Os 5 princípios da liderança relacional
5 de fevereiro de 2019Como aperfeiçoar os canais ligados ao cliente?
5 de fevereiro de 2019O que a emocionante disputa entre Roald Amundsen e Robert Scott pela conquista do Pólo sul tem a ensinar ao mundo dos negócios
O relógio marcava 15 horas do dia 15 de dezembro de 1911. “Alto!”, gritaram em
coro os condutores dos trenós, puxados por cães esbaforidos. O explorador Roald
Amundsen parou. Após enfrentar quase um ano de nevascas, temperaturas de até 60
graus negativos, terrenos desconhecidos e uma distância de 2240 quilômetros,
Amundsen e outros quatro exploradores noruegueses fincaram sua bandeira naquele
que era considerado o último lugar da Terra a ser pisado pelo homem. Eles
haviam chegado ao Pólo Sul. Haviam, também, protagonizado uma das maiores
conquistas geográficas da história, embora não se dessem conta disso naquela
ocasião. (A próxima grande conquista seria a da Lua, quase seis décadas
depois.) A sensação de Amundsen no momento da chegada foi uma espécie de vazio
pós-dever cumprido. Sua meta, milimetricamente planejada durante dois anos,
havia sido parcialmente alcançada. Ele ganhara a primeira parte de uma corrida.
O perdedor estava 580 quilômetros atrás. O oficial da Marinha britânica Robert
Falcon Scott e sua equipe só chegariam ao Pólo Sul 34 dias depois. Ao deixar a
Inglaterra, 20 meses antes, Scott possuía mais homens, tecnologia supostamente
mais avançada, mais dinheiro e mais apoio oficial do que Amundsen havia
conseguido na então recém-criada nação norueguesa. Ao contrário de Amundsen,
Scott e seus quatro companheiros de jornada jamais retornariam. Famintos,
atacados pelo escorbuto, exaustos após arrastar por meses seus trenós, com as
pernas e os braços gangrenados, deprimidos pela derrota, eles morreram no caminho
de volta. Seus corpos congelados foram encontrados por integrantes da missão
inglesa, no final de 1912.
A história da disputa entre Amundsen e Scott, contada no livro O Último Lugar
da Terra, do jornalista inglês Roland Huntford, é um exemplo acabado do que é –
e, sobretudo, do que não é – ser um líder. É também uma aula sobre as virtudes
do planejamento, da estratégia e do trabalho em equipe. Ambas as jornadas são
inspiradoras e podem servir como uma alegoria do sucesso e do fracasso que
rondam as organizações e seus líderes. Não é preciso fazer comparações entre a
vida nos limites do Pólo Sul e a realidade dos negócios. Elas são evidentes
demais.
Amundsen ganhou a parada, sobreviveu e manteve seus companheiros vivos porque
tinha o verdadeiro espírito do líder. Sabia que só triunfaria se estivesse
cercado das melhores pessoas (às vezes, melhores do que ele próprio), se
mantivesse a disciplina, o foco e o bom senso em situações críticas, se
aprendesse com quem sabia mais, se não teimasse em lutar contra a natureza e a
transformasse numa poderosa aliada. A vitória de Amundsen também se deve ao
fato de que via a conquista do Pólo Sul como uma simples meta a ser cumprida, e
não como uma espécie de drama shakesperiano.
Scott era o oposto em todos os sentidos. Acima de tudo, ele queria ser o herói
de um reino em decadência, a Inglaterra pós-vitoriana. Tinha uma incrível
habilidade de jogar para a platéia. Fazia, por assim dizer, um marketing
pessoal de primeiríssima linha. Seus diários de viagem, extremamente bem
escritos, relatam uma saga de sofrimentos e privações. Durante todo o tempo.
Scott culpa o clima, as más condições do terreno, o azar de isso ou aquilo ter
ocorrido. Nada era conseqüência de sua inépcia como administrador, estrategista
ou líder de equipe. Para Scott, era como se os deuses conspirassem contra seus
objetivos. E, no fundo, isso tornava sua história ainda melhor.
