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5 de fevereiro de 2019Para o consultor americano Gary Hamel, o excesso de regras nas empresas impede mudanças. Só a inovação radical gera riqueza
Ao longo dos últimos anos, as empresas trabalharam arduamente para se tornar mais eficientes. Promoveram reengenharias, cortaram pessoal, integraram processos e implantaram programas de qualidade. Tudo tranqüilo? Não. Segundo o americano Gary Hamel, autor de Liderando a Revolução e um dos mais renomados gurus de estratégia empresarial da atualidade, o arsenal de medidas que as empresas utilizam para aumentar seu valor de mercado está no fim. Não basta mais reduzir custos para aumentar os lucros. Se quiserem gerar mais riqueza, ou mesmo sobreviver, as empresas só têm uma saída: promover inovações radicais. Professor visitante da London Business School e presidente da consultoria Strategos, Hamel diz que as companhias líderes tornaram-se muito parecidas, e só quem criar produtos e modelos de negócio revolucionários será capaz de dar um salto à frente. A boa notícia é que são poucas as empresas que já se deram conta disso, o que abre oportunidades para companhias de países em desenvolvimento, como o Brasil. Nesta entrevista concedida por telefone de seu escritório em Menlo Park, cidade próxima a São Francisco, na Califórnia, ele fala sobre a importância vital de envolver todos os funcionários num processo sistemático de criação, aponta a tradição como o principal inimigo das mudanças no mundo corporativo e diz que a Internet sozinha não gera lucro para as empresas. “É preciso que haja um modelo de negócios criativo em torno dela”, afirma.
Segundo o senhor, não basta para uma empresa melhorar seus produtos e serviços, é preciso ser radical. Por que o senhor defende essa idéia?
Quando você analisa o mercado nos anos recentes, percebe que, em quase todos os setores, foram empresas novas que geraram formas diferentes de ganhar dinheiro. E elas o fizeram com novos modelos de negócios. É difícil imaginar qualquer organização tendo um salto nas suas receitas sem uma estratégia que seja muito diferente da de seus concorrentes. O que você encontra em vários setores é uma tendência de as estratégias dos líderes de mercado se tornarem mais parecidas. A pressão por margens maiores tornou-se grande, mas o aumento de participação no mercado é quase nulo. As pessoas travam verdadeiras batalhas para ganhar centésimos a mais de participação. Mas quase ninguém consegue um desempenho fabuloso. A única maneira de conseguir sair dessa situação é por meio de inovações radicais – estratégias que são diferentes, atípicas, que quebram as regras do setor. O motivo pelo qual acredito que a inovação radical é tão importante não é porque sou um revolucionário de prontidão que apenas quer sacudir as coisas. É porque, quando você olha por aí e vê as evidências, descobre que é a inovação radical que cria mais riqueza. É simples assim.
Que evidencias?
Tome o exemplo da indústria de computadores. Em 1990, o valor de mercado de todas as companhias americanas desse setor era de cerca de 200 bilhões de dólares. No ano 2000, o valor de mercado delas aumentou para 3 trilhões de dólares. Empresas como a Microsoft, Dell, EMC, Cisco ou Oracle ganharam maior participação na riqueza, ao passo que IBM, Unisys e HP perderam. Em 1990 a IBM representava um terço do valor de mercado de todo o setor de computação nos Estados Unidos. Em 2000, sua participação estava em 8%. Se você olhar para as companhias que aumentaram a participação no valor de mercado do setor, verificará que todas tinham novos modelos de negócios. Todas, sem exceção. Também é verdade que, se olharmos para os próximos dez anos, provavelmente veremos um novo grupo de empresas fazendo as próximas revoluções, não a Microsoft, a Dell ou a Cisco. O desafio de cada companhia é descobrir como vai ser revolucionário mais de uma vez.
Qual é o maior inimigo das inovações dentro de uma empresa?
