Estratégias contra-revolucionárias para líderes de mercado

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Todo governo, por instinto, teme revoluções. A instabilidade política gera o medo de que o velho regime seja suplantado por um novo, com uma nova estrutura de poder e novas regras. Uma rápida análise da história das guerras civis, da Roma antiga ao mundo moderno, demonstra porém que tal medo é infundado. Uma revolução raramente dá certo. Mesmo quando dá, é mais pela inépcia de quem detém o poder do que pela superioridade ideológica do insurgente. O triunfo da revolução bolchevista de 1917, por exemplo, foi fruto da incapacidade do czar de administrar a 1ª Guerra Mundial e questões internas russas, e não da força da ideologia comunista. Na mesma veia, o sucesso da revolução iraniana em 1979 foi viabilizado pela corrupção e pela reação inepta do xá iraniano, e não pelo clamor popular por um governo de aiatolás.

O mesmo vale para os negócios. É comum, entre líderes de mercado, o temor de que novas tecnologias e modelos operacionais tornem obsoletos seus produtos e seus pontos fortes. Quando empresas estabelecidas sucumbem a revoluções, no entanto, a culpa em geral é só delas. Das duas, uma: ou negligenciaram a novidade, permitindo que ganhasse impulso, ou a adotaram rápido demais, desperdiçando recursos e minando seu ponto forte atual sem ter dominado um outro. Infelizmente, até a mais sagaz das empresas pode descambar para os extremos da passividade ou do pânico. A Motorola, por exemplo, ignorou o padrão GSM na crença de que poderia lidar com a ameaça mais tarde – acabou perdendo a liderança da telefonia celular para as rivais Nokia e Ericsson. No outro extremo, a AT&T adotou a banda larga cedo demais, com enormes prejuízos para a organização e sua reputação.

Nos últimos cinco anos, analisei as estratégias de mais de cem líderes de mercado confrontados com uma ameaça concreta à dinâmica competitiva, ao modelo de negócios ou à tecnologia de seus respectivos setores. Entre os vitoriosos, poucos adotaram a postura extrema de ignorar ou abraçar totalmente a revolução. Antes, apostaram num misto de estratégias voltadas a conter ou modificar a ameaça – ou, em certos casos, a contra-atacá-la de frente. Tais reações estratégicas se encaixam em cinco categorias que correspondem, de forma geral, aos estágios de um processo revolucionário.

Uma empresa que note a aproximação de uma revolução logo nos primeiros estágios pode adotar táticas de contenção. Ao erguer barricadas, uma líder de mercado limitaria o nível de adesão à novidade entre o público e a concorrência. Não raro, a revolução morre ali mesmo. Caso contrário, a contenção preliminar dá à empresa fôlego para tentar outra abordagem, que é modificar a revolução de forma que a nova tecnologia ou modelo complemente, em vez de substituir, a sua tecnologia ou modelo. Tal mudança pode até não anular a ameaça. Mas dá ao líder tempo para adaptar a inovação de forma que sua absorção não destrua seus atuais pontos fortes.

Mas nem toda empresa consegue conter o progresso inicial de uma revolução. Em várias ocasiões, a insurreição é tão rápida que o líder de mercado não tem tempo para conter, moldar ou absorver o levante. Nesses casos, a empresa precisa apelar para uma de duas abordagens relativamente mais agressivas. A estratégia de neutralização afronta a revolução e põe fim à mesma – se preciso, oferecendo de graça temporariamente os mesmos benefícios da insurgente. Já a de anulação permite ao líder de mercado transpor a ameaça ou se desviar por completo dela, que com isso se torna irrelevante.

Nas páginas seguintes, explorarei em detalhes cada uma das cinco estratégias contra-revolucionárias (veja “Anatomia de uma contra-revolução”). Depois, mostrarei como a maior fabricante de cerveja do mundo, a Anheuser-Busch, conseguiu combinar várias delas satisfatoriamente e repelir uma ameaça potencial ao setor cervejeiro americano – a revolução da cerveja produzida artesanalmente – , que já redefinira a estrutura e a dinâmica do setor na Europa.

