas para enfrentar uma revolução madura, que não pode mais ser neutralizada
· Transpor a ameaça com outra
revolução, mais condizente com a força da líder de mercado
· Esquivar-se por completo da
revolução
Richard
D’Aveni é professor de administração estratégica na Tuck School of Business da
Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire.
Fonte: Revista Harvard
Business Review – Novembro de 2002 Pg. 47 a 54