Você também odeia reuniões?
5 de fevereiro de 2019O importante não é apagar incêndios, e sim planejar
5 de fevereiro de 2019No
dia 11 de setembro passado, a agencia de noticias Reuters perdeu alguns
funcionários no atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos. Um dos
executivos da empresa, que tem escritório em Nova York, estava trabalhando em
outro estado quando foi informado que um de seus subordinados havia morrido.
Ele lembrou sem dificuldade o nome do profissional e os trabalhos que tinha
realizado, mas, curiosamente, não conseguiu se lembrar de seu rosto. O executivo
ficou consternado ao se dar conta do absurdo da situação – afinal, tratava-se
de uma pessoa com quem convivia. Por isso, sua primeira providencia quando
voltou ao escritório foi dedicar parte do tempo a uma conversa cara a cara com
os outros funcionários. Fez isso para ter certeza de que não iria mais esquecer
a fisionomia de nenhum deles. Essa historia faz parte de uma das palestras do
americano Robert Pasick, psicólogo organizacional e professor da Escola de
Negócios da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e é um triste retrato
de como anda a relação entre chefes e subordinados em pleno século 21. “Não que
esse executivo seja um mau chefe, mas é fundamental que um líder se preocupe de
verdade com sua equipe”, diz Pasick.
Incompetente no
quê?
Na maioria das vezes, quando alguém diz que “fulando é incompetente”, está se
referindo às habilidades técnicas daquela pessoa. Acontece que saber fazer bem
o trabalho é apenas uma das muitas competências que se exigem de um
profissional hoje em dia, ainda mais de quem está no comando. No fim do ano
passado, a consultoria PricewaterhouseCoopers fez um estudo com 12 empresas do
porte da Alcoa, Algar, Natura e BankBoston sobre as dez qualidades mais
valorizadas em um executivo que ocupa porto-chave. Entraram na lista pensamento
estratégico, criatividade e inovação, e gestão de projetos e de mudanças.
Liderança, trabalho em equipe e gestão de pessoas também fizeram parte do
pacote – e é exatamente nessas competências que os chefes costumam escorregar.
“Tenho a impressão de que as empresas se preocupam apenas com a excelência
técnica de seus lideres e não os preparam para se relacionar com as pessoas”,
diz a médica do trabalho Margarida Barreto. Outro estudo, feito pela
consultoria KPMG no começo deste ano, chegou à seguinte conclusão: mais da
metade dos 100 profissionais pesquisados deixou seu emprego por problemas de
relacionamento com os superiores. “Quando o assunto é manter o funcionário na
empresa, um bom chefe vale mais do que um salário compensador”, afirma Pasick.
Poderosos e
imaturos
Sempre houve chefes incompetentes. Talvez eles tenham aumentado em número
porque a guerra por talentos criou um problema muito sério nas empresas: na
tentativa de reter seus funcionários mais competentes, muitas começaram a acelerar
as promoções. “O resultado é que vários profissionais despreparados chegaram ao
poder”, diz a consultoria Irene Azevedo, da KPMG. O conceito de empregabilidade
também deve ser levado em conta para analisar o desempenho de quem está no
topo: é muito positivo que cada um se julgue responsável pela própria carreira,
mas existem muitos profissionais que são promovidos e ficam à mercê da própria
sorte, sem nenhum tipo de apoio da empresa. “É como se o simples fato de virar
chefe tornasse a pessoa apta a exercer o cargo”, diz a consultoria Maria
Aparecida Rhein Schirato, da Rhein Schirato Consultores, e autoria do livro O
Feitiço das Organizações – Sistemas Imagina’rios (Editora Atlas). Além disso,
os chefes constumam ter responsabilidades demais e autonomia de menos acabando
por ficar engessados. Eles – principalmente os gerentes – vivem um papel
ambíguo. “Têm de defender os interesses do dono da empresa, mas são empregados
como qualquer outro funcionário”, observa Maria Aparecida.