Conter

“É mais fácil resistir no início do que no final”, dizia Leonardo da Vinci 500 anos atrás. Um líder de mercado sagaz, ao perceber uma revolução em seus primórdios, tenta confiná-la a um nicho. Em vários casos, é o bastante para congelar a revolução. Na pior das hipóteses, é uma trégua para que os executivos tentem identificar a natureza da ameaça e a extensão dos possíveis danos e decidir se podem modificar, absorver, neutralizar ou anular o motim.

A contenção assume diversas formas. Uma tática é “atrelar” o público à linha atual de produtos e serviços da empresa por meio de programas de fidelização e outros incentivos. Um exemplo são os programas de milhagem, que evitam a migração do público de grandes companhias aéreas como a American e United para concorrentes de baixo custo como a Southwest e a Virgin. Outro truque é elevar os custos de migração para o consumidor. O exemplo clássico é o da Microsoft, cujo software Windows é hoje praticamente indispensável devido ao esforço envolvido na transição para outro sistema operacional.

Uma líder astuta costuma alavancar ativos complementares como software e serviços para onerar uma possível transição. Numa inversão de papéis com a Microsoft, a Sony conseguiu conter a investida da titã do software no mercado de videogames graças à oferta bem maior de games para o Sony PlayStation 2 do que para o Microsoft Xbox, que tecnologicamente é mais avançado. Além disso, a Sony vem investindo mais na criação de jogos desde a chegada do produto rival, o que dificultará a equiparação da Microsoft.
Outra tática das líderes de mercado para esmagar revoluções embrionárias é usar seu poderio na distribuição de seus produtos. Fabricantes de bens de consumo de alta rotatividade, por exemplo, inundam as lojas com artigos em oferta, ocupando nas prateleiras o lugar que caberia a rivais. Ou lançam bloqueadores de mercado, bens que explicitamente saciam a mesma necessidade do público. Uma cortina de fumaça também contém ameaças: no setor de alta tecnologia, é comum uma líder anunciar lançamento de produtos ainda longe de concluí-los – os tais vaporware – quando diante de uma ameaça. A idéia é convencer o público a esperar em vez de apostar no produto rival e também dissuadir a concorrência de criar artigos similares.

Há quem recorra a campanhas agressivas de relações públicas para deslegitimar, e com isso conter, uma revolução. Em 1998, por exemplo, a BusinessWeek resolveu repercutir o suposto lançamento de redes mais velozes e baratas para transmissão de voz, dados e imagens por empresas como a Intermedia Communications. Um vice-presidente sênior da MCI foi sarcástico: “Ainda não criaram a fórmula da fusão a frio. Se nós não podemos comprar certos equipamentos, ninguém pode.” Ao descartar a ameaça desta forma, a MCI desanimou o público a trocar de provedora e evitou que os investidores apoiassem a insurgente. Algo parecido ocorreu em meados dos anos 90, quando a Monsanto lançou sementes geneticamente modificadas. Grandes fabricantes de sementes e produtores agrícolas rotularam o produto de “Frankenfood”. A Monsanto teve ainda, de se defender de acusações de que seu hormônio de crescimento bovino era “crack para vaca” e contaminava o leite. Tudo isso abriu um debate feroz sobre a modificação genética na agricultura e na pecuária, algo que até hoje é um entrave aos transgênicos.

Uma estratégia de contenção se autoalimenta. À medida que menos e menos gente adota o novo produto ou tecnologia, tem início inevitavelmente um ciclo perverso de contenção: para ganhar terreno, o insurgente precisa investir mais tempo e dinheiro, algo impossível se a novidade não emplaca depressa. Quando o líder de mercado consegue conter o arroubo inicial de uma revolução, é quase impossível para a insurgente ressuscitar a iniciativa.

Foi o que aconteceu quando a Polaroid invadiu o mercado fotográfico com câmeras instantâneas nos anos 60 e 70. Para conter a ameaça, a Kodak lançou imediatamente a Instamatic, uma maquininha de filme comum que de instantânea só tinha o nome. Mas era fácil de usar e dava ao público amador a sensação de que a Kodak tentava simplificar a fotografia. Por conseqüência, foi menor o número de pessoas que testou as câmeras Polaroid, o que reduziu nitidamente o embalo da revolução da fotografia instantânea. Enquanto a reputação e as finanças da insurgente eram abaladas, a incumbente recobrava o fôlego. Mais tarde, quando a Polaroid lançou câmeras instantâneas melhores, como a OneStep, a Kodak não pôde repetir o feito, embora àquela altura já tivesse preparado outras táticas contra-revolucionárias.