Em sua última mensagem deixada para o povo inglês, Scott dizia: “Nossa ruína
deve-se a este súbito advento do mau tempo (…) Não creio que seres humanos
tenham alguma vez sofrido um mês como o que tivemos (…). Não me arrependo
desta jornada, que mostrou que os ingleses podem suportar sofrimentos, ajudar
uns aos outros e encontrar a morte com a mesma coragem já mostrada no passado.”
A trágica morte fez dele um herói e se transformou na melhor das desculpas para
o colapso da expedição. Tivesse voltado vivo à Inglaterra, Scott teria de
conviver com a sombra do fracasso. O orgulho inglês, por sua vez, ocultou as
razões que fazem de seu sacrifício não um ato de coragem, mas uma manifestação
de incompetência. O mito estava criado.
O espírito de Amundsen, o vencedor
Pequenos traços de personalidade fizeram de Roald Amundsen um grande líder.
Talvez o mais importante deles seja sua mente curiosa, objetiva e simples,
aberta às novidades e às lições que as experiências lhe apresentavam. Médico
por formação. Amundsen amava o gelo, as montanhas e os esquis. Com pouco mais
de 20 anos, foi iniciado na exploração polar. Para aprender como navegar em
regiões glaciais, empregou-se como marinheiro em um navio de caça às focas.
Tempos depois se ofereceu para fazer parte da tripulação do Bélgica, um velho
navio que partiria para a Antártida, abrindo mão do salário. No Bélgica,
Amundsen aprendeu muito a respeito dos efeitos da solidão polar sobre os
homens. Durante todo o inverno de 1898, a tripulação não viu a luz do dia. A
escuridão parecia eterna. Dois homens enlouqueceram. O planejamento era
precário – e de suas conseqüências Amundsen jamais se esqueceria. Não havia
roupas apropriadas nem comida para todos. O frio era quase insuportável. Por
falta de vitamina C, a tripulação foi atacada pelo escorbuto. Só a carne fresca
de focas e de pingüins salvaria a maior parte da equipe da morte. Amundsen
anotava tudo como forma de evitar a repetição de certos erros no futuro.
De volta à Noruega, ele gastou todas as suas economias num veleiro de madeira
com quase 30 anos de uso, o GjØa. Com a precária embarcação, partiria para sua
nova aventura: chegar ao pólo magnético Norte e transpor a Passagem Noroeste,
no Ártico, algo que ninguém ainda havia conseguido fazer. Antes de partir, leu
relatos e conversou com alguns dos grandes exploradores da época. Queria sugar
experiência. Vasculhou o mercado em busca dos melhores esquis e da melhor
comida em conserva. Sua equipe era formada por seis homens com as mais diversas
competências – todas necessárias ao cumprimento da meta estabelecida. Amundsen
não queria recrutar qualquer trabalhador. Exigia iniciativa. Certa vez ele
ordenou a um aspirante que armazenasse peixe seco nos porões do barco. “Não dá
para fazer isso. Não há espaço”, disse o aspirante. Com a habitual
objetividade, Amundsen respondeu: “Também não tem espaço para você a bordo
deste barco. Junte suas coisas e vá embora”.
Seu estilo de liderança fica evidente numa das passagens de seu diário:
“Estabelecemos uma pequena república a bordo do GjØa (…). Por experiência
própria, decidi usar tanto quanto possível um sistema de liberdade a bordo –
que cada um tenha o sentimento de ser independente dentro de sua própria área.
Desse modo emerge, em meio a pessoas sensíveis, uma disciplina espontânea e
voluntária, que vale muito mais do que a obtida compulsoriamente. Cada homem,
assim, tem a consciência de ser um ser humano; é tratado como um ser racional,
não como uma máquina (…) A vontade de trabalhar é muito maior – e ,
conseqüentemente, o trabalho realizado também. Estávamos todos trabalhando com
vistas a uma meta comum e dividíamos com alegria todo o trabalho.”
