A evolução dos conceitos da Administração nos últimos 30 anos
5 de fevereiro de 2019Business to business – As novas tecnologias de gestão
5 de fevereiro de 2019Em março de 1999, Louis Schweitzer, CEO da Renault, ligou-me
para saber se eu não gostaria de ir a Tóquio liderar uma reviravolta na Nissan,
a combativa gigante automotiva do Japão. As duas empresas haviam acabado de
selar uma aliança estratégica pela qual a Renault assumiria 5,4 bilhões de
dólares de dívida da Nissan em troca de uma participação acionaria de 36,6%.
Juntas, as duas montadoras se tornariam a quarta maior fabricante de veículos
do mundo. No papel, o acordo fazia muito sentido para ambas as partes. A força
da Nissan na América do Norte preenchia uma lacuna importante para a Renault,
ao passo que o capital desta última reduzia a dívida colossal da Nissan. Os
pontos fortes de cada uma delas também se complementavam: a Renault era
conhecida por seu design inovador e a Nissan, pela qualidade de sua engenharia.
Para o sucesso da aliança, porém, eram preciso que a Nissan começasse a crescer
e se tornasse um negócio produtivo, e foi por isso que Schweitzer me ligou.
Acho que eu era um candidato natural a esse posto, já que havia acabado de
contribuir para a transformação da Renault no “dia seguinte”de sua fusão com a
Volvo. Tivemos de tomar algumas decisões polemicas sobre o fechamento de
fábricas na Europa, algo muito difícil para uma empresa francesa
tradicionalmente controlada pelo Estado. Não era a primeira vez que eu passava
por um desafio semelhante. Nos anos 80, como chefe de operações da subsidiaria
brasileira da Michelin, tinha de lidar com taxas de inflação completamente
ensandecidas. Em 1991, como CEO da Michelin na América do Norte, fui incumbido
de conduzir a fusão da empresa com a fabricante de pneus americana Uniroyal
Goodrich, num momento em que o mercado entrava em recessão.
A Nissan, contudo, era um caso completamente à parte. Havia oito anos que a
empresa lutava para voltar ao azul. Suas margens eram visivelmente baixas. De
acordo com os especialistas, a Nissan perdia 1000 dólares em cada carro vendido
nos Estados Unidos por falta de competitividade da marca. Não tardou para que
eu descobrisse que os custos de aquisição na empresa eram cerca de 15% a 25%
maiores que os da Renault. Outro fator que sobrecarregava ainda mais esse custo
tão oneroso era a capacidade instalada, que excedia em muito suas necessidades.
Só no Japão, as fábricas produziam praticamente 1 milhão de veículos a mais do
que a empresa vendia por ano.
As dívidas da Nissan, mesmo depois dos investimentos da Renault, somavam 11
bilhões de dólares (para facilitar o entendimento do leitor, trabalharemos
sempre com a taxa de câmbio de fim de setembro de 2001 – isto é,
aproximadamente 120 ienes para 1 dólar). Era, sem dúvida, uma situação que não
dava à empresa muita escolha: ou virávamos o negócio 180 graus, ou a Nissan deixava
de existir.
Além disso, a situação era extremamente delicada. Em todas as reviravoltas
empresariais, sobretudo as conduzidas em cenários de fusões ou alianças, o
sucesso não se limita apenas a mudanças fundamentais na organização e nas
operações da empresa. É preciso proteger também a identidade da companhia e a
auto-estima do seu pessoal. Esses dois objetivos – mudanças e salvaguarda da
auto-estima – podem facilmente entrar em conflito. Conseguir realizar as duas
coisas é tarefa árdua e, por vezes, de equilíbrio bastante precário. Era esse
exatamente o caso da Nissan, Afinal de contas, eu não passava de um estranho –
vinha de fora e não era japonês – e, por isso mesmo fui recebido inicialmente
com muito ceticismo pelos gerentes e funcionários da empresa. Eu sabia que se
tentasse ditar regras de cima para baixo o tiro sairia pela culatra e todo o
meu empenho só contribuiria para minar o moral e produtividade dos empregados.