É a tradição. São as regras e convenções que herdamos do passado, que depois de um certo tempo simplesmente continuam existindo sem ser questionadas ou desafiadas. Quando a maioria das pessoas se senta para pensar sobre o futuro da empresa, elas não desafiam essas regras. Isso reduz o escopo de inovações. Um exemplo: na Harvard Business Schoool uma das mais arraigadas convicções é a de que só podemos treinar pessoas que vêm até nós em Boston. Isso pode cegar-nos diante da oportunidade de treinar um milhão de pessoas a cada ano. Hoje, com a tecnologia, poderíamos oferecer um programa de MBA para praticamente qualquer pessoa em qualquer lugar no mundo. Convenções não questionadas atrapalham novas maneiras de pensar. Esse é o motivo pelo qual se tornou muito comum que pessoas de fora de uma empresa, de fora até daquele setor de atividade, sejam responsáveis por virar o negócio de cabeça para baixo. Se não descobrir e desafiar suas próprias convenções, novos competidores farão isso por você.
Mas como fazer mudanças radicais sem correr grandes riscos?
O que você precisa sempre ter em mente é: essa mudança radical vai realmente trazer uma diferença importante para o cliente? E isso gera mais riqueza? A idéia não é ser radical só para ser radical.
A necessidade de inovação radical vale para qualquer tipo de empresa, até para um fabricante de aspiradores de pó, por exemplo?
Na verdade, tem havido muita inovação nesse setor nos últimos anos. Uma empresa britânica chamada Dyson, por exemplo, substitui o filtro de sujeira por um sistema mais prático, com um recipiente plástico, que facilita a operação de limpeza do aspirador. Com isso, aumentaram muito sua participação de mercado, atacando a líder Hoover.
Isso é uma inovação radical?
Acredito que a inovação radical aconteça de duas formas. Uma delas é a inovação que modifica apenas um componente do seu negócio ou do seu produto. Como foi, por exemplo, a criação de câmeras de 35 milímetros descartáveis. Enquanto a Cânon ou a Nikon tentavam, a cada ano, diminuir em cerca de 10% o custo de produção de uma câmera de 300 dólares, a Kodak resolveu fazer câmeras que custassem 5 ou 7 dólares. Isso é uma inovação radical. Não mudou todo o setor, é verdade, mas foi o rompimento de uma tradição. A outra forma de inovação é a que modifica todo o modelo de negócios. Um dos exemplos mais recentes nos Estados Unidos é o radio via satélite. A partir do fim deste ano, você poderá ouvir em seu carro centenas de estações por uma taxa fixa de cerca de 10 dólares ao mês, sem precisar ouvir nenhum comercial. Isso vai mudar todo o modelo de negócios, quem provê a programação da rádio, como se recebe a programação, como se paga. E você vê esse tipo de inovação acontecendo cada vez mais em diversos setores da economia. As pessoas precisam entender que a inovação radical pode vir em proporções grandes ou pequenas. Nem tudo o que você inventar vai virar o seu setor pelo avesso. Mas, em qualquer companhia, é desejável ter inovações radicais em todos os níveis da organização, numa quantidade suficiente para aumentar suas chances de criar aquilo que vai transformar todo o seu setor.
Isso significa que, para uma inovação dar certo, muitas outras vão ficar pelo caminho?
Deixe-me fazer três comparações. Em média, os investidores de risco do Vale do Silício recebem cerca de 5 000 planos de negócios todo ano para analisar. Eles provavelmente vão investir em apenas 12 ou 15 negócios e, desses, 1,2 ou 3 terão sucesso. Existe uma aritmética aí da qual você não consegue escapar. Pense na Gisele Bündchen. Talvez haja 5 000 meninas que acreditam ter os atributos para se tornarem supermodelos. Talvez uma dúzia delas consiga fazer uma carreira de fato como modelo. Mas, entre essas, provavelmente só uma se tornará um ícone internacional. O processo de descoberta de novas drogas na indústria farmacêutica é a mesma coisa. É necessário testar 1 000 componentes para que um ou dois se tornem remédios populares no mundo. Essa é a aritmética da inovação, e você simplesmente não consegue contorná-la. O problema de muitas companhias é que elas não fazem muitas experiências. Elas deveriam criar um banco com centenas ou milhares de idéias não convencionais. Dali, poderiam escolher algumas para pôr em prática, e então encontrariam uma ou duas com o poder de gerar um negócio inteiramente novo ou transformar o seu negócio existente. Toda empresa precisa criar uma linha de produção de inovações. Até a biologia funciona assim. No processo de procriação, cerca de 59 milhões de espermatozóides são desperdiçados, mas um deles gera um bebê. O problema de muitas companhias grandes é que elas têm uma contagem de espermatozóides corporativa simplesmente muito pequena. Elas não estão experimentando coisas novas o suficiente. Assim, correm o risco de ser superadas por empresas novas.