Amundsen não tinha nenhum respeito pela hierarquia, mas prestava reverência ao
conhecimento que cada um de seus homens carregava consigo. Foi esse tipo de
comportamento que o aproximou dos esquimós Netsiliks, em meio à viagem. Os
Netsiliks ainda viviam na Idade da Pedra, mas conheciam como ninguém os
caprichos do gelo. Com eles, Amundsen aprendeu a construir iglus, a costurar
roupas extremamente resistentes ao frio, que permitiam a circulação do ar e
evitavam a transpiração. Aprendeu, sobretudo, como utilizar cães na tração de
seus trenós. Foi justamente essa habilidade que o colocaria milhas à frente de
Scott na conquista do Pólo Sul. (Scott, que jamais aprendeu a lidar com cães,
preferiu submeter seus homens à tração dos trenós.) A missão de Amundsen, no
entanto, não foi um sucesso total. A Passagem Noroeste foi transposta pela
primeira vez. Mas, por muito pouco (exatamente 30 milhas), o Pólo Norte não foi
atingido. Amundsen poderia ter levado homens e cães ao limite. Mas percebeu que
o preço a ser pago seria alto demais. E, como já foi dito antes, ele não tinha
a menor intenção de virar herói.
Anos mais tarde, durante a expedição ao Pólo Sul, Amundsen usaria a experiência
acumulada em viagens anteriores. As roupas e as botas esquimós fariam com que
sua equipe sofresse muito menos com as baixas temperaturas. Seus trenós,
puxados por cães, e os esquis foram testados durante meses para que estivessem
totalmente em ordem durante a expedição. Um de seus companheiros de viagem, o
jovem Olav Bjaaland, era um virtuose no esqui de montanhas. Experiente,
Amundsen também era um notável e obsessivo planejador. Para evitar que seus
homens morressem de frio, de fome ou de sede durante a viagem, ordenou que
acampamentos com estoques de suprimentos e combustível fossem instalados a uma
distância razoavelmente curta uns dos outros. O cálculo de consumo de
alimentos, propositadamente, sempre excedeu as necessidades. Afinal, era
possível prever que condições os viajantes enfrentariam. A ração – composta de
carne pilada em conserva, biscoitos, leite em pó e chocolate – fornecia
vitaminas e energia suficiente para uma marcha conduzida por cães. Em meio à
imensidão branca e inexplorada, os acampamentos foram devidamente marcados com
bandeiras escuras e pilares de pedras, de modo a sinalizar o caminho de volta
da expedição. Graças a isso, os cinco homens da comitiva norueguesa voltaram a
seu navio o Fram (“avante”, em português), em boas condições físicas e
psicológicas. Inspirados por Amundsen, nunca demonstraram ter dúvidas de que
chegariam ao Pólo Sul e de que sairiam vivos da aventura.
O espírito de
Scott, o derrotado
Autoconfiança não era, definitivamente, um dos atributos de Robert Falcon
Scott. Na frente de seus homens, ele sempre parecia ter respostas para tudo, mesmo
que não fizessem o menor sentido. Na intimidade, porém, ele temia a si próprio.
Suas mensagens para a mulher, Kathleen, mostram dúvidas e autocomiseração. Em
sua segunda e última expedição à Antártida, Scott tinha a seu lado pessoas de
grande valor. Mas nunca soube reconhecê-las e, em alguns casos, fez questão se
afastá-las temendo comparações. Criado nas tradições da Marinha real britânica,
apreciava a subordinação incondicional, mesmo que levasse ao desastre do grupo.
A expedição Terra Nova, o barco de Scott, começou a desmoronar a partir do
momento em que sua falta de liderança ficou evidente para o grupo. Na sua
frente o grupo baixava a cabeça para as ordens e as decisões mais absurdas. Nos
bastidores, seus homens mostravam-se desanimados com o comando capenga.
“Antipatizo intensamente com Scott e jogaria tudo para o alto se não fôssemos a
expedição britânica que precisa vencer os noruegueses”, disse, numa carta
destinada à mãe, o oficial Lawrence Oates. “Scott sempre foi muito cordial
comigo e tenho a reputação de me dar bem com ele. Mas o fato é que ele não é
honesto, é sempre ele primeiro, o resto não conta. E, depois que ele tira de
você tudo o que pode, você tem de se virar por conta própria.” Oates, filho da
velha aristocracia e herói de guerra, foi o segundo componente da expedição a
morrer durante o trajeto de volta. Atacado pelo escorbuto e pela gangrena e
sentindo-se um peso morto para a equipe, deixou a barraca certa manhã e partiu
em meio à nevasca para nunca mais ser visto de novo.