Contudo, se eu me comportasse passivamente, a empresa afundaria ainda mais.
Hoje, menos de três anos depois, fico satisfeito em poder dizer que a
transformação da Nissan continua a produzir resultados excelentes. A empresa
recuperou a lucratividade, e sua identidade é cada vez mais forte. Como isso
foi possível? Por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, em vez de impor
um plano que ressuscitasse a empresa, mobilizei os gerentes da própria Nissan
por meio de equipes funcionais formadas por funcionários dos mais diversos
setores, e pedi a eles que identificassem as mudanças radicais a ser feitas e
as implementassem. Em segundo lugar, a Renault sempre respeitou a cultura da
Nissan, permitindo que a empresa desenvolvesse uma nova cultura corporativa
baseada no que a cultura nacional do Japão tem de melhor. Nas próximas páginas,
discutirei mais detalhadamente esse processo de transformação e a cultura da
Nissan. No entanto, para compreender efetivamente sua história, é preciso
entender, antes de mais nada, a forma surpreendente com que a empresa se
desvinculou de seu passado.
Rompendo com a tradição
Quando cheguei à Nissan, no final da década de 90, a forma de fazer negócios da
empresa era terrivelmente prejudicial ao seu desempenho. Não havia dinheiro, o
que a impedia de fazer os investimentos de que tanto necessitava em sua já ultrapassada
linha de produtos. Os primeiros carros que a empresa lançara no Japão e na
Europa, o March (ou Micra, na Europa), por exemplo, já tinham quase nove anos.
A concorrência, por sua vez, lançava um produto novo a cada cinco anos. O
primeiro carro lançado pela Toyota nesses mercados tinha menos de dois anos. O
March havia passado por algumas modificações cosméticas no decorrer de anos.
Mas, basicamente, competíamos por 25% do mercado japonês e um percentual
semelhante do mercado europeu com um produto antigo. As demais linhas de
produção enfrentavam problemas parecidos.
O motivo pelo qual a Nissan deixara de investir no desenvolvimento de seus
produtos era simples: economia. Pressionada por perdas operacionais
persistentes e por uma dívida cada vez maior, a empresa estava permanentemente
em dificuldades financeiras. Não era preciso que fosse assim. Na verdade, a
Nissan tinha muito capital – o problema é que ele estava preso a investimentos
financeiros (que em nada contribuíam para seu negócio) e também as
propriedades, sobretudo em parcerias de keiretsu. O sistema keiretsu é uma das
características mais duradouras do cenário econômico japonês. Por meio dele, as
empresas industriais tem participação acionaria em outras companhias.
Acredita-se que isso promova a lealdade e a cooperação mutua. No caso de
grandes empresas, o portfólio chega à casa dos bilhões de dólares. Quando
cheguei à Nissan, descobri que a empresa possuía mais de 4 bilhões de dólares
investidos em centenas de empresas diferentes.
Acontece que a maior parte dessas participações acionárias era pequena demais
para que a Nissan pudesse impor algum tipo de alavancagem administrativa a
essas empresas, muito embora o volume de dinheiro envolvido fosse quase sempre
bastante significativo. Um dos investimentos, por exemplo, consistia em uma
participação de 216 milhões de dólares na Fuji Heavy Industries, uma empresa
que, como fabricante dos carros e caminhões Subaru, disputa com a Nissan o
mesmo nicho de mercado. Qual a lógica de aplicar um volume tão grande de
dinheiro em 4% de uma companhia concorrente se não podia nem mesmo atualizar
seus próprios produtos?
Foi por isso que, pouco depois que eu cheguei, começamos a desmantelar nossos
investimentos em keiretsu. Apesar do temor generalizado de que essa queima
prejudicasse nosso relacionamento com os fornecedores, ocorreu exatamente o
contrário: hoje, nosso laços são mais fortes que nunca. O fato é que nosso
parceiros distinguem muito bem entre a Nissan cliente e a Nissan acionista.
