Um cargo, dois chefes
5 de fevereiro de 2019Chefe estúpido? Ninguém merece!
5 de fevereiro de 2019Pressionados pelo excesso de trabalho, pelos chefes e pela equipe, os executivos do nível médio só têm uma certeza: está cada vez mais difícil chegar a diretor O mundo corporativo se transformou numa máquina de triturar gerentes. O desabafo é do paulista Fausto Donini Alvarez, de 47 anos, que suou o terno como executivo da indústria farmacêutica até finalmente migrar para o mercado de consultoria, ganhando um terço do salário anterior. “Nada do que o gerente fazia antes deixou de existir, só foram acrescentadas funções novas”, afirma Fausto, que hoje é sócio da consultoria de recursos humanos Keseberg & Partners, em São Paulo. A má notícia: não é exagero do moço. A coisa está feia mesmo e tem muita gente desesperada nas empresas. A boa: existem, sim, formas de sobreviver à caçada aos gerentes e dar uma guinada na carreira. Para ajudar você nessa empreitada, mapeamos as principais pressões que essa turma enfrenta e fomos em busca de algumas saídas. Veja o que descobrimos sobre a nada mole vida dos gerentes.
Eles nunca
trabalharam tanto. Pesquisa envolvendo
300 organizações globais com, no mínimo, 500 funcionários — realizada pela consultoria
Lee Hecth Harrison, parceira da brasileira Mariaca — revelou que 50% dessas
empresas fizeram downsizing (jargão para demissão em massa) ao menos três
vezes nos últimos três anos. Outro estudo, da Fundação Getulio Vargas, mostra
que, até os anos 80, 30 cargos separavam um operário do presidente da empresa.
Hoje, entre as duas pontas há apenas seis níveis hierárquicos. Traduzindo: a
estrutura das organizações está cada vez mais enxuta e, no caso dos gerentes,
isso quer dizer que eles têm cada vez mais atribuições e mais gente sob seu comando.
“Em função do enxugamento das empresas, eles passaram a fazer seu
trabalho de gerente e também o de alguns cargos extintos, sem que o salário
acompanhasse as novas atividades” diz Maria Giuliese, diretora da
consultoria de carreira Lens & Minarelli, em São Paulo.
Eles sofrem pressão de cima e de baixo.
A pressão vinda dos chefes aumentou porque nunca se exigiu tanto resultado em
tão pouco tempo e por causa da tal estrutura matricial, em que o gerente se
reporta a vários chefes, localizados às vezes em países diferentes, tomando
decisões diferentes. Por outro lado, a pressão também vem de baixo. O gerente
hoje não responde apenas pela operação, mas pela gestão e desenvolvimento do
time. E é cobrado por isso. “Ele precisa dar coaching e feedback para a
equipe, preparar o sucessor, pensar estrategicamente e não deixar de entregar
resultados no curtíssimo prazo”, diz Fausto Alvarez.
Eles não têm
autonomia nem informações suficientes .
Apenas 53% dos gerentes conhecem os objetivos definidos pelos presidentes e
acionistas. Foi o que revelou uma pesquisa da consultoria de gestão de
estratégia Symnetics Business Transformation com 107 empresas brasileiras.
Isso significa que quase metade deles precisa bater meta sem saber exatamente o
porquê. “Os gerentes são obrigados a dar respostas estratégicas sem ter
conhecimento suficiente sobre o negócio”, diz Reinaldo Manzini, diretor
da Symnetics. “Eles não têm assento nas reuniões estratégicas e, muitas
vezes, desconhecem a relação do seu trabalho com o todo.”
Eles têm poucas chances de promoção vertical.
Para você ter uma idéia de corno é difícil passar de gerente a diretor, na
Petrobras há 2.124 cargos de gerência (distribuídos entre gerentes setoriais,
gerentes, gerentes-gerais e gerentes executivos) e apenas seis cargos de
diretoria. São 354 gerentes para cada vaga. A estatal é um caso extremo,
claro. Mas a média nacional não é animadora: 40 por vaga. Por causa desse tipo
de estrutura, 67% dos gerentes brasileiros dizem que a falta de perspectiva de
ascensão na carreira é o que mais os motiva a procurar um novo emprego — os
dados são de um levantamento com 120 executivos, feito pela consultoria Career
Center, em São Paulo.
Eles são discriminados por causa da idade.