Então as empresas precisam necessariamente investir mais em pesquisa e desenvolvimento ou existe outra forma de promover inovações radicais?
Primeiro, elas devem reconhecer que as inovações podem surgir em qualquer lugar da corporação. Uma das coisas que aprendi no Vale do Silício é que a pessoa que teve a última grande idéia provavelmente não será a mesma que terá a próxima grande idéia. Apesar disso, na maioria das grandes empresas assume-se que a inovação vá começar ou no departamento de pesquisa e desenvolvimento ou entre os altos executivos. Muitas vezes, esse não é o caso. Um dos empecilhos para a inovação, particularmente em empresas tradicionais brasileiras, é a estrutura muito hierarquizada. Precisamos criar uma abordagem mais democrática para estratégia e inovação. Vi, recentemente, uma empresa grande enviar a cada um de seus 7 000 funcionários um papel contendo uma lista de tipos de atitude que a direção queria que eles tivessem, como paixão pela qualidade, excelência na execução de tarefas, comunicação aberta, todo esses comportamentos maravilhosos. Isso estava escrito numa coluna e ao lado da descrição de cada item havia uma indicação de que tipos de funcionários deveriam atendê-los: empregados simples, supervisores, gerentes ou executivos. Um dos comportamentos desejados era “pensar estrategicamente”, e ao lado havia a indicação de que isso se aplicava somente para executivos. Isso foi lido por 7 000 funcionários. De certo modo, a empresa estava dizendo para 99,9% de seus funcionários que eles não tinham responsabilidade em pensar estrategicamente, em imaginar novas possibilidades.
Por que é importante que funcionários menos graduados pensem estrategicamente?
Estamos passando de um mundo em que a experiência vale mais que qualquer coisa para um mundo em que a imaginação conta ainda mais. O modelo anterior se adapta a uma concepção de que a empresa continuará fazendo a mesma coisa para sempre, com os mesmos modelos de negócios. Se sou a Xerox, vou fazer copiadoras para sempre, se sou a Coca-Cola, vou vender um refrigerante marrom para sempre. Nesse mundo, as pessoas no topo sempre foram as mais experientes naquele negócio e, provavelmente, as que melhor poderiam contribuir para os modelos. Mas agora você vive num mundo em que talvez seja necessário mudar de ramo a cada três ou quatro anos, em que a experiência pode se desvalorizar de um dia para o outro. Nesse sentido, companhias com hierarquia muito rígida, em que as pessoas no topo são as principais responsáveis por inventar novas estratégias, vão perder muito tempo. O primeiro passo para uma organização inovar mais é reconhecer que a inovação pode vir de qualquer lugar, de qualquer pessoa. Uma vez reconhecido isto, é possível criar grupos de discussão em toda a empresa de forma a permitir que todos os funcionários sejam ouvidos.
Por que a inovação é hoje mais importante do que foi no passado?
Isso acontece por muitos motivos. Em primeiro lugar, diversas barreiras que protegiam as empresas tradicionais estão caindo. Se eu fosse uma empresa grande e tivesse uma certa influência sobre as regras de importação, não enfrentaria muita competição internacional. Pequenas empresas também tinham mais dificuldade para conseguir capital. Isso era outra forma de proteção das grandes empresas. Em terceiro lugar, os donos das duas ou três maiores empresas de um setor costumavam fazer uma espécie de acordo de cavalheiros, dividindo o mercado entre si. Todas essas coisas os protegiam, pois não precisavam mudar muito rápido. Atualmente, existe o crescimento do capital de risco para financiar novas empresas e uma queda paulatina das barreiras de importação, o que gera maior competição internacional. Soma-se a tudo isso a aceleração do ritmo de mudanças na tecnologia, nas relações sociais e na demografia. E sempre que há esse tipo de mudança, abrem-se oportunidades para as pessoas explorarem o mercado de novas formas. A posição que uma empresa tradicional ocupa vale menos hoje que em qualquer outra época. É por isso que a imaginação vem se tornando cada vez mais importante. Porque para uma companhia não se trata apenas de explorar o que ela já tem, mas de imaginar algo totalmente novo.
Existe diferença entre o tipo de inovação que o senhor prega e a inovação que a maioria das grandes companhias americanas fizeram ao longo de sua história, como a DuPont, que surgiu como fabricante de pólvora, ou a American Express, inicialmente uma empresa de transporte?
Se você falar para as companhias que elas precisam de mais inovação, a maioria vai interpretar como inovação tecnológica. Na primeira metade do século 20, era o desempenho do seu departamento de pesquisa e desenvolvimento que comandava sua criação de riqueza. Existia uma correlação muito forte entre o portfólio de patentes de uma companhia e a criação de riquezas. Hoje em dia, o que você vê é que, cada vez mais, as verdadeiras inovações não são simplesmente tecnológicas. São inovações conceituais, é um novo modelo de negócios. Muitas vezes a tecnologia tem uma participação nisso, mas não primordial. Algumas das grandes empresas inovadoras no passado, como a 3M, a DuPont e a HP, sempre foram muito boas em inovação baseada em tecnologia. Mas elas não eram muito boas em criar novos conceitos de negócio. Porque uma coisa é pensar criativamente em relação à ciência ou em relação a uma determinada tecnologia. Outra coisa é pensar criativamente sobre como transformar um setor da economia numa coisa nova. Isso representa uma ampliação do conceito de inovação para a maioria das pessoas.
A Internet está beneficiando a economia das empresas?
Essa questão é muito difícil de responder. Sem dúvida, a Internet permite que as companhias trabalhem com menos estoque, menos capital de giro e menos pessoas. Isso significa enormes ganhos de produtividade. Na economia, não resta dúvida, a Internet vai aumentar a produtividade e acelerar o crescimento do PIB. Mas quem vai se aproveitar mais disso? Um dos enganos que muitos dos executivos de empresas ponto-com cometeram foi acreditar que cliques em seus sites poderiam se transformar em clientes, receitas e lucros. Mas fazer isso não é fácil. As empresas tradicionais também estão diante de um dilema. Muitas investem em Internet, integram seu negócio por meio dela, e ganham mais eficiência. Mas isso não significa que a Internet vá aumentar o seu lucro. Porque o que normalmente acontece é que todos estão melhorando sua eficiência no mesmo nível e na mesma velocidade, e todo esse ganho vai para os consumidores por meio de preços mais baixos.
Não sobra nada para as empresas?
Há alguns meses, o banco de investimento Goldman Sachs fez um estudo sobre a época da introdução da eletricidade nas empresas. A eletrificação trouxe um enorme ganho de produtividade, mas os pesquisadores do banco descobriram que as companhias que investiram milhões para eletrificar seus processos não aproveitaram nada do ganho de produtividade conquistado. Todo o benefício foi para os consumidores. As únicas pessoas que fizeram algum dinheiro com a eletrificação foram empresas como a general Electric e a Siemens, que fabricavam os geradores e equipamentos de transmissão. Talvez a mesma coisa aconteça coma a Internet. Nos últimos dez anos, o percentual de capital gasto nos Estados Unidos com tecnologia de informação – em oposição ao empregado em fábricas, máquinas, etc. – aumentou de menos de 10% para mais de 60%. Nesse mesmo período, a média de margem operacional das 500 maiores empresas dos Estados Unidos não mudou praticamente nada. O motivo por que isso ocorre é simples: investir na Internet por si só não agrega nada se você não tiver um modelo de negócios criativo em torno dela. Sozinha, ela proporcionará mais eficiência, mas na mesma medida que proporciona aos outros. Vira tudo uma corrida armamentista, como a dos Estados Unidos com a União Soviética. Os dois lados iam construindo cada vez mais mísseis, mas nenhum tinha vantagem.
Existem muitas companhias que acreditam estar inovando, mas na realidade não estão?
Uma série de companhias busca inovação fazendo melhorias. A Gilette, por exemplo, fez o Mach 3. Eles pensam: “Antes fazíamos filetes com uma lâmina, depois passamos a fazer com duas e agora, meu Deus, vamos fazer giletes com três lâminas!” Eles acham que isso é inovação, mas vejo isso como uma melhoria, que não vai criar tanta riqueza. Mas nem sempre é tão fácil diferenciar o que é melhoria do que é realmente inovação.
O senhor pode dar exemplo de produtos inovadores?
As sandálias havaianas brasileiras. É um produto muito simples, baratissimo, que inicialmente foi um calçado para pessoas mais pobres, na maioria. De repente alguém chega e diz: “Por que não podemos transformar essa marca em algo muito transado e vendê-la como uma sensação, como um produto cultural das praias brasileiras?” Hoje, a gente vê essas sandálias sendo vendidas em Nova York ou Paris por 40 dólares o par. Isso mostra que é possível ter uma inovação radical até com o mesmo produto. Agora, pense no computador iMac, da Apple. A empresa contratou um jovem disigner britânico que colocou cores no computador, diminuiu os cabos que ficavam fora e isso deu uma nova vida para a empresa. Isso é uma inovação baseada no produto, mas é radical. Ninguém ainda havia trazido estética para aquele negócio. Outro exemplo é o Swatch. Fabricantes como Seiko e Casio estavam fazendo relógios baratos, mas a Swatch levou a moda para o relógio.
Qual é o truque?
Uma coisa importante é se perguntar: será que posso importar competências que estejam fora do meu setor de atuação? Posso usá-las para transformar meu negócio e meu produto? Hoje você precisa encarar o mundo como um reservatório global de habilidades e competências. E deve olhar constantemente para as possibilidades de combinações. “O que acontece se eu pegar o design de moda italiana e casar isso com relógios baratos? Ah, isso resulta no Swatch”. O desafio para todos nas empresas é não pensar em inovação simplesmente como uma extrapolação de produtos e serviços baseados apenas nas próprias habilidades e competências, mas como conseguir pegar emprestado, seja por meio de alianças ou de aquisições, novas competências que podem transformar o negócio.
A inovação numa companhia depende mais de seus empregados ou de sua cultura corporativa?
Acredito que as pessoas são criativas, e vemos isso nas ruas, nas músicas, nos filmes. Mas infelizmente, dentro das companhias, tendemos a não dar o mesmo valor para a criatividade. Na era industrial, as virtudes da empresa eram escala, reprodução, qualidade, controle, mas se presumia que as mesmas coisas fossem ser feitas para sempre. A única coisa que se queria dos funcionários é que fizessem cada vez melhor o que já faziam. Agora estamos no que chamo de era da revolução, em que vemos muito mais mudanças. Temos que parar de olhar para as pessoas que trabalham conosco como alguém que está lá apenas para nos ajudar a fazer melhor o que já estamos fazendo. Eles podem nos ajudar a criar coisas novas.
Cada funcionário deve ser uma espécie de Che Guevara dentro de sua empresa?
Eu não iria tão longe. O desafio de cada organização é saber como escapar do passado, ao mesmo tempo sem desprezá-lo. Como deixar de lado as convenções ao mesmo tempo em que alavanca as competências, as habilidades e os valores que fizeram a companhia ser bem-sucedida até o momento. É um equilíbrio muito difícil de conseguir. Precisamos ter maneiras mais explicitas de debater essas questões, de descobrir o que a empresa deve preservar e o que deve deixar. Se você não consegue ter essa conversa clara, corre o risco de se tornar prisioneiro do passado.
Como essa barreira para a inovação acontece?
Vou lhe dar um exemplo. Numa das 800 lojas da Sears, uma jovem vendedora percebeu que muitos clientes estavam devolvendo máquinas de costura porque não sabiam usá-las. Ela começou a organizar aulas para as clientes e as devoluções diminuíram. A vendedora disse a seu gerente que eles deveriam avisar as demais lojas da rede sobre o que estavam fazendo. Mas o gerente respondeu que o diretor regional não lhe havia dito nada sobre problemas com devoluções de máquinas, que as aulas não estavam previstas no orçamento e que elas deveriam acabar. A moça ficou frustrada e deixou a empresa. Sei que naquele mesmo momento em que ela estava saindo da loja, dois ou três executivos na cúpula da empresa pensavam em como inventar a loja do futuro, qual seria a próxima grande coisa que a Sears poderia fazer. Sei também que, na hora em que alguém do topo tiver a coragem de promover uma mudança em todas as 800 lojas, provavelmente já será tarde demais.
O que deveria ser feito nesse caso?
Por que não dou a cada loja 25 mil dólares todo mês para experimentarem coisas novas, para que promovam competições internas nas novas idéias? Por que não dou uma verba para a vendedora organizar o curso? Os executivos da Sears deviam fazer essas coisas e acompanhar os resultados. Se não der certo, podem acabar com a experiência e terão perdido uma ninharia. Quando uma idéia for bem-sucedida, devem começar a espalhá-la por toda a organização. As pessoas têm muita imaginação e há também muitos treinamentos que poder ser feitos para ajudar as pessoas a pensar de maneira mais criativa. No longo prazo, em vez de vermos as inovações virem sempre do topo, vamos ter de criar sistemas dentro das companhias para que as inovações venham de todas as partes.
Como devem ser as empresas nesse novo cenário?
O verdadeiro desafio é fazer com que a inovação viva dentro de cada pessoa na empresa. As companhias que aprenderam a fazer isso nos próximos anos vão ser as companhias realmente vencedoras. Isso não vai acontecer apenas criando um pequeno braço de novos empreendimentos, ou uma pequena incubadora. Isso é o que chamo de gueto de inovação, que fica num canto da empresa. Hoje, você vê empresas de Internet tentando conquistar algumas virtudes de empresas da velha economia. Elas precisam aprender a construir infra-estrutura para atender sem problemas o cliente, obter vantagens competitivas e escala. Ao mesmo tempo, as empresas da chamada velha economia precisam aprender a ser mais imaginativas, rápidas e abertas a experiências, como as da Internet. Vamos precisar criar uma síntese, a perfeita mistura das virtudes da velha e da nova economia. É um desafio incrivelmente excitante pensar sobre como fazer essas organizações.
Suas idéias não estão ainda distantes da realidade das empresas?
O senso de urgência da necessidade de inovação está começando a brotar nas companhias. A realidade é que a maioria delas já exauriu as possibilidades mais fáceis par aumentar o preço de suas ações e o retorno aos acionistas. Elas ganharam eficiência, fizeram reestruturação, reengenharia e downsizing. Muitas recompraram suas ações, coisa que se faz quando não se tem idéia do que mais fazer. Criaram também incubadoras ou um braço de novos empreendimentos, que, pelo que tenho visto, têm gerando pouca riqueza, porque não alavancam as competências que a companhia já tem. Muitas partiram para aquisições, achando que virando um dinossauro maior podem sobreviver à era glacial. Também há muitas companhias em que o crescimento do lucro é muito maior que o crescimento das receitas, porque eles cortam custos, mas não geram novas receitas. Sabemos que isso é um jogo que acaba abruptamente. A empresa chega num ponto em que simplesmente não consegue criar mais lucro sem criar novas receitas. Os executivos estão começando a perceber que, se quiserem gerar riqueza para os seus funcionários, para os acionistas e para eles próprios, terão de inovar.
Tem muita empresa fazendo isso?
Ainda são poucas as companhias, como a Cisco, a GE Capital, que são estrategicamente inovadoras. Na verdade essa é a boa notícia. Porque, se todo mundo tivesse se dado conta disso, já seria tarde demais para sua empresa. Quando a GM e a Ford começaram a pensar em qualidade, os japoneses já a buscavam havia 20 anos. Então um belo dia você acorda e vê que um concorrente de quem você nunca ouvira falar está com 30% de participação do mercado global. Assim como muitas empresas foram pegas pela curva da qualidade, muitas vão ser surpreendidas pela curva da inovação.
O senhor acredita que a era da revolução possa representar uma perspectiva melhor para países em desenvolvimento, como o Brasil?
Sim. Historicamente, muitas das diferenças em estágios de desenvolvimento basicamente refletiam uma diferença em informação e conhecimento. O conhecimento não se movia facilmente pelo mundo, como hoje. A Internet democratiza a informação. Qualquer pessoa no mundo pode ter a mesma informação que outra. As oportunidades são mais democráticas hoje do que jamais foram. Você conversa com jovens do Brasil e vê que são cidadãos do mundo na sua música, na sua moda, no jeito de se vestir. E isso vai se traduzir numa explosão de idéias novas e empresas novas, que poderão melhorar os padrões de vida no país.
Fonte: Revista Exame – Edição 737 – pgs 88 a 98