Modificar
Conter uma revolução nem sempre é possível. Por isso, depois de um certo ponto, o mais sensato é permitir seu avanço e, à medida que a ameaça se dissemina, tentar alterar sutilmente a nova proposta, tecnologia ou modelo de negócios para que não haja riscos ao status quo.

A coexistência pacífica, em vez de luta até o último homem, é a grande meta da tática de modificação. No início da década de 70, por exemplo, tentou-se vender a
quiroprática como um substituto à medicina convencional.

A novidade emplacou mesmo depois de taxada de charlatanismo pela American Medical Association (AMA). Para tentar moldar a ameaça, a AMA sugeriu legitimação dos quiropratas. Bastaria que deixassem de lado certas alegações sobre a eficácia da prática e alinhassem seus métodos aos da medicina moderna. Com o esforço conjunto de autoridades, educadores, prestadores de serviços e outros responsáveis pelas diretrizes da saúde americana, a AMA impôs suas idéias à classe. No final, a quiroprática virou um complemento, e não uma alternativa, ao tratamento médico convencional.

A probabilidade de sucesso dos líderes de mercado na hora de modificar uma séria ameaça é maior com a união de forças. Em 1991, as três maiores montadoras dos EUA criaram a joint-venture Advanced Battery Consortium, um consórcio para o desenvolvimento de tecnologias elétricas que viabilizassem veículos menos poluentes. Com isso, garantiram no mínimo que nenhuma tiraria proveito de uma grande descoberta depois das outras. Mais importante, puderam direcionar a pesquisa para a criação de sistemas híbridos de propulsão, e não de tecnologias que desbancassem totalmente os motores de combustão interna que todas as três fabricam. Com a cooperação, General Motors, Ford e Chrysler conseguiram modificar com maior eficácia a revolução do “motor limpo” e permanecer à frente das insurgentes. Sozinhas, seria mais difícil. Naturalmente, nada disso impedirá que continuem a brigar pelo consumidor com linhas diferenciadas de veículos híbridos quando tal tecnologia finalmente sair do papel.

Uma empresa estabelecida pode cooptar novidades de potencial revolucionário com seu capital de risco, já que o dinheiro é um poderoso escultor de revoluções. Uma série de operadoras européias, americanas e asiáticas de telefonia no padrão GSM – Deutsche Telekom, VoiceStream e Singapore Telecom entre elas – criou o fundo de risco GSM Capital. Administrado pela Argo Global Capital, o fundo de US$ 160 milhões investe em insurgentes voltadas à criação de tecnologias de comunicação sem fio – como conteúdo para internet móvel, torres de celular e aparelhos celulares – capazes de mudar radicalmente o setor ao converter celulares em micros remotos. O GSM Capital pressiona toda empresa na qual investe a desenvolver tecnologias compatíveis com o padrão GSM, e não com padrões rivais como o CDMA. Além disso, os investidores da Argo estão sempre a par de qualquer tecnologia desestabilizadora que uma nova empresa venha a desenvolver. Por sua parte, os candidatos a revolucionários aceitam o papel interventor dos líderes de mercado porque tais prestadoras de serviços, por seu porte, podem disseminar tecnologias em escala muito maior.

Uma líder de mercado também pode modificar uma revolução se assumir o papel de fornecedora das insurgentes. Com isso, é possível não só ter uma idéia do progresso do levante como influenciar o mesmo. Com freqüência se esquece que, nos primórdios da fotografia instantânea, a Kodak fornecia vários produtos químicos usados pela Polaroid para fabricar seu filme instantâneo, influenciando assim, tanto a qualidade da foto quanto o preço do filme da rival. A Kodak também pôde monitorar o progresso tecnológico e a participação de mercado da insurgente e adiar atos mais decisivos (mas potencialmente canibalizadores, como lançar câmeras e filmes instantâneos próprios ou a revelação em uma hora) até que fossem absolutamente necessários. Até a Polaroid se expandir para o setor de fotoquímicos e tirar a Kodak de cena, a líder do setor parecia satisfeita em lucrar com a revolução.