Pouco importa a eles o que fazemos com nossas ações, contanto que continuemos
seus clientes. Na verdade, parece que a redução de nosso ativos foi benéfica
para eles, pois não apenas concederam o desconto que a Nissan pedia côo ainda
aumentavam sua lucratividade. Todos os clientes da Nissan incrementaram seus
lucros em 2000. Embora a quebra do keiretsu parecesse uma atitude radical na
época, muitas outras empresas japonesas hoje trilham esse mesmo caminho.
Os problemas da Nissan não eram apenas de ordem financeira. Longe disso. Nosso
maior desafio era cultural. A exemplo de outras empresas japonesas, ela
remunerava e promovia seus funcionários com base no tempo de casa e idade.
Quanto mais tempo de casa tinha um funcionário, mais poder e dinheiro ele
recebia, independentemente de seu desempenho. Era inevitável que essa prática
gerasse uma certa complacência, o que acabava prejudicando a competitividade.
Afinal, quem compra um carro exige dele desempenho mais do que qualquer outra
coisa. Para o consumidor, o que conta é o design, a qualidade, preços razoáveis
e a entrega na data combinada. Para ele, não importa quem faz o quê na empresa.
Tampouco importa saber como a companhia opera. Portanto, nada mais lógico do
que criar sistemas de recompensa e de incentivo com foco na performance, e não
em idade, sexo ou nacionalidade.
Decidimos então abolir o privilegio de quem tinha mais tempo de casa. É claro
que com isso não começamos automaticamente a promover os funcionários mais
jovens. Na verdade, todos os vice-presidentes seniores que nomeei nos últimos
dois anos têm uma longa folha de serviços prestados à empresa, embora, de modo
geral, não fossem eles os mais antigos na organização. Analisamos o histórico
de desempenho das pessoas. Se, por acaso, o individuo com melhor histórico fosse
também um funcionário antigo, ótimo. No entanto, se o segundo, o terceiro ou
até mesmo o quinto colocado por ordem de idade tivesse um desempenho superior a
outros situados mais no topo da lista, não hesitávamos em promovê-lo. É natural
que surjam problemas quando se mexe em práticas há tanto tempo estabelecidas.
Quando se nomeia um jovem para executar uma tarefa qualquer no Japão, a pessoa
sofre exatamente por causa de sua pouca idade – em alguns casos, os mais velhos
recusam-se a cooperar com ele como deveriam. Não há dúvida de que esse tipo de
experiência pode ser um bom teste para o modelo de liderança que o gerente traz
para o trabalho.
Reformulamos também o sistema de remuneração, de modo que o foco fosse o
desempenho. No modelo de remuneração tradicional do Japão, os gerentes não têm
opções de ações, e é rara a inclusão de benefícios no pacote salarial dos
executivos. Se a media de aumentos numa determinada empresa é de 4%, por
exemplo, os funcionários de melhor desempenho podem esperar aumento de 5% a 6%
e os de performance menos brilhante recebem em torno de 2% ou 2,5%. O sistema
abrange também os estratos mais elevados da gerência. Isso significa que os
indivíduos cujas decisões têm maior impacto sobre a empresa têm pouco incentivo
para tomar decisões acertadas. Mudamos tudo isso. Os funcionários com alto grau
de desempenho têm hoje incentivos que podem chegar a mais de um terço de seu
pacote salarial anual. Além disso, eles têm direito à opção de ações. Também
nesse ponto outras empresas japonesas começaram a fazer mudanças semelhantes.
Outro problema cultural muito arraigado que tivemos de enfrentar foi a
incapacidade da organização de assumir responsabilidades. Tínhamos uma cultura
de culpa. Se a performance da empresa era sofrível, a culpa recaía sempre sobre
alguém. Vendas culpava o planejamento do produto. O planejamento do produto
culpava a engenharia e a engenharia, o financeiro. Tóquio culpava a Europa, e a
Europa culpava Tóquio. Uma das raízes básicas do problema era o fato de que os
gerentes não tinham uma área especifica sob sua responsabilidade.
