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As empresas fixam objetivos todos os anos, mas poucos são cumpridos. O cenário instável torna o desafio ainda maio. Veja como pôr o pé na realidade

É justamente agora, no auge da incerteza sobre a política e a economia do país no curto e médio prazos, que a maioria das empresas brasileiras está entrando na época de seu exercício de planejamento estratégico e fixação de metas para o próximo ano fiscal. Não é exatamente a melhor hora, certo? É claro que, a essa altura do campeonato, os administradores já devem estar mais do que acostumados a elaborar objetivos. Afinal, o discurso de busca de metas já está fincado na praça há um século, a febre do benchmarking já tem suas décadas, e mesmo a nova mania do mercado, a ferramenta de distribuição e controle de metas do Balanced Scorecard, já existe desde o começo dos anos 90. Infelizmente, parece que, pelo menos nesse caso, o hábito não faz o monge. Se criar metas é uma atitude cada vez mais corriqueira, cumpri-las… bem, cumpri-las não tem sido exatamente uma prática religiosa. E tudo leva a crer que a situação está piorando.

É o que indica, por exemplo, um estudo da consultoria Booz-Allen & Hamilton que avaliou os motivos de demissão dos executivos-chefes nas 2500 maiores empresas do mundo nos últimos seis anos. Em 1995, mais de 70% das saídas eram transições regulares (sucessão planejada, aposentadoria, fim do prazo do contrato). Agora, são menos de 50%. Ganharam espaço as mudanças de comando causadas por fusão de empresas ou por má atuação dos executivos. Os CEOs demitidos por desempenho insatisfatório – ou seja, não cumprimento de metas – passaram de 16%, em 1995, para 29% em 2000 e para 26% em 2001. “A pressão por desempenho cresceu muito”, diz Ivan de Souza, sócio-vice-presidente da Booz-Allen para a América Latina.

Com isso, a vida útil do executivo-chefe na empresa vem diminuindo de maneira consistente. Em 1995, um CEO ficava em média 9,5 anos no cargo. Esse tempo caiu para 9,2 anos em 1998, 8,1 anos em 2000 e 7,3 anos em 2001. Os dados são principalmente americanos, europeus e japoneses, mas