Absorver
A estratégia de absorção permite à líder de mercado evitar riscos de tomar a iniciativa ou agir como mera imitadora. Em vez disso, a incumbente assimila a possível revolução de uma forma que não abale os pontos fortes da empresa no momento nem condene à morte seus produtos e modelos de negócios correntes. Com isso, o insurgente assume toda a dor de cabeça envolvida na criação e na promoção de um modelo ou uma tecnologia revolucionários sem colher os benefícios.

Uma das maiores gráficas do mundo, a R.R. Donnelley absorveu não uma, mas duas revoluções sem se desintegrar. No começo dos anos 90, a editoração eletrônica e os sistemas de impressão descentralizada reduziam num ritmo contínuo a demanda nas grandes gráficas. Já a disseminação da informação migrava rapidamente da tinta no papel para a mídia digital. Como resultado dos ataques, o retorno sobre o patrimônio da Donnelley caiu de 17% em meados da década de 80 para 13,5% no começo dos anos 90.

A Donnelley, porém, conseguiu assimilar ambas as ameaças sem abrir mão da tradicional economia de escala na produção. Em vez de condenar as imensas rotativas a peças de museu, a gráfica modernizou o maquinário com o acréscimo de aparatos automatizados de produção de lâminas e software para controle de impressão offset. Com isso, pôde reduzir drasticamente o custo dos serviços e competir por trabalhos pequenos que rumavam para gráficas de bairro e sistemas de editoração internos de empresas. A Donnelley conseguiu ainda lançar serviços de margens altas como a impressão de cadernos regionais – ou de bairro – para jornais e revistas de circulação nacional. Paralelamente, a gráfica aprendeu a reproduzir conteúdo em meios que não o papel, como CDs e bancos de dados on-line. A empresa virou uma das maiores copiadoras e distribuidoras de CDs de software para a Microsoft. Em 1997, o retorno sobre o patrimônio da Donnelley subia para 19%, maior do que o dos anos 80.

Embora outras líderes de mercado – como Banta, Quebecor e Quad/Graphics – tenham feito posteriormente a mesma transição, a Donnellley saiu na frente. Com isso, colheu os maiores frutos. A gráfica absorveu a ameaça com tal velocidade que muitos clientes creditavam a ela o início da revolução digital na impressão. De fato, o melhor modo de um líder encampar uma revolução é agir como se a idéia tivesse sido sua desde o começo.

Uma forma óbvia de absorver uma revolução é cooptar os rebeldes. Uma líder astuta consegue deixar um revolucionário no ponto para alianças ou aquisição ao reagrupar o setor em blocos polarizados que não operem com qualquer outro participante, muito menos um insurgente. Tais blocos geralmente consistem da líder de mercado, seus fornecedores e aliados fundamentais, como agências de publicidade, distribuidores e varejistas.

Foi o que ocorreu no setor de refrigerantes nos anos 90. Bebidas alternativas como Gatorade, Mad River e Snapple faziam investidas revolucionárias. Em resposta, a Coca-Cola, A PepsiCo e a Cadbury Schweppes criaram três blocos polarizados que reuniam fornecedores, engarrafadoras, distribuidoras, consultores e agências de publicidade, entre outros. Tais blocos tornaram praticamente impossível para as novatas garantir a distribuição em restaurantes ou o espaço nas prateleiras dos supermercados. No final, as líderes puderam comparar várias das rebeldes sem muito esforço: A Coca-Cola levou a Mad River, a PepsiCo comprou a Gatorade e a Cadbury Schweppes a Snapple. Ao notar que não podiam vencer um grande inimigo num setor polarizado, as revolucionárias foram obrigadas a juntar-se a ele.


Neutralizar
Quando uma revolução ganha impulso muito rápido, ou foi detectada tarde demais para ser contida, modificada ou absorvida, o líder de mercado deve ser mais agressivo para neutraliza-la. Empresas que dominam tal tática costumam notar que sua fama é um cartão de visitas, desanimando os próximos candidatos a insurgência.