Na verdade, todo um staff de gerentes mais graduados – conhecidos como
“conselheiros” ou “coordenadores” – não tinha nenhuma responsabilidade
operacional. O conselheiro, uma figura muito conhecida nas subsidiarias de
empresas japonesas no exterior, servia originalmente como consultor. Ele
ajudava na implementação de práticas de administração inovadoras vindas do
Japão. Esse papel tornou-se obsoleto com a difusão dos métodos japoneses. Os conselheiros,
porém, continuaram a existir, mas pouco faziam, exceto minar a autoridade dos
gerentes da linha. Portanto, eliminamos essa função na Nissan e demos a todos
os conselheiros responsabilidades diretamente vinculadas ao processo
operacional. Redefini também os papeis de outros gerentes da empresa, bem como
os do pessoal da Renault que viera comigo. Todos eles agora têm
responsabilidades nas linhas e sabem exatamente o que a Nissan espera deles.
Quando algo de errado ocorre, as pessoas assumem a responsabilidade pela
correção.
Mobilizando equipes transfuncionais
Todas essas mudanças tiveram um impacto enorme. Elas contrariavam não apenas
práticas operacionais há muito estabelecidas na Nissan como também algumas
normas comportamentais da sociedade japonesa. Eu sabia que não teria sucesso se
tentasse simplesmente impor as mudanças de cima para baixo. Em vez disso,
decidi usar como peça fundamental da mudança um conjunto de equipes
transfuncionais. Não era a primeira vez que eu o fazia. Em minhs experiências
anteriores, as equipes foram imprescindíveis para que os gerentes pudessem
enxergar além dos limites funcionais ou regionais que definiam suas
responsabilidades diretas.
Minha experiência mostrou que raramente os executivos vão além de suas
fronteiras. De modo geral, engenheiros preferem resolver seus problemas com
outros engenheiros. Vendedores preferem a companhia de outros vendedores e
americanos se sentem mais à vontade entre americanos. O problema das equipes
funcionais ou regionais é que os indivíduos poucas vezes se dão ao trabalho de
fazer perguntas um pouco mais complicadas. Nas equipes transfuncionais, pelo
contrário, as equipes ajudam os gerentes a pensar de maneiras diferentes e a
desafiar as práticas existentes. Também propiciam um mecanismo que explica o
por quê das mudanças e facilita a comunicação de decisões mais difíceis a toda
a organização.
Transcorrido um mês desde a minha chegada, já havia nove equipes em operação.
Suas áreas de responsabilidade compreendiam atividades como pesquisa e
desenvolvimento, estrutura organizacional e até mesmo complexidade do produto.
Juntas, elas trabalharam com os principais impulsionadores da performance da
Nissan.
Pusemos as equipes para trabalhar a todo o vapor. Demos a elas três meses para
estudar as operações da empresa e apresentar sugestões que pudessem tornar a
Nissan novamente lucrativa, além de apontar caminhos que permitissem à empresa
crescer no futuro. As equipes reportavam-se aos nove membros da comissão
executiva. Embora elas não tivessem poder de decisão – o que cabia apenas a mim
e à comissão executiva – tinham acesso franqueado a todos os aspectos
operacionais da empresa. Nada foi proibido.
As equipes compunham-se de aproximadamente dez membros, todos saídos das
fileiras da média gerência, isso é, gente com responsabilidade nas linhas. A
limitação do número de participantes a dez tinha como objetivo permitir eu as
discussões fluíssem a um ritmo razoável. Dada a urgência da situação, não
podíamos nos dar ao luxo de perder tempo em debates muito demorados. Sabíamos,
porém, que um grupo de dez pessoas não seria suficiente para cobrir em
profundidade todas as questões que surgiriam pelo caminho. Para solucionar esse
problema, as equipes dividiram-se em sub-equipes constituídas por seus membros
e por gerentes escolhidos por elas. As sub-equipes, também compostas de dez
componentes no máximo, concentravam-se em questões especificas enfrentadas
pelos grupos maiores. O time de fabricação, por exemplo, possuía quatro
sub-equipes focadas em capacidade, produtividade, custos fixos e investimentos.