O ciclo de carreira está mais curto nas empresas e há uma expectativa de que o
gerente seja promovido a diretor, no máximo, até os 40 anos. Quando ele não
consegue, tem dificuldades até mesmo para continuar ocupando o cargo de gerente.
“É mais difícil recolocar um gerente a partir dessa idade. Ele vai
competir com profissionais de 30”, diz Adriana Fellipelli, da empresa de
recolocação e aconselhamento de carreira RightSaadFellipelli, em São
Paulo.
Diante desse cenário torturante descrito aí em cima, os gerentes fazem
malabarismos para sobreviver à rotina corporativa e conseguir se destacar na
empresa, antes que seja tarde demais. O problema é que, na maioria das vezes,
eles escolhem o caminho errado. Para conseguir uma promoção para o cargo de
diretor, muitos acham que têm de dar o sangue pela empresa, bater todas as
metas em cada vez menos tempo e sacrificar a saúde e a vida familiar como prova
de comprometimento. Essa rotina resulta em profissionais estressados, pouco
produtivos e nada criativos. “Alguns só pensam no curto prazo e preferem
ficar no feijão-com-arroz a inovar”, diz Reinaldo Manzini, da Symnetics.
Como conseqüência, acabam empacados na gerência ou, pior, no olho da rua.
“Recebo muitos gerentes que fizeram tudo o que a empresa mandava e
acabaram sendo demitidos em vez de promovidos”, diz Maria Giuliese, da
Lens & Minarelli. “Eles chegam aqui angustiados, cansados e sem
referências, se perguntando o que fizeram de errado.”
Foi isso o que aconteceu com o paulista Marcos Mohr, de 42 anos, ex-gerente
nacional de auditoria da Vivo, que trabalhou na empresa durante nove anos.
“Ao longo desse tempo, agreguei novas responsabilidades e me dividi entre
as tarefas operacionais, a expectativa da equipe por crescimento e coaching, a
pressão por resultados e o desafio de ‘vender’ o meu trabalho. Tudo isso com
um grande senso de urgência”, diz Marcos, que trabalhava em média dez
horas por dia. Há seis anos ele foi convidado a assumir uma posição no Rio de
Janeiro e cuidar do orçamento de cinco Estados. Mesmo com esposa e dois filhos
em São Paulo, aceitou a mudança. Nove meses depois, retornou à capital
paulista com a missão de construir a área de garantia de receita. “Essa
mudança foi considerada uma promoção. Eu era o único gerente no corpo diretivo,
com maiores responsabilidades. Mas o salário, o cargo e os benefícios ainda
eram os antigos.” Aos poucos, ele começou a ser cobrado também pela
estratégia do negócio, sem deixar de lado a operação. Em 2003, passou seis
meses em Portugal, reestruturando a área de cobrança. Ao voltar, outro
profissional havia sido promovido a diretor. “Eu já havia sinalizado que
estava pronto para essa vaga há uns três anos”, reclama. No fim do ano
passado, Marcos acabou sendo demitido, após mais uma reestruturação na empresa.
“Saí consciente, mas não magoado. Era uma aposta e não uma promessa de
que seria promovido.” Hoje ele está em processo de recolocação.
Assuma sua carreira
O erro de Marcos Mohr, como o de vários outros gerentes, foi exatamente
esperar o reconhecimento da empresa na forma de promoção para o cargo de
diretor. “As promoções são quase naturais até você chegar a uma posição de
gerente. Depois disso a coisa complica”, diz Luciana Sarkozy,
sócia-diretora da Career Center. Para continuar crescendo a partir daí, você
tem de assumir o controle da sua carreira, planejar os próximos passos
profissionais e correr atrás desses objetivos. Parece discurso de auto-ajuda,
mas é a mais pura realidade. Por mais que as equipes estejam enxutas e que
aparentemente você não tenha tempo para outra coisa a não ser cumprir metas,
vai ter de encontrar um momento para desenhar seu futuro e criar oportunidades
de crescimento. Isso é o que diferencia o gerente que fica preso no cargo — e
na melhor das previsões vai se aposentar como gerente — daquele que consegue
ultrapassar essa fronteira. “Não dá para terceirizar essa
responsabilidade. É o profissional que dá sentido a sua trajetória”, diz
o consultor Willian Buli, da consultoria de recursos humanos Mercer, em São
Paulo.
