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5 de fevereiro de 2019
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Sim, ele existe. Ninguém sonha com um chefe durão, mas quem já conviveu com um diz que pode valer a pena

A descrição de competências de um executivo em boa parte das empresas desfia uma lista infindável de platitudes. Um bom chefe — segundo se lê — deve ser empáti­co, envolvente, sensível, criativo e visionário. Tudo ver­dade. Mas não toda a verdade. O que não está escrito em lugar algum é que parece haver uma crescente busca por certa dose de tirania no perfil desses profissionais. A ten­dência foi detectada num artigo dos americanos Kate Ludeman e Eddie Erlandson, recentemente publicado pela Harvard Business Review. Os dois identificaram que 75% dos altos executivos dos Estados Unidos são o que eles chamam de “machos alfa” — ambiciosos, beligerantes e agres­sivos. O mundo ideal prega o líder colaborativo. O mundo real mostra que o chefe implacável tem mais chances de ascensão. Há pelo menos duas explicações. A primeira tem caráter cognitivo. Vários estudos mostram que a simples gesticulação de maneira incisiva pode causar a impressão de que o interlocutor é competente. A outra tem sentido prático. O chefe linha-dura costuma crescer sobretudo em momentos de adversidade. Como um sargento no campo de batalha, ele não tem tempo para ouvir questionamentos durante um bombardeio nem para ser um democrata. “O chefão linha-dura é valorizado porque faz a coisa acontecer custe o que custar”, diz o filósofo e consultor de empresas Mário Sérgio Cortella.

O impacto de um trator no resultado financeiro da empresa tende a ser positivo. Para a equipe, por outro lado, a ideia de conviver com um deles pode parecer esmagadora — e, muitas vezes, é. Até um dos mais célicos especialistas em comportamento organizacional, no entanto, concorda que o executivo linha-dura tem, sim, um lado bom. O americano Robert Sutton, professor da Universidade Stanford, dedicou um capítulo inteiro às virtudes do chefe tirano em seu recém-lançado livro The No Asxhole Rule. O estilo, de acordo com ele, pode ser eficiente à medida que ajuda to­da a equipe a aprender a fazer sempre me­lhor num ritmo acima da média. Um no­me de peso representa bem sua tese — Steve Jobs, o lendário fundador da Apple, fa­moso pelo autoritarismo e também pela genialidade. “É ingênuo acreditar que os chefes babacas sempre causam mais mal do que bem”, diz Sutton.

A executiva Fernanda Pomin, sócia da consultoria Korn/Ferry, uma das maiores empresas de headhunting do mundo, conhe­ceu o lado bom de conviver com uma chefe durona quando tra­balhou num dos maiores bancos do país. A chefe nunca estava satisfeita. Um epi­sódio em especial a marcou. Durante um evento que estava sob sua responsabilida­de, a chefe a repreendeu em público por causa de problemas poucas horas antes do início. “Ela foi muito dura”, diz. “Não pude contestar, pois ela estava certa.” De­pois disso, Fernanda mudou de área, mas foi requisitada pela chefe outras duas ocasiões para atuar a seu lado. E aceitou sem pensar duas vezes. “Ela me ensinou a ir além daquilo que se espera”, diz ela. “Até hoje somos amigas.”

O tirano eficiente, segundo Sutton, equilibra o lado implacável com um lado amigável. Se não houver essa mistura num único profissional, o autor recomenda o modelo de chefia no estilo bom policial, mau policial. Um chefe bonzinho demais deve dividir a liderança com um tirano. Um tirano deve procurar um chefe menos impiedoso. Mário Grieco, presidente do laboratório farmacêutico Bristol-Myers Squibb, já sofreu com um chefe 100% ti­rano por dois anos, quando era vice-presidente de uma multinacional nos Esta­dos Unidos nos anos 90.0 presidente, na época, era um sujeito que gritava e dava socos na mesa. Certa vez, num domingo à noite, a mulher de Grieco atendeu uma ligação do chefe. Ela explicou que o marido estava no banho e mesmo assim ouviu a ordem: “Tire-o do ba­nho, quero falar com ele”. Por 2 horas, Grieco ficou enrolado nu­ma toalha enquanto ouvia o ho­mem fazer comentários que po­deriam ter ficado para o dia seguinte. Ele diz que só conseguiu realizar seu traba­lho porque decidiu, depois de inúmeras discussões, ignorar as criticas do chefe. A principal lição que tirou desse conví­vio: não alimentar o monstro para não tor­ná-lo maior do que já é.

A truculência em excesso — diga-se — pode se voltar contra a própria carrei­ra de um executivo. Os conselheiros da Hewlett-Packard acharam que haviam encontrado a presidente perfeita para chacoalhar a empresa quando depararam com o trator Carly Fiorina. O estilo vai do meu jeito ou não vai os fez perder a pa­ciência mais tarde. O resultado foi sua de­missão em 2005. Os tiranos também po­dem deixar o ânimo da equipe em franga­lhos. “Líderes truculentos fazem a empre­sa perder talentos”, diz a consultora e es­pecialista em gestão de conflitos Maria Aparecida Rhein Schirato. “As pessoas trabalham bem por um período longo quan­do há uma convicção interna e não por me­do de ser penalizadas.”

Dentro…

O perfil do chefe linha-dura

– É assertivo sem criar um ambiente de terror

– Não ofende nem usa palavrões

– Sabe aplaudir bons resultados

– Dedica tempo para explicar como espera que o trabalho seja feito

– As críticas são pontuais e visam à melhoria do trabalho

…e fora dos limites

O perfil do chefe assediador

– Usa o medo para impor-se diante da equipe

– Abusa de palavras de baixo calão

– Sua reação é quase sempre imprevisível

– Tem temperamento truculento e age de maneira diferente com cada subordinado

– As críticas são feitas sem critério e durante todo o tempo

Fonte: EXAME – 06/06/2007 – Pág. 94 a 95.

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