Juntas, as equipes e sub-equipes somavam 500 pessoas.
Para que as equipes pudessem exercer autoridade dentro da organização,
destacamos dois “líderes” da comissão diretora aos quais deveriam se reportar.
Esses lideres eram como que patrocinadores dos grupos, e facilitavam sua
atuação removendo obstáculos institucionais. Por que dois lideres e não apenas
um? Para garantir que as equipes não limitassem demais seu foco de atuação.
Decidimos, por exemplo, que Nabuo Okubo, vice-presidente executivo para
pesquisa e desenvolvimento, e Itaru Koeda, vice-presidente executivo de
compras, ficariam responsáveis pela equipe de compras. A atuação conjunta dos
dois resultaria em equilíbrio, de modo que uma perspectiva funcional não
predominasse sobre a outra.
É importante também que o processo de trabalho das equipes não pareça um
exercício de culpa imposto pela empresa. Portanto, é preciso que os lideres das
equipes procurem não interferir em suas operações, comparecendo apenas a
algumas reuniões. Os dez membros permanentes dos grupos executavam o trabalho
propriamente dito, enquanto um deles agia como “piloto” da equipe, tomando para
si a responsabilidade de conduzir a pauta dos trabalhos e discussões. Os
pilotos eram selecionados pela comissão executiva. Juntos, lideres e pilotos
escolhiam o restante da equipe. Geralmente, os pilotos eram gerentes com
experiência prática dos problemas operacionais da Nissan e com credibilidade na
hierarquia e na linha. Interessei-me pessoalmente pela escolha deles porque
isso me dava a oportunidade de conhecer mais de perto a futura geração de
lideres da empresa.
A implementação desse processo ajudou os gerentes a se tornar muito mais
conscientes de suas potencialidades, bastando para isso que se concentrassem em
suas tarefas. Foi o que aconteceu com a equipe de compras, à qual impus o
desafio de descobrir meios de baixar os custos dos fornecedores em 20%, de modo
que a Nissan ficasse no mesmo patamar de outras montadoras. Disse a eles que
para alcançar um terço da economia pretendida seria preciso fazer mudanças nas
especificações de engenharia, várias das quais eram muito mais severas na
Nissan do que em outras companhias. Em um primeiro momento, os engenheiros
achavam impossível que o percentual de redução que eu havia proposto pudesse
ser alcançado com mudanças nas especificações.
Contudo, ao se envolver nos trabalhos práticos das equipes, esses mesmos
engenheiros constataram seu erro. Na verdade, eles conseguiram um percentual
maior do que eu havia proposto graças a um trabalho de observação que mostrou
ser possível realizar milhares de pequenas alterações. Descobriu-se, por
exemplo, que o padrão de qualidade das pecas dos faróis estava muito acima do
padrão da concorrência, muito embora sua performance não apresentasse nenhum
ganho significativo. Ao introduzir uma pequena redução no padrão das
superfícies dos refletores dos faróis, a Nissan conseguiu reduzir a zero a taxa
de rejeição daquele componente. Outra pequena redução na especificação de
resistência ao calor permitiu à empresa usar materiais menos caros nas lentes e
nos painéis internos dos faróis. Juntas, as duas modificações baixaram os
custos dos faróis em 2,5%.