Caçadores de
Auto-estima
Eis o cenário ideal para o surgimento dos torturadores psicológicos, aqueles
chefes que tratam seus subordinados como inferiores. “Esses maus lideres, cada
um no seu patamar da pirâmide organizacional, se valem do antigo bordão “eu
mando, você obedece”, e aniquilam a auto-estima das pessoas”, diz Margarida. De
1996 a 2000, ela fez um levantamento sobre os casos de humilhação no trabalho e
chegou a uma triste conclusão: o assédio moral é uma realidade nas empresas
brasileiras (para saber mais sobre o assunto, acesse o site
www.assediomoral.org). Uma das muitas pérolas corporativas que a médica
coleciona é o e-mail que o gerente regional de um conhecido banco brasileiro
mandou a outros 19 gerentes, seus subordinados: “Basta! Quem não entregar a
lição de casa não vai passar de ano. . . Se tivermos outro fracasso neste mês,
os culpados serão vocês, que não souberam levar seus subordinados a realizar as
metas. . .” Margarida conta também o caso do gerente de uma companhia aérea que
tem o hábito de subir na mesa e chamar a equipe de “cambada de incompetentes” e
o de empresas que demitem seus funcionários por telegrama ou em reuniões
coletivas.
Donos da verdade
Errar é humano e lideres também poder cometer erros, certo? Certíssimo, mas
muitos deles erram, sabem disso e mesmo assim se recusam a dar o braço a
torcer, com medo de perder a autoridade sobre os subordinados. “O que eles
perdem é o respeito da equipe. As pessoas sabem quando estão sendo enganadas”,
diz Irene, da KPMG. Se você quer sinceridade dos seus funcionários, deve dar o
mesmo a eles. Discurso e ação têm de ser rigorosamente iguais. Senão, pode
dizer adeus à confiança da equipe
Nada de feedback
Deixar para dizer tudo depois é um pecado mortal porque torna a comunicação
truncada e afeta o moral e a produção da equipe. As coisas devem ser ditas na
hora – sejam elas boas ou ruins. “Se o comentário não for feito logo depois do
ocorrido, não surte o efeito desejado”, afirma Maria Aparecida. Você deve
elogiar ou chamar a atenção de seus subordinados quando os fatos ainda estão
frescos na memória e na emoção deles. Só não vale fazer comentários
atravessados, que humilhem o funcionário. Se não gostar de alguma coisa,
chame-o para conversar a sós, em tom firme, mas sem deixar a delicadeza de
lado.
Supervisores e nada
mais
Muitos gestores agem como inspetores de qualidade, ou seja, só se manifestam
depois que o trabalho está pronto, quando não há mais nada a fazer. O correto é
acompanhar o processo, interferir e dar palpites enquanto as tarefas ainda
estão sendo realizadas – afinal, estamos falando de um time. “O líder deve
coordenar o trabalho e não apenas supervisiona-lo, como se estivesse à parte do
processo”, diz Maria Aparecida.
Indispensáveis e
insubstituíveis
Grande parte dos gestores não acredita que formar pessoas faça parte de suas
atribuições, imaginando que, assim, vai garantir sua cadeira de chefe. “Eles
confundem formar com adestrar”, diz o consultor Pedro Mandelli no livro Gestão
Além da Hierarquia (Editora Campus). E formar pessoas dá trabalho, principalmente
se a equipe foi treinada apenas para executar tarefas. O pior é que essa
história de dar o peixe em vez de ensinar a pescar acaba se propagando para
todos os novéis da hierarquia e deixa em evidência outra falha muito comum nas
empresas: elas geralmente não preparam sucessores para o alto comando. Há u
ditado perfeito para mostrar os riscos de agir assim: “Não seja insubstituível.
Quem não pode ser substituído não pode ser promovido.” Se até Jack Welch, o
ex-todo-poderoso da GE, preparou um sucessor, por que você não pode fazer o
mesmo?