Entre líderes de mercado, é comum recorrer à Justiça para aniquilar um novo produto ou modelo de negócios. A Recording Industry Association of America (RIAA) conseguiu em julho de 2001 que a Justiça fechasse as portas do Napster, o revolucionário do formato MP3. Representante dos interesses das grandes gravadoras, a RIAA foi ao encalço dos rebeldes com tanta sede e alarde que forçou outros insurgentes a continuar pequenos o bastante para escapar aos radares da associação.

Maias tarde, quando o Napster resolveu criar um modelo de negócios legítimo, a Bertelsmann tentou comprar a empresa. Para evitar o risco de que alguém assumisse o controle dos ativos da insurgente e continuasse a desestabilizar a indústria fonográfica, a titã alemã das comunicações resolveu agir. Talvez sua real intenção fosse expulsar os revolucionários do mercado depois da aquisição, estratégia que denomino “tirar de campo”.

Outra estratégia eficaz de neutralização é oferecer de graça os mesmos benefícios de um insurgente. Em 1995, por exemplo, quando a Microsoft desenvolveu o Internet Explorer, usuários do Windows levaram o navegador sem nenhum custo extra, embora a Netscape tivesse passado a cobrar pelo rival, o Navigator. O navegador era uma tecnologia nova, revolucionária, para a busca de dados na internet e nos próprios microcomputadores e ameaçava o domínio da Microsoft em sistemas operacionais e interfaces gráficas. Ao distribuir o Explorer de graça, a Microsoft tirou da Netscape a chance de ampliar a penetração de seu software e desbancar o Windows. Alerto, porém, que a empresa agressiva demais na neutralização pode acabar na mira das autoridades, como descobriu a Microsoft.

Em geral, um líder setorial pode neutralizar revoluções com um investimento pesado em pesquisa e desenvolvimento para aprimorar produtos, tecnologias ou modelos de negócios atuais. A título de ilustração, dou o exemplo da nova ameaça à Kodak, a fotografia digital. A qualidade da foto processada quimicamente ainda é maior do que a da equivalente digital. Com o filme, há mais resolução, cores mais vivas e mais duradouras, imagens melhores mesmo com fraca iluminação. Além disso, a ampliação em papel é mais difícil de alterar, uma vantagem em certos casos. Logo, para a Kodak, o melhor talvez seja aprimorar a linha de filmes e reduzir seu preço, e não embarcar na onda da fotografia digital, sobretudo porque as margens, no caso, são muito menores. Há pelo menos 15 anos, o filme convencional vem ficando mais fácil de usar, melhor em qualidade e mais barato de revelar e ampliar. Já a fotografia digital ainda não virou – e talvez nunca vire – um setor lucrativo.

Anular
Se neutralizar significa esmagar uma revolução, anular equivale a torna-la irrelevante. Estratégia contra-revolucionária mais decisiva do arsenal da líder, deve ser usada apenas quando a ameaça for irrefreável. É uma operação cara, que leva tempo para deslanchar. É também uma estratégia de alto risco, pois traz consigo o perigo da canibalização.
Há duas formas de anulação: transpor uma revolução com outra ainda maior, condizente com o ponto forte do líder de mercado, ou se esquivar totalmente dela. Com a transposição, o líder recupera a aura da vanguarda e ainda afugenta a próxima geração de insurgentes.


Um exemplo é o da Gillette, a líder dos produtos de barbear que transpôs duas revoluções sucessivas. Até o começo dos anos 80, a Bic conseguia, com um êxito considerável, convencer o público a migrar do sistema de cartuchos da Gillette para aparelhos descartáveis. Com isso, a líder foi obrigada a lançar aparelhos descartáveis, o que canibalizou sua linha mais rentável. Em resposta, a Gillette decidiu suplantar a revolução. Tornou irrelevante o apelo descartável ao lançar produtos que elevavam radicalmente a qualidade do barbear. Graças a novas tecnologias fabris de solda a laser, a Gillette lançou as lâminas de barbear Sensor e Sensor Excel, de qualidade e margem mais altas. Enquanto a Bic lutava para dar o troco, a líder transpôs novamente sua própria tecnologia ao substituir o Excel pelos sistemas de barbear Mach 3 e Mach 3 Turbo, de qualidade e margens ainda maiores.