A saída para a sua carreira, caro gerente, pode estar na própria empresa ou
fora dela. Seja qual for o caminho escolhido, o tal segredo do sucesso é uma
boa dose de autoconhecimento e um planejamento eficiente. Que o diga o carioca
Sérgio Nogueira, de 39 anos, que fez movimento semelhante ao de Fausto
Alvarez ao largar o mundo executivo e também se tornar consultor. Depois de
atuar como gerente de recursos humanos em dois bancos estrangeiros e em uma
multinacional de consumo, Sérgio constatou que não era isso o que queria da
vida. “Na posição gerencial você não tem autonomia e fica à mercê das
decisões da diretoria, muitas vezes conflitantes.” Ele conta que, numa das
empresas, as metas mudavam semanalmente, às vezes até diariamente.
“Imagine um diretor tomando uma decisão e logo depois outro tomando uma
diferente, que anulava a primeira.” Sérgio também não agüentava mais ser
pressionado por todos os lados: pela equipe, que queria recompensa; pelos
pares, pois a competição era muito forte; pelos diretores, que exigiam cada vez
mais resultados e menores custos. “Chega um momento em que você tem de
avaliar se está satisfeito ou não e traçar novos objetivos. Foi o que eu
fiz.” Depois que decidiu deixar a carreira corporativa, Sérgio analisou
suas competências e as atividades que gostaria de desenvolver. Chegou à conclusão
de que o caminho natural seria a consultoria. Hoje, como consultor da Mercer,
tem mais poder sobre o trabalho e a segurança de que tem o controle da
carreira. É até redundância dizer que está muito mais realizado. E produtivo.
Finalmente, diretor!
Para alguns executivos, o exemplo de Sérgio Nogueira pode ser o empurrãozinho
que faltava para tomar coragem de dizer adeus ao cargo de gerente e ir buscar
o sucesso em outra atividade profissional. Outros, no entanto, amam o cotidiano
corporativo e estão determinados a se tornar CEOs. Para chegar lá, eles não
têm alternativa além de enfrentar todas as pressões da gerência, encontrar
uma maneira de vencê-las e finalmente conquistar uma posição na diretoria. O
paulista Daniel Garbuglio, de 34 anos, é um desses profissionais. E estava
ficando desesperado por não conseguir atingir esse objetivo. “Quando eu
via uma pessoa da minha idade com o cargo de diretor, tinha vontade de bater
minha cabeça na parede”, diz, brincando. A trajetória gerencial do
executivo começou aos 26 anos, quando foi contratado como gerente de soluções
da Microsoft. Lá, trabalhava cerca de 14 horas por dia, lia e-mails aos
domingos e chegava a administrar quatro reuniões marcadas no mesmo horário.
Sem falar que tanto era cobrado pela operação quanto pela estratégia. “Eu
‘carregava caixa’ de manhã e à tarde discutia negócios com o presidente da
empresa.” Durante quatro anos e meio na Microsoft, Daniel foi promovido
três vezes, mas sempre no nível gerencial. Também foi internado oito vezes com
gastrite, teve um princípio de trombose por viajar muito de avião e engordou
40 quilos! Apesar de estar acostumado à rotina caótica — e gostar do seu
trabalho —, chegou um dia em que estourou com o chefe. E acabou sendo
demitido. “Eu me sentia estrangulado pelas metas”, diz ele, agora
magro por causa de uma cirurgia de redução no estômago.
Pensa que depois disso ele resolveu mudar a rotina? Que nada. Ao sair da
Microsoft, Daniel passou pela Shot, fabricante de vidros de alta tecnologia, e
pela Sony Ericsson, onde também viu o rolo compressor passar por sua cabeça.
Ligado à empresa 24 horas por dia, passava o fim de semana conferindo lojas
que vendem aparelhos celulares da empresa. Finalmente Daniel caiu em si e
percebeu que estava entrando naquele círculo suicida da gerência, sendo
induzido ao erro por excesso de trabalho, detonando a saúde e, o que é pior,
sem ver possibilidades de crescimento. Esse definitivamente não parecia o caminho
para se tornar presidente. Em tempo, o executivo reavaliou seus movimentos
profissionais, fez novos contatos, estendeu o olhar a outros setores e
percebeu que a solução, no seu caso, era tentar a carreira em outra empresa,
onde haveria perspectivas concretas de crescimento e suas competências seriam
mais valorizadas. Quando surgiu a oportunidade de tornar-se diretor da SafeNet
— empresa americana que fornece equipamentos para criptografia de rede — ele
não pensou duas vezes. Deu adeus à vida de gerente, acabou de assumir o novo
cargo e está bem mais perto de realizar o sonho de, um dia, sentar na cadeira
de CEO.
