Estratégias contra-revolucionárias para líderes de mercado
5 de fevereiro de 2019Metas: dá para chegar lá?
5 de fevereiro de 2019Recentemente, uma empresa americana com sede no Brasil recorreu à orientação da psicóloga Betania Tanure, doutora em administração e professora da Fundação Dom Cabral, para apurar o que provocava queda de produtividade e mal-estar na equipe. O diagnóstico foi totalmente inesperado e não tinha nenhuma relação com questões operacionais. O que havia, explicou a especialista, era um conflito emocional entre o gerente-geral da organização e dez subordinados.
Betania diz que o problema era velado e “monstruoso”. “A equipe não confrontava
o chefe, mas estava paralisada”, diz. Eles não aceitavam o chefe e consideravam
seu estilo de liderança ríspido e impositivo.
A psicóloga entrevistou todos, em conversas em grupo e reservadas, e criou uma
estratégia de desenvolvimento de liderança para o gerente-geral. O consenso
veio à medida que o executivo entendeu que as regras antes impostas poderiam
ser definidas com a equipe.
Situações desse tipo recheiam vários livros sobre comportamento organizacional
e não são incomuns. “Em geral, tais problemas aparecem mascarados por queda de
produtividade, por chefias insatisfeitas com o rendimento da equipe e por
pesquisas de clima apontando mal-estar”, detalha Betania. A tendência das
empresas é investigar as causas quando notam influência na performance. Se há
bons resultados, a questão fica mais complicada por estar encoberta pelas
equipes.
No pano de fundo disso pode estar embutida uma questão cultural do brasileiro,
que inibe ou retrai a possibilidade de conflito direto. Foi isso que Betania
apurou, em parceria com o professor Andrè Laurent, do instituto educacional
francês Insead, em pesquisa internacional. Os pesquisadores afirmam que o
brasileiro considera o conflito importante para a inovação. Mas apresenta
problemas para lidar com divergências. “Os americanos se confrontam
diretamente, assim como os franceses, independentemente da hierarquia”, observa
a psicóloga. “O brasileiro tende a não enfrentar o conflito aberto com quem tem
mais poder que ele.”
No estudo, que ouviu 3 mil executivos de sete países, Brasil e Itália aparecem
como os que mais acreditam que conflitos deveriam ser evitados. Para apenas 4%
dos suecos e 6% dos americanos ouvidos a maior parte das organizações se
portaria melhor se os conflitos pudessem ser definitivamente eliminados, sendo
o percentual de 13% na Inglaterra, 16% na Alemanha, 34% na França, 50% no
Brasil e 41% na Itália. Essa indisposição parece demonstrar que o brasileiro,
“por mais que diga que o conflito é algo positivo”, só o considera realmente
bom se ocorrer da sua escala hierárquica para baixo.
“Os executivos do País não gerenciam equipes de maneira que incentivem a
exposição de opiniões diferentes”, adverte Betania.
Tendências – Muitos especialistas estudam a questão e as opiniões variam. A
escola mais tradicional argumenta que o conflito deve ser evitado. Uma outra, a
visão de relações humanas, diz que ele é conseqüência natural e inevitável em
qualquer grupo. E, desde o início da década de 90, vem ganhando destaque uma
abordagem chamada interacionista, que considera o conflito necessário para o
desempenho eficaz de um grupo.
Para Ricardo Bellelis, diretor de Marketing da Mariaca Associados, que auxilia
empresas e atua como coach (profissional que estimula a ação de executivos),
“há conflitos saudáveis, administráveis, alavancadores de idéias, mas também
altamente destrutivos”. Ele lembra que já teve de socorrer uma empresa gigante
em faturamento do País onde ocorria um ”motim na cúpula da organização”.
Motivo: forma rígida de liderar e ausência de diálogo com a equipe. “Um grupo
de executivos ameaçava a saída em massa, o que poderia afetar a empresa.” Tudo
se resolveu e o grupo foi preservado.
Culturas – Um conflito, diz, pode ser muito perigoso quando vem de cima para
baixo. Para o consultor, são fatores geradores de conflito o abuso de poder, o
estilo de liderança incompatível, a fusão de companhias com culturas muito
divergentes, a introdução de executivos vindos de ambientes inóspitos para comandar
organizações com cultura de diálogo, diferenças de valores entre profissionais,
relacionamentos interpessoais, competições internas e questões de alinhamentos
de resultados.
O assunto ganha tanta atenção que o psicólogo Getúlio Ponce, presidente do Consórcio
Empresarial Tekowam, descobriu nisso uma nova profissão. Ele se intitula
personal development (profissional de desenvolvimento) e atende em seu
escritório, em São Paulo, dezenas de executivos, bancados ou não pela empresa.
“Trata-se de um auxílio ao desbloqueio de inibições funcionais”, explica,
detalhando que sua atuação não lida com a expressão do desejo, mas sim com
questões de decisões ligadas ao meio empresarial.
Para Jussara Ferreira Lopes, sócia-diretora da Yara Hanna, distribuidora
atacadista de alimentos, o trabalho de Ponce foi importante para melhorar a
performance dos negócios. “A empresa cresceu muito rápido, sem que tivéssemos
nos preparado para isso. A gente se sentia meio perdido. Não sabíamos como nos
posicionar no mercado. Nossa visão era totalmente paternalista”, confessa a
empresária, que levou 15 colaboradores ao “divã” informal de Ponce.
Heron Abi-Sâmara, consultor da Accenture, responsável pelo coaching em altos
executivos, lembra que os conflitos só se transformam em reflexões saudáveis
quando a empresa promove um ambiente colaborativo, em que dedica espaço para
comunicação e estimula o respeito às idéias divergentes.
“A empresa precisa definir muito claramente que talentos ela quer e dar a eles
tranqüilidade, comunicar as estratégias, investir para que estejam
identificados profissionais influentes, que possam dialogar e promover
informações de boa qualidade.”
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo – 24/02/2003 Pg. B13