Uma vez que a transposição embute todos os riscos de liderar uma revolução, em geral o melhor para o líder é se desviar da ameaça com uma alteração nas bases da competição.

Acuada por várias investidas revolucionárias na produção de equipamentos de informática, a IBM efetuou três desvios de curso. Primeiro, virou uma das maiores produtoras de software para micros e redes dos EUA, atrás apenas da Microsoft. Em outra mudança, tornou-se uma das maiores empresas de consultoria de TI e internet do mundo, competindo com rivais como a Accenture. Numa adaptação final, a IBM virou uma prestadora de serviços que enfrenta firmas como a EDS. A Big Blue, como é conhecida nos EUA, se esquivou das ameaças sofridas no hardware com a intensificação de sua atuação em software e serviços. Com isso, ainda é uma das líderes do setor de TI e evitou a pressão nos preços que a recém-fundida HP-Compaq hoje enfrenta.

A rainha dos contra-revolucionários
As cinco estratégias contra-revolucionárias não precisam ser usadas isoladamente. Muitas vezes, um líder emprega mais de uma para contrabalançar diferentes aspectos de um ataque revolucionário. Um exemplo pertinente é o da Anheuser-Busch, fabricante das cervejas Budweiser, Bud Lite, Michelob e Busch. A empresa entrelaçou diversas estratégias contra-revolucionárias para refrear a ameaça das cervejas artesanais nos anos 90 e reforçar sua posição como força dominante do setor nos EUA.

No início da década de 90, o mercado da Anheuser-Busch andava choco como um chope de dois dias atrás. Sua taxa de crescimento oscilava entre 1% e 2% ao ano. Mas um segmento do mercado decolava: o das cervejas artesanais. Eram cervejas produzidas em diversos pubs e microcervejarias, como a Sierra Nevada Brewing e a Redhook Ale Brewery, ou por intermediárias que terceirizavam a fermentação das bebidas feitas em grandes cervejarias regionais. A Boston Beer, que detém a marca Samuel Adams, é uma destas.

Embora em 1994 as cervejas artesanais respondessem por apenas 5% do mercado, as vendas disparavam: desde 1990, vinham subindo entre 25% e 70% ao ano. A onda artesanal conquistara o público jovem e de renda média a alta. Já marcas como a Budweiser, Miller e Coors atraíam cada vez mais os segmentos mais velhos e de renda menor da população.

A cerveja artesanal parecia encarnar uma mudança fundamental nos hábitos de consumo do americano. A mesma força por trás da tendência – a demanda por variedade cada vez maior – revolucionara ao longo de duas décadas os mercados de café e vinho. Pequenas vinícolas vinham suplantando a Gallo, Anheuser-Busch do vinho, apesar da ausência de economias de escala. Já cafés aromatizados tomavam o lugar das grandes marcas da Procter & Gamble e da General Foods. Pior, a tendência das produtoras artesanais era um fenômeno mundial. As quatro maiores cervejarias alemãs detinham juntas apenas 25% do mercado, enquanto 1.200 pequenas cervejarias controlavam o resto. Na Holanda, a líder Heineken dividia o mercado com vários fabricantes belgas de cervejas especiais. Já o mercado chinês era formado por milhares de marcas locais, com apenas uma nacional, a Tsingtao.

As microcervejarias ameaçavam tornar obsoleta a tradicional vantagem de custos da Anheuser-Busch, fundada na produção em massa. Aderir à revolução, porém, era uma opção cara. A líder do setor teria de investir pesado para imitar a britânica Bass Brewers, cujas instalações haviam sido reformuladas para produzir várias marcas em volumes menores. Para isso, a Bass usava caldeiras pequenas e linhas de produção flexíveis, embora menos eficientes que as da Anheuser-Busch.

A Anheuser-Busch decidiu tentar uma abordagem diferente e iniciou o contra-ataque em 1993 com uma seqüência de medidas de contenção. Primeiro, lançou uma série de bloqueadores de mercado com a criação do Specialty Brewing Group, que distribuía volumes pequenos de cervejas artesanais como Red Wolf, Elk Mountain em diferentes variações, além da cerveja malte Elephant Red. Algumas, importava do Canadá. Em vez de tentar desbancar as líderes de venda da empresa, o grupo oferecia as marcas novas para que os distribuidores da Anheuser-Busch não optassem por bebidas das cervejarias e microcervejarias independentes.