O resultado de três meses de trabalho das equipes tornou-se uma espécie de mapa
para a grande virada da empresa. Em outubro de 1999, fiz o lançamento público
do Plano de Renovação da Nissan. O plano, desenvolvido pelos próprios
executivos da empresa, trazia em suas linhas gerais as grandes mudanças nas
práticas de negócios que descrevi anteriormente. Prescrevia-se também ali a
aplicação de um remédio amargo: o fechamento de fábricas, redução da folha de
pagamento – tudo isso no Japão. A imprensa, é claro, dava destaque à forma como
desafiávamos as tradições empresariais japonesas e também aos cortes de
funcionários – uma atitude considerada revolucionaria em uma sociedade
habituada à tranqüilidade do emprego vitalício. Embora essas mudanças fossem
extremamente necessárias e importantes, a história não acabava por aí.
Transformar uma empresa como a Nissan era mais ou menos como disputar uma
corrida de Fórmula 1. Quem quiser seguir pelo trajeto com velocidade máxima tem
de acelerar e frear o tempo todo. O plano de renovação, portanto, tinha muito a
ver com o crescimento futuro da empresa (aceleração) e com o corte de custos
(freadas). Não podíamos trabalhar achando que “primeiro reduziríamos os custos,
depois cresceríamos”. Tínhamos que fazer as duas coisas juntas. Portanto,
paralelamente às reduções e ao fechamento de fábricas, o pleno previa também
vários investimentos de grande porte, como 300 milhões de dólares destinados à
produção de modelos da Nissan na fábrica brasileira da Renault e 930 milhões de
dólares para a construção de uma nova unidade em Canton, no Mississippi.
Anunciamos também nossa entrada no mercado de minicarros no Japão e recuperamos
o controle de nossas operações na Indonésia.
As equipes transfuncionais são hoje parte da estrutura administrativa da
Nissan. Continuo a me reunir com os pilotos ao menos uma vez por ano, quando
então as equipes me informam sobre a evolução de suas atividades. Acrescentamos
inclusive uma décima equipe voltada para custos de investimentos e eficiência.
Hoje, a missão das equipes é dupla. Em primeiro lugar, funcionam como sentinelas
do processo de implementação do plano de renovação. Em segundo lugar, buscam
descobrir novas maneiras de aperfeiçoar o desempenho da empresa. Em suma, são
elas as ferramentas que me permitem saber com certeza que a Nissan continua
desperta e em forma.
A importância do respeito
Como era de esperar, os cortes feitos no Japão deixaram o público inseguro em
relação ao plano de renovação e eu, como estrangeiro e em posição de comando,
fui alvo de grande parte da artilharia pesada. Dentro da Nissan, porém, as
pessoas entendiam que não estávamos tentando dominar a empresa, mas restaurá-la
à sua glória original. Os funcionários confiavam em nós por uma razão muito
simples: mostramos a eles que os respeitávamos. Emvora estivéssemos
introduzindo modificações profundas no modo como a Nissan dirigia seus
negócios, sempre nos preocupamos muito em proteger sua identidade e sua
dignidade.
Sempre pautamos nossa conduta por esse comportamento, mesmo nas primeiras
negociações entre a Renault e a Nissan. Como muita gente sabe, a Renault não
era a primeira opção da lista da Nissan. A empresa preferia a DaimlerChrysler,
o que não era de estranhar, dadas sua robustez financeira e a reputação que
tinha na época. Embora a Nissan estivesse negociando com a Renault, mantinha também
negociações com a DaimlerChrysler, e eu pessoalmente achava que a escolha
recairia sobre esta última. No fim, porém, a DaimlerChrysler retirou-se no
processo, pois achava a Nissan uma aposta arriscada demais. Nas palavras de um
executivo da Chrysler, apostar na Nissan seria como colocar 5 bilhões de
dólares dentro de um contêiner de aço e jogá-lo no mar.
Com a DaimlerChrysler fora da disputa, a Renault tornou-se a única esperança de
sobrevivência para a Nissan. O outro interessado, a Ford, havia muito
abandonara a corrida. Em tais circunstâncias, era de esperar que a Renault
fizesse exigências ainda mais severas à Nissan. Em vez disso, porém, preferiu
não tirar vantagem de seu poder de barganha no curto prazo. Se começássemos a
explorar logo de início nosso parceiro, teríamos de pagar por isso mais tarde.