Como fazer diferença
Ok, você não quer se tornar sócio de uma empresa, como fez Fausto Alvarez, não
quer se dedicar a uma nova atividade, como fez Sérgio Nogueira, e, pelo menos
por enquanto, não pretende mudar para outra empresa, como fez Daniel
Garbuglio. Quer ser promovido a diretor na organização em que atua hoje,
certo? Tudo bem, é possível chegar lá, apesar daquela engrenagem nada simpática
que descrevemos no início do texto. Para se destacar em meio a tantos
possíveis diretores, o que você precisa, antes de mais nada, é ampliar seu
conhecimento sobre a empresa e seus contatos em outros departamentos. Mesmo que
não seja convidado a participar de reuniões estratégicas, visite outras áreas,
converse com os profissionais que coordenam esses setores, procure identificar
as necessidades e diferenciais da empresa e focar sua atuação nesses segmentos.
“Sempre existe alguém que demonstra ter visão estratégica, porque correu atrás
de informações e oportunidades. Estes são os escolhidos”, diz Luciana
Sarkozy, da Career Center.
Você também tem de aprender a impor limites e dizer não ao diretor. “Toda
vez que diz sim para ele você pode estar dizendo não para você. Lembre-se que
as empresas avaliam resultado e não esforço”, alerta o consultor Wíllian
Buli, da Mercer. Para aliviar a sobrecarga operacional e ter tempo para se
concentrar em ações estratégicas e em seu próprio desenvolvimento profissional,
é essencial delegar mais funções e responsabilidades à equipe. São muitos os
casos em que o gerente cai na tentação de tomar para si o trabalho porque acha
que vai fazer melhor e mais rápido. Sim, ele vai mesmo, afinal é o gerente. Mas
o saldo final é negativo. “Chamo isso de síndrome de supergerente”,
diz Paulo Pontes, diretor executivo da Michael Page, consultoria de recrutamento
de executivos, em São Paulo. “Ele quer olhar tudo, tomar conta de tudo e
fazer tudo. Muitas vezes, isso é medo de ser substituído.” Só que,
enquanto não largar o osso, dificilmente será visto como um potencial diretor.
Vai continuar como gerente. Ainda que seja “super”.
Última e decisiva atitude para sobreviver à pressão e fazer diferença entre os
gerentes, dentro ou fora da sua empresa: deixe o estresse de lado e analise
racionalmente como você pode contribuir para que isso aconteça. “Sempre
avaliei minha carreira e questionei minha satisfação com o trabalho”,
conta o paulista Cristiano Kok, de 35 anos. “Se não estava feliz, era
preciso fazer alguma coisa. Não dá para reclamar e culpar o mercado.” Ele
sabe do que está falando. Ambicioso e determinado, aos 23 anos já era gerente
de marketing no laboratório Whitehall, hoje apenas Wyeth. Aos 26, foi caçado
por um headhunter para assumir o mesmo cargo em outro laboratório, o
ScheringPlough. Passou a ganhar mais e assumiu mais responsabilidades.
“Pressão sempre vai existir. O segredo é saber administrar o que você
deixa na empresa e o que leva para casa” afirma. Em 2000, Cristiano
migrou para a Novartis, também na área farmacêutica. Dessa vez, não houve
aumento de responsabilidade, equipe ou salário. “Fui porque achei que era
o melhor para minha carreira naquele momento.” O executivo queria
conhecer uma empresa maior, trabalhar com outro tipo de medicamento e fazer
parte da estratégia do negócio. Apostou suas fichas na organização, ampliou seu
conhecimento sobre outras áreas, fez um bom networking e, há três anos, foi
promovido a diretor de marketing, cargo que ocupa hoje. “Gerente ou não,
você tem de ser motorista da sua carreira, e não passageiro. Se não está
satisfeito ou não vê oportunidades de crescimento, procure outra coisa.”
Fonte:
VOCÊ S/A – Edição 97, julho de 2006 – págs. 20 a 27.