A seguir, a líder criou incentivos monetários e outros programas “voluntários” para que seus 900 distribuidores trabalhassem apenas com suas marcas. Embora a campanha por “100% de fidelidade entre 70% dos distribuidores” tenha resultado num inquérito, o Departamento de Justiça americano suspendeu a investigação em outubro de 2001sem tomar qualquer medida contra a empresa. As marcas bloqueadoras aliadas à força da líder na distribuição, confinaram temporariamente a ameaça.

Em meados de 1994, a titã do Missouri percebeu que já não podia conter a revolução. Decidiu modificá-la. Ao comprar a Redhook Ale Brewery, de Seattle, a Anheuser-Busch virou a primeira megacervejaria a investir numa microcervejaria. Com o aporte de capital, a Redhook ergueu mais fábricas, inclusive uma em New Hampshire. Já a Anheuser-Busch anunciou a distribuição da linha Redhook na Nova Inglaterra, território da Boston Beer. A cartada alarmou as microcervejarias, que notaram que a Anheuser-Busch tentava moldar a revolução ao cooptar microcervejarias como a Redhook para sua causa e usá-las para enfraquecer cervejas artesanais de maior perigo e crescimento, como a Boston Beer. Fundador e CEO da Boston Beer, Jim Koch taxou corretamente a tacada de “uma declaração de guerra”.

A Anheuser-Busch também sinalizou que planejava absorver a revolução, como se as cervejas artesanais tivessem sido idéia sua desde o começo. A empresa tornou pública tal intenção ao declarar que sua meta era conquistar metade do mercado artesanal, de US$ 400 milhões, em cinco anos. Para absorver a ameaça, a Anheuser-Busch passou a produzir cervejas especiais em suas grandes fábricas por meio de variação de ingredientes, temperaturas e processos. As técnicas de produção improvisadas geraram economias de âmbitos, permitindo que a empresa fabricasse uma gama de cervejas artesanais a custos inferiores aos de uma microcervejaria. Empresa também se beneficiou de suas economias de escala em marketing e distribuição.

A Anheuser-Busch inundou o mercado com marcas que iam da linha American Originals, distribuída nacionalmente, a cervejas de nicho como a ZiegenBock (vendida só no Texas) e a Pacific Ridge Pale Ale (que inicialmente só foi distribuída na Califórnia e ainda é vendida em parte do oeste americano). A líder também alavancou a decadente marca Michelob para lançar diversas cervejas especiais a preços mais baixos, tais como Michelob Maple Brown Ale, Michelob Winter Brew Spiced Ale, Michelob Amber Bock, Michelob Lager e Michelob Pale Ale.

Um fato crucial foi que a líder enfrentou a revolução de frente e provou que o público aceitaria um produto artesanal com o nome de uma grande cervejaria no rótulo. Isso neutralizou o princípio fundamental no qual as pequenas fabricantes haviam fundado a revolução das cervejas artesanais: o de que uma cerveja de alta qualidade teria de ser produzida em pequenas cervejarias, por artesãos que se confundiam com artistas. À medida que o público aderia a suas novas cervejas, a Anheuser-Busch transformou a onda da cerveja artesanal, que passou de revolução de microcervejarias a revolução de cervejas especiais.

Desde o começo, a Anheuser-Busch nunca tentou ocultar o fato de que era o maestro de suas micromarcas. Buscando maior transparência, a líder iniciou um ataque às fabricantes da Sam Adams e da Pete’s Wicked Ale, por ela vilificadas como cervejas que projetavam uma imagem de produção caseira quando, na verdade, eram produzidas nas instalações de cervejarias terceirizadoras ou grandes empresas. A Miller Brewing criara mesmo uma microcervejaria fantasma, a Plank Road Brewery, e lançara marcas de cervejas artesanais como Red Dog, Plank Road Icehouse e Southpaw Light, embora fossem todas feitas em suas grandes fábricas, algo que a Anheuser-Busch logo denunciou. Várias das 1.250 pequenas cervejarias passaram a sentir a rejeição do público com a eclosão da acirrada polêmica sobre quem realmente fermentava suas cervejas. A Anheuser-Busch conseguira tirar a legitimidade da revolução da cerveja artesanal.