Creio que a decisão da Renault de manter os termos de sua proposta antes mesmo
que a DaimlerChrysler se retirasse do processo contribuiu enormemente para a
preservação do moral dos gerentes da empresa num primeiro momento.
Desde então a cooperação entre as duas empresas mostrou que não há motivos para
temer uma dominação estrangeira. Embora as exigências de uma reviravolta
significassem para a Nissan a adoção de uma atitude de aprendiz muito mais do que
para a Renault, o relacionamento entre ambos hoje é equilibrado. O pessoal da
Renault já começa a aprender com a Nissan, e a alta gerência da Nissan passa às
unidades da Renault o seu know-how. Na verdade, após apenas três anos na
Nissan, ninguém mais pode dizer que o pessoal trazido por mim ainda pertence à
Renault. Além disso, creio que, quanto mais a identidade da Nissan se
fortalece, os americanos, europeus e japoneses que aqui trabalham ficam cada
vez mais parecidos, e não diferentes.
De modo geral, creio que a identidade e a cultura da Nissan desempenharam um
papel bem mais importante do que seu país de origem. Acho que podemos dizer o
mesmo da maioria das empresas. Na verdade, quem tenta descobrir na cultura de
um país o motivo do fracasso ou do sucesso de uma empresa está procurando no
lugar errado. O papel da cultura nacional limita-se exclusivamente a fornecer à
empresa os recursos humanos básicos de que precisa para ser competitiva.
Obviamente, se esse recursos não receberem treinamento ou se o ambiente de
negócios for imaturo, nem as melhores companhias poderão fazer muita coisa. De
igual modo, não importa o grau de potencialidade dos recursos, jamais poderemos
transformá-los em ouro se não entendermos a cultura corporativa. A cultura
corporativa ideal explora os aspectos produtivos da cultura nacional. No caso
da Nissan, buscamos inspiração na combinação entre competitividade e espírito
comunitário, próprios dos japoneses. Daí saíram empresas como a Sony e a Toyota
– e a Nissan, em seus primórdios.
Conquistando a confiança por meio da transparência
Para que um processo de transformação como o da Nissan funcione, é preciso que
as pessoas acreditem que podem falar a verdade e que é possível confiar no que
ouvem de outros. A construção da confiança, porém, é um projeto de longo prazo,
por isso os indivíduos que dele participam devem demonstrar que fazem de fato o
que dizem. Isso leva tempo, mas é preciso começar. Desde o início, deixei bem
claro que todos os números deveriam ser cuidadosamente examinados. Jamais
aceitei relatórios que não fossem absolutamente claros e verificáveis, porque
esperava que as pessoas pudessem sempre justificar quaisquer observações ou
alegações que fizessem. Eu mesmo dei o exemplo quando anunciei o plano de
renovação e disse que renunciaria se não conseguíssemos cumprir os compromissos
que tínhamos assumido.
De modo geral, procurei também impor transparência à organização, de modo que
todos soubessem o que seu colega de lado estava fazendo. Tradicionalmente, por
exemplo, as unidades americanas e européias da empresa operavam
independentemente, compartilhando poucas informações e know-how com o restante
da empresa. As unidades tinham seus próprios presidentes e equipes regionais,
cuja missão consistia na construção de elos com a matriz e, conseqüentemente,
com o restante da empresa. Na verdade, porém, os presidentes regionais e suas
equipes estavam erigindo muros, e era pouca a cooperação entre os diferentes
setores.
Por isso, decidi acabar com o cargo de presidente regional e anunciei a mudança
em março de 2000, seis meses depois da publicação do plano de renovação da
Nissan. Hoje, quatro comissões de gestão reúnem-se uma vez por mês e têm como
tarefa supervisionar as operações regionais da empresa. Cada comissão conta com
a participação de representantes das primeiras funções: fabricação, compras,
vendas e marketing, finanças, etc. Sou presidente da comissão para o Japão,
enquanto as comissões par o mercado europeu, americano e ultramarinos de modo
geral são presididas por vice-presidentes da Nissan japonesa. Procuro também
estar presente às reuniões dos comitês europeu e americano pelo menos quatro
vezes ao ano. A reorganização foi uma das poucas modificações que fiz
unilateralmente, mas que em momento algum deixou de ser consistente com meus
propósitos de transparência dentro da organização.