Motivação zero
Chefes que só estão preocupados com a competência técnica da equipe deparam com
um problema serio: a falta de entusiasmo do grupo. Também pudera! Como você
quer envolvimento e criatividade se está sempre pedindo às pessoas que se
limitem a cumprir suas ordens? É seu papel fazer os funcionários se sentirem
patê fundamental do processo. Caso contrário, prepare-se para viver cercado por
um bando de alienados. “Chefes que privatizam o sucesso e socializam os
fracassos têm um time desanimado”, comenta Irene, da KPMG.
Toma lá, dá cá
Vânia Ferrero, presidente da 3Com, diz que não costuma conversar com a equipe
logo depois de uma reunião com seus próprios chefes, principalmente se a pauta
do encontro foi a definição de metas e estratégias. Vânia prefere refletir um
pouco antes de falar com seus funcionários. Assim, evita passar tensão ao
grupo, Vânia é um exemplo a ser copiado! “Um bom chefe sempre se preocupa em
filtrar as informações de seus superiores”, diz Irene. Considerando que, exceto
o dono da empresa, todos têm um superior e alguém para chefiar, já pensou se
você simplesmente se limitar a repassar as broncas que recebe? Trabalhar vira
um verdadeiro inferno, e, com o tempo, pode ter certeza de que sua produção e a
da equipe vão ficar comprometidas. O segredo é aprender a falar a língua dos
superiores e a dos subordinados.
Um pouco de
psicologia
Alguns psicanalistas vão buscar na infância, na relação com os pais ou com quem
assumiu esse papel, a explicação para a maneira como um profissional lida com a
autoridade – seja na posição de chefe, seja na de subordinado. No livro The
Practical Coach – Management Skulls for Everyday Life (Editora Prentice Hall),
Paula Caproni cita o trabalho de William Kahn e Kathy Kram, dois pesquisadores
da Universidade de Boston, nos estados Unidos. Eles descrevem três
comportamentos básicos que as pessoas têm em relação ao poder:
Interdependente – aparece
em indivíduos que foram criados por pais que,desde cedo, se preocupavam com
suas necessidades., Para esse profissional, a autoridade é boa, até prova em
contrário. Eles confiam em si mesmos e nos outros. Líderes assim costumam ter
um ótimo relacionamento com seus subordinados. É comum ouvir deles as seguintes
frases: “Não se preocupem, estamos juntos nessa” e “o que vocês acham que
podemos fazer para ajudarmos uns aos outros?”
Dependente – pais
que alternam períodos de carinho com outros de indiferença criam insegurança
nos filhos, que ficam sem saber quando podem ou não contar com eles. Ao se
tornar chefes, essas pessoas terão a convicção de que devem cuidar da equipe e,
com isso, provavelmente manterão seus funcionários sempre dependentes. Caso
sejam subordinados, sua marca registrada será a submissão. São daqueles que acham
que o chefe está sempre certo.
Contradependente – esse
comportamento é típico de pessoas que tiveram pais física ou psicologicamente
ausentes na infância. Essas pessoas têm uma alta dose de autoconfiança e uma
descrença total no mundo que as cerca. Para elas, o chefe é absolutamente
dispensável. “Quando estão no comando, não se comprometem com seus subordinados
e não dão a eles nenhum apoio”, diz.
Para corrigir padrões negativos de comportamento, encare a convivência entre
chefe e subordinado como a relação entre dois seres falíveis. “Quando mais um
profissional sobe na hierarquia, mais dependente se torna dos outros”, afima.
Ou seja, você não é ninguém sem sua equipe e eles precisam do seu apoio para
crescer profissionalmente. Como diz Mandelli: “É preciso ser um gestor além da
hierarquia”. Então, estamos conversados?
Publicado em “Você
s.a.”- nov/01 pgs 29 a 34