Ao final de 1997, as várias estratégias contra-revolucionárias da Anheuser-Busch haviam demolido o mercado de cervejas artesanais. As cervejas perderam o sabor da novidade, já que havia um mar de opções para o público. Microcervejaria virou sinônimo de microlucro. Centenas delas quebraram.

Com a queda de demanda, várias cervejarias regionais fecharam. Com isso, quem terceirizava a produção e dependia delas para fabricar seus produtos e teve de sair de diversos mercados. As quatro maiores – Boston Beer, Pete’s Wicked Ale, Redhook e Pyramid – viram suas vendas caírem conjuntamente 24% entre 1996 e 2000. Já a participação de mercado da Anheuser-Busch cresceu de 44,8% em 1990 para quase 50% em 2001. Seu desempenho financeiro também melhorou acentuadamente, com um aumento de vendas de 40% e de lucros de 67% ao longo da década. Assim a Anheuser-Busch manteve a estrutura e rentabilidade do setor e reforçou a posição de liderança sem abandonar suas marcas, abrir mão das grandes cervejarias ou absorver a revolução da cervejaria artesanal antes que estivesse pronta para tanto. Na verdade, a Anheuser-Busch está hoje de volta à estratégia anterior, revigorando a marca Budweiser e tirando do centro das atenções as cervejas especiais.


* * *


Um alerta comumente dirigido a executivos é que, se não liderarem a revolução, alguém o fará em seu lugar. Isso, porém, pressupõe que sejam incapazes de promover uma eficaz contra-revolução. Num livro que escrevi em 1994, Hipercompetição , enalteci as virtudes da revolução. É que descobrira vários revolucionários altamente vitoriosos. Só que muitos dos clientes a quem posteriormente prestei assessoria não queiram aderir a revoluções, mas acabar com elas. Isso levou a novas pesquisas e, daí, a este artigo.

É fácil achar que revoluções são sempre estratégias vitoriosas. A definição da palavra “revolução” exclui, em si, tentativas infrutíferas de mudança. Afinal, tentativas frustradas não são chamadas de revoluções fracassadas: são rotuladas de rebeliões, guerras civis, levantes ou motins. É por isso que quase toda revolução parece ter triunfado. O fato é que nem toda empresa tem a estrutura de uma empresa revolucionária. E é por isso que um líder sensato de mercado não lidera revoluções. Lidera contra-revoluções.

ANATOMIA DE UMA CONTRA REVOLUÇÃO

– Estratégias de contenção
Usadas quando a revolução é detectada no começo

        · “Prender” o consumidor.
        · Elevar outros custos da migração.
        · Inundar canais de distribuição.
        · Lançar bloqueadores de mercado.
        · Criar cortina de fumaça.
        · Deslegitimar a revolução.


– Estratégias de modificação
Usadas quando a revolução já não pode ser contida

        · Cooptar os revolucionários.
        · Influenciar a revolução com capital de risco.
        · Abastecer e moldar os revolucionários.

– Estratégias de absorção
Usadas quando a revolução, embora com chances de triunfo, pode ser alterada para complementar as atividades da líder

        · Absorver a revolução para aprimorar os negócios atuais.
        · Criar blocos polarizados em preparação à futura compra dos revolucionários.

– Estratégias de absorção
Usadas quando uma revolução foi detectada tarde demais, alastrou-se muito ou não pode ser contida, moldada ou absorvida

        · Esmagar por vias legais.
        · Tirar os revolucionários de campo.
        · Oferecer, de graça, os benefícios promovidos pelos revolucionários.
        · Aprimorar continuamente produtos ou tecnologias atuais.

– Estratégias de Anulação
Usadas para enfrentar uma revolução madura, que não pode mais ser neutralizada

        · Transpor a ameaça com outra revolução, mais condizente com a força da líder de mercado
        · Esquivar-se por completo da revolução


Richard D’Aveni é professor de administração estratégica na Tuck School of Business da Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire.
Fonte: Revista Harvard Business Review – Novembro de 2002 Pg. 47 a 54

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