O maior defeito de Scott era a maior qualidade de Amundsen. Ele não conseguia –
ou não queria – aprender nada com erros próprios ou alheios. Nos primórdios do
século 20, já tentara alcançar o Pólo Sul a bordo do navio Discovery – sem
sucesso. A viagem quase se transformou em tragédia por falta de planejamento e
teimosia por parte do líder. Tentou usar cães esquimós, mas não sabia como
alimentá-los e tratá-los. Diante do enorme índice de mortalidade em sua
matilha, Scott decidiu que a tração canina era um fiasco, sem se questionar por
que tudo havia dado errado. Seu grupo tampouco manejava bem os esquis, o que
reduzia sensivelmente a velocidade da caminhada. Sem um plano de viagem, a
equipe avançou muito pouco, adoecendo por falta de alimentação, de roupas adequadas
devido aos enormes esforços a que foi submetida. A expedição foi salva graças à
sorte, embora Scott insistisse em culpar o azar por todos os seus problemas.
Um dos homens a ser atacado pelo escorbuto foi Ernest Shackleton, reconhecido
hoje como um dos maiores exploradores polares de todos os tempos. Há muito ele
vinha incomodando Scott como uma liderança emergente. A doença de Shackleton
caiu como uma luva para Scott. Serviu de explicação para o fiasco da primeira
viagem e, ao mesmo tempo, para afastar um rival. Em 1909, Shackleton voltaria à
Antártida a fim de recuperar sua honra. Chegou muito perto do pólo,
transformando-se num fantasma para Scott. Seu feito só seria superado por
Amundsen, dois anos depois.
A viagem do Discovery parece que não ter ensinado nada a Scott. Durante o
intervalo entre as suas expedições, não se interessou por aprender sobre como
manejar esquis ou cães. Insistiu na tração humana e usou, em parte do percurso,
pôneis, que jamais conseguiram se adaptar às condições inóspitas do Pólo Sul.
Comida e combustível foram estocados no limite mínimo necessário, em abrigos
muito distantes uns dos outros e mal sinalizados, exatamente ao contrário do
que fez Amundsen. Scott e os demais morreram porque não conseguiram localizar o
depósito de comida que poderia ter salvo suas vidas. Seus homens não ousavam
dar palpites, mesmo quando tudo parecia caminhar para o abismo. A fleuma de
Scott também não permitiria que isso fosse feito. Sua estratégia e suas ordens
eram oscilantes. Seus subordinados simplesmente não entendiam o que ele queria.
Além disso, o líder mudava de idéia como mudava de humor.
Faltava-lhe foco. Após encarar a bandeira norueguesa hasteada por Amundsen e a
derrota, Scott forçou seus homens a fazer estudos geológicos. Por quilômetros
eles carregaram 15 quilos de pedras que, no final das contas, não serviam para
quase nada. O desfecho da história dificilmente seria outro.
Fim de viagem
Pelo menos uma qualidade não pode ser negada a Scott: ele era um excelente
contador de histórias. Seus diários o transformaram em herói da causa
britânica. O próprio Amundsen, inábil na arte de comunicar seus feitos, chegou
a sentir remorso por ter ganho a corrida. Pelo menos nesse ponto, Scott saiu-se
vitorioso. Por muito tempo, seu fracasso ficou enterrado consigo sob a neve, em
algum ponto da Antártida.
Depois da conquista do Pólo Sul, Amundsen continuou sua trajetória de
explorador – era a única coisa que sabia e queria fazer. A vitória não lhe deu
fama imediata nem dinheiro. Ao contrário. Endividado por causa da expedição,
teve sua casa arrestada, e só não foi despejado porque seus amigos compraram a
propriedade e deixaram que ele morasse lá até o fim de sua vida. Amundsen
morreu em 1928, durante uma expedição aérea ao Ártico. Seu objetivo era
resgatar o explorador italiano Umberto Nobile – por sinal, um desafeto. Por
ironia do destino, Amundsen morreu como herói que nunca quis ser.
Fonte:
Revista Exame – 30 de Outubro de 2002 – Pg. 122 á 127