Vender para crescer e se perpetuar
4 de fevereiro de 2019
Categoria: Marketing, vendas e varejo
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Steve Jobs, da Apple, e Meg Whitman, do Ebay, pareciam não errar nunca. Até agora

O iphone foi mostrado pela primeira vez em ja­neiro, e nos meses seguintes a Apple e seu fundador, Steve Jobs, tornaram-se protagonis­tas de um dos maiores fenômenos de marketing da história. Mui­to antes de chegar às lojas, a mágica tela multitoque do produto ganhou espaço sem precedentes no imaginário dos consumi­dores. A história da volta por cima da em­presa foi contada e recontada à exaustão, assim como a virada pessoal de Jobs, que saiu em desgraça da companhia que fun­dou e voltou como seu salvador anos mais tarde. Sua obsessão pelo design foi esmiu­çada nos mínimos detalhes. Um artigo do The Wall Street Journal creditou a ele­gância dos produtos da Apple a uma re­pulsa que Jobs teria a qualquer tipo de botão em aparelhos eletrônicos — o que explicaria a tecla solitária na superfície do iPhone. O frenesi midiático gerado pe­lo produto criou a impressão de que a Ap­ple e seu criador eram incapazes de er­rar, e o preço da ação da empresa acom­panhou o entusiasmo: nos dez meses que se seguiram ao anúncio do iPhone, os pa­péis subiram 70%. Mas, no início de ou­tubro, o amor começou a dar sinais de cansaço. Primeiro, o preço do iPhone foi reduzido de 599 para 399 dólares, somen­te dois meses após a chegada do produ­to às lojas. Depois, a Apple deu a enten­der que os desenvolvedores independen­tes não poderão criar software para o apa­relho, ou seja, só programas da própria empresa poderão tirar proveito da tecno­logia e da crescente base de iPhone em uso. Os fanáticos e fiéis consumidores não gostaram nem um pouco — e as reclamações começam a ecoar pela internet.

Quando a redução de preço foi anun­ciada, Jobs saiu-se com a seguinte frase: “E assim mesmo no mundo da tecnolo­gia”. Ele fazia referência à velocidade da queda dos custos de produção da indús­tria, mas poderia também estar falando do status dos grandes inovadores no negócio da tecnologia. No início desta década, o sistema logístico desenvolvido pela Dell era considerado imbatível, e aos outros fabricantes de PC restava apenas a opção de buscar a consolidação para concorrer com o genial Michael Dell. Mas a queda na qualidade da assistência técnica, alia­da a uma insistência no modelo de vendas diretas, desprezando o varejo, fez a Dell perder a liderança mundial para a HP. O Google ainda não perdeu a posição do­minante que ocupa na web, mas a boa von­tade dos usuários de que o gigante das buscas desfrutava certamente não é mais a mesma. Das concessões aos censores chineses às preocupações com o acúmu­lo excessivo de informações pessoais dos usuários, as dúvidas a respeito da sin­ceridade do lema do Google — “Não se­ja do mal”‘— não param de crescer. Agora, é a vez de Jobs tentar superar os arranhões em sua imagem.

Eles são pequenos, é verdade. As reações negativas à queda do preço do iPhone foram rapidamente controladas: a Ap­ple anunciou um crédito de 100 dólares para quem comprou o produto pelo preço de lançamento. Mas há outro problema, de solução muito mais difícil: o modelo de negócios do produto. O iPhone é um computador sofisticado, que tem um sis­tema operacional semelhante ao que equi­pa os computadores da Apple. Quem com­pra um Mac tem total liberdade para escolher um provedor de acesso à internet e para instalar programas em seu computador. A operadora tem de ser obrigatoriamente a AT&T, nos Estados Unidos, a O2, no Rei­no Unido, ou a T-Mobile na Alemanha. Software para o aparelho? Só aquele que já vem de fábrica ou novidades lançadas pela própria empresa. Hackers consegui­ram desbloquear iPhones para usá-los em redes celulares diferentes e instalar novos programas, mas uma atualização do software do celular-computador anulou as modificações e reafirmou o modelo de con­trole absoluto da Apple sobre o aparelho.