Equipes transfuncionais e transcorporativas
O trabalho transfuncional em equipe foi de fundamental importância par a
transformação da Nissan. Um enfoque semelhante tornou-se também crítico para o
sucesso da aliança da empresa com a Renault.
Em certo momento das negociações entre as duas empresas, veio à tona uma
discussão sobre como se daria o trabalho conjunto. Os negociacores da Renault
achavam que a melhor maneira de equacionar a questão seria por meio de uma
série de associações. Portanto, insistiam na discussão de todas as questões
legais próprias de uma joint venture: quem contribuiria com o quê e quanto, de
que forma e produção seria compartilhada, e assim por diante. A equipe da
Nissan discordou. Seu objetivo era trabalhar questões administrativas e de
negócios, e não os aspectos jurídicos da parceria. Conseqüentemente, as
negociações emperraram.
Louis Schweitzer, CEO da Renault, perguntou-me se eu tinha alguma sugestão para
o impasse. Disse-lhe então que abandonasse a idéia de associação. Se você
quiser que as pessoas trabalhem juntas, a última coisa de que precisa é uma
estrutura jurídica em seu caminho. Propus que fossem constituídas equipes
informais com funcionários de ambas as empresas – equipes transcorporativas.
Algumas equipes concentraram-se em aspectos específicos da fabricação e entrega
de automóveis – havia, por exemplo, uma equipe que cuidava do planejamento do
produto e outra responsável pela produção e pela logística. Outras estavam
focadas em uma região determinada – Europa, por exemplo, México e América
Central. No total, foram criadas 11 equipes transcorporativas.
Por meio dessas equipes, os gerentes da Renault e da Nissan descobriram
diversas formas de promover os pontos positivos das duas. A experiência da
equipe transcorporativa do México é um bom exemplo. Na época em que a aliança
entre as companhias foi selada, no início de 1999, a Nissan padecia de excesso
de capacidade no mercado mexicano, em decorrência da fraca demanda doméstica e
das vendas pífias dos ultrapassados modelos Sentra nos Estados Unidos. A
Renault, pelo contrário, cogitava voltar ao mercado mexicano, que abandonara em
1986. Juntar os gerentes das duas empresas era o mesmo que reconhecer imediatamente
a sinergia dessa oportunidade. Em apenas cinco meses, foi traçado um plano
detalhado para a produção dos carros da Renault em fábricas da Nissan. Um ano
depois, em dezembro de 2000, as linhas de montagem produziam os primeiros
modelos da Renault.
A evolução da Nissan foi impressionante. Na fábrica de Cuernavaca, a taxa de
utilização da capacidade instalada subiu 55% no final de 1998, totalizando
quase 100% de capacidade aproveitada. No que se refere à Renault, o acordo
acelerou significativamente sua volta ao México. Na verdade, a Renault começou
a vender carros no México antes mesmo que as linhas de montagem produzissem o
primeiro Scénic. Uma vez que o governo mexicano reconhecia a Renault como
parceira do grupo Nissan, a empresa pôde começar imediatamente a exportação de
carros para o país, sem a necessidade de aprovação em separado do governo. Além
disso, a Renault podia usar as concessionárias e os distribuidores locais da
Nissan.
Atualmente, as equipes transcorporativas e transfuncionais têm papéis
complementares: as primeiras atuam como vigilantes, zelando para que o plano de
renovação se mantenha sempre vivo em ambas as empresas. As segundas alimentam a
aliança.
Fonte:
Exame Harvard Business Review – abril de 2003 – pgs. 44 a 53