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Tenho a impressão de que estou tomando muitas decisões sozinho na minha empresa. Sei que isso não é bom. O que o líder deve fazer para não se isolar?

Sua pergunta chegou pouco tempo depois de os presidentes Chuck Prince, do Citigroup, e Stan O’Neal, do Merrill Lynch, serem banidos de suas empresas e cruci­ficados publicamente pelo “pecado” de surpreender o mercado com o péssimo resultado apresentado por suas respectivas com­panhias. Não sabemos se eles trabalhavam isolados das demais pessoas e, por isso, desconheciam o problema que estava por vir. No entanto, a magnitude da “expectativa frustrada” parece indicar que ambos estariam desinformados, pelo menos até cer­to ponto, sobre o fraco desempenho dos bancos que comandavam. Assim como você, talvez eles estivessem sozinhos lá em cima. E, talvez como você, soubessem que isso não era nada bom. O fato é que não se deram conta da situação a tempo.

Esse pode ser um erro fatal.

Saiba que a última coisa que deve acontecer a um líder é se deixar encastelar em uma torre de marfim, onde acaba toman­do decisões etéreas ou martelando o teclado do computador. Quando alguém chega a um cargo de chefia, parece que algo o empurra inexoravelmente para o isolamento. É como se toda força natural estivesse atuando para “protegê-lo” da realidade. Novidades boas chegam rapidamente ao topo; porém, as más apodrecem em valas diversas que as pessoas esperam fazer de­saparecer antes que alguém (lá em cima) perceba o que está realmente acontecendo. Existe também uma tendência por par­te dos chefes de se cercar de gente que só sabe dizer “sim” e que “tudo está sob controle”. Nossa recomendação é que você lute com todas as suas forças para combater o isolamento que aos poucos vai se insinuando.

Como?

Líderes de grandes empresas, como Prince e O’Neal, po­dem, por exemplo, cortar alguns degraus da hierarquia — já que eles só servem para filtrar as informações. Mas há outras técnicas, que podem ser aplicadas em empresas de qualquer tamanho, cujos resultados são igualmente eficazes. Uma delas é que todo chefe pode — e deve — sair um pouco de sua sala. Nos dias em que você fica totalmente enfurnado no escritório, deixa de aprender coisas sobre seu pessoal, sobre os processos de trabalho e sobre a realidade do mercado. Já que não é possível instalar um dispositivo de choque elétrico em sua cadeira, que tal pendurar um aviso na porta com os seguintes dizeres: “O que você está fazendo aqui?” Vá visitar alguma loja, veja como estão as coisas no pregão da bolsa, vá conhecer os escritórios regionais, as fábricas. Visite seus clientes (não só quando eles se queixam, mas várias vezes durante o ano).

Além de não ficar o tempo todo dentro da empresa, é im­portante que você saiba se cercar das pessoas certas no traba­lho. Obviamente, a maior parte dos líderes conta com um gru­po permanente de assessores que se reporta diretamente a ele. No entanto, esse tipo de gente pode facilmente cair numa rotina insossa em que o diálogo se torna apenas um intercâm­bio de ideias que agradam ao chefe. Pode-se romper essa di­nâmica conhecendo mais de perto a empresa, o que lhe per­mitirá criar um “grupo informal” de assessores, constituído por profissionais inteligentes, articulados, autoconfiantes e com conhecimentos práticos. Procure evitar os suspeitos de sempre. Vá atrás de gente cujas atividades ocorrem em áreas ou funções que você não tem como acompanhar e certifique-se principalmente de que você esteja se cercando de pessoas firmemente comprometidas com as transformações. Os agen­tes de mudança, em geral, são os primeiros a perceber os si­nais de alteração no mercado. É verdade que os excêntricos muitas vezes são cansativos, sempre preocupados com possí­veis rachaduras no casco do navio. Os melhores, porém, es­tão geralmente na direção certa. Se decidir ignorá-los, faça-o por sua própria conta e risco.

Por fim, evite o isolamento fazendo alguma coisa que, a princípio, poderá lhe parecer totalmente contrária aos seus ins­tintos. Por exemplo: aja como se fosse o sujeito mais tolo do escritório. É evidente que, como chefe, as pessoas o procura­rão sempre que tiverem dúvidas — e você se esforçará para respondê-las a contento. Em vez disso, mostre a todos que seu trabalho é precisamente fazer perguntas. A cada decisão, su­gestão ou informação recebida, indague: “Mas e se?” ou “Por que não?” e ainda “Como assim?” Em seguida, procure tirar o máximo das respostas removendo ao mesmo tempo todo o artifício de formalidade durante o diálogo e a discussão que se seguirem. Não é coisa que aconteça da noite para o dia, mas com o tempo essa estratégia dará lugar a uma sólida cultura de compromisso, que permitirá a você extrair do grupo as me­lhores ideias e até mesmo trazer à tona a crise enrustida pres­tes a estourar.

Isso nos leva de volta a Chuck Prince e Stan O”Neal. Insis­timos que não estamos querendo afirmar aqui que eles estives­sem sofrendo de isolamento. Simplesmente não sabemos. Mas a surpresa do mercado com o desempenho pífio de suas em­presas suscita uma pergunta que todo líder deveria se fazer: se­rá que estou sozinho aqui em cima?

A resposta jamais deverá ser “sim”.

Fonte: REVISTA EXAME – 19/12/2011 – Pág. 170 a 171.

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