Muitas pessoas tiveram os aparelhos inutilizados, e pelo menos dois consumidores decidiram processar a empre­sa. Um deles, o americano Timothy Smith, exige 1 bilhão de dólares como repara­ção, além de indenizações pelo que ca­racterizou como práticas monopolistas da Apple. “É como se você comprasse uma TV da Sony e a empresa o proibisse de ver a programação da Fox”. diz a ação movida por Smith. Blogueiros comparam a amarração de aparelho e softvvare à do sistema Windows e seu navegador, o In­ternet Explorer, o que motivou o proces­so antitruste movido pelo governo ame­ricano contra a Microsoft. “A Apple hoje tem a reputação de monopolista que per­tencia à Microsoft”, escreveu o colunista Mike Elgan, da revista PC World. A comparação é exagerada; afinal de contas, es­tima-se que a Apple tenha vendido pou­co mais de 1 milhão de iPhones, uma por­centagem ínfima dos mais de 2 bilhões de celulares em uso no mundo. Mas a ima­gem de Steve Jobs, sempre visto como o executivo de tecnologia que pensa dife­rente, já saiu manchada do episódio.

A executiva-chefe do site de leilões Ebay, Meg Whitman, tam­bém sofreu no início de ou­tubro o primeiro grande re­vés de uma carreira até ho­je estelar. Num anúncio que muitos consideravam inevi­tável, o Ebay admitiu ter pa­go dinheiro demais pelo ser­viço de telefonia pela inter­net Skype, adquirido em 2005 por 2,6 bilhões de dólares. No comunicado divulgado aos acionistas, a empresa assume um prejuízo de nada menos que 1,4 bilhão de dólares no negócio. Desse total, 530 milhões de dó­lares serão pagos aos acionistas do Skype, que, pelo acordo inicial, poderiam ter re­cebido até 1,7 bilhão conforme a performance do serviço. O problema é que o Skype não atingiu as metas combinadas. Embora tenha uma base de 220 milhões de usuários em todo o mundo, o serviço de telefonemas pela rede gerou apenas 90 milhões de dólares em re­ceitas nos três primeiros me­ses do ano, muito aquém das expectativas de Whitman — a maioria das ligações fei­tas pelo Skype diga-se, é de computador para computa­dor e, portanto, gratuita.

Mas o outro problema, talvez mais danoso para a imagem da executiva, foi a dificuldade de integrar o Skype ao negócio do Ebay, que são as comissões cobradas pelas vendas reali­zadas pelo site. A ideia ini­cial era permitir que compradores e vendedores pu­dessem se comunicar diretamente por um canal de voz, em vez de usar men­sagens de e-mail. Com mais troca de informações, maior a chance de que ne­gócios seriam fechados, o que, portanto, geraria mais comissões. Mas a tal inte­gração nunca deu certo. “O Ebay finalmente admitiu o que o mundo já sabia ha­via um ano”, disse o ana­lista de internet Henry Blodget. “A aposta foi um fracasso. O Ebay deveria vender imediatamente o Skype para alguém como Yahoo! ou Google e con­centrar-se em seu negócio, que é o comércio eletrônico.” Não se trata de um lugar-comum. No último ano, o Ebay viu uma redu­ção no número de produ­tos à venda no site. Foi a primeira vez que isso acon­teceu nos 12 anos da empresa.

Ninguém acredita que Whitman, que tem 51 anos de idade e dirige o Ebay há
quase dez, vá perder o emprego por causa do fracasso da compra do Skype. Mas sua reputação certamente foi abalada. Uma das principais criticas que ela sofreu foi ter concordado em pagar um valor exagera­ do por um serviço que até então pratica­ mente não gerava receitas. A negociação, para muita gente, lembrou os tempos da bolha da internet. “Parece uma volta aos erros do ano 2000”, disse Aaron Kessler, analista do banco de investimento Piper Jaffray. “As empresas de internet estão vol­tando a comprar audiência em vez de receitas e lucratividade.” Para uma executi­va que vivenciou os anos de irracionali­dade da bolha e que é frequentemente lis­tada entre as mais poderosas do mundo—Whitman chegou a concorrer ao cargo de presidente mundial do grupo Disney, mas desistiu —, é uma crítica e tanto.

Fonte: REVISTA EXAME – 24/10/2010 – Pág. 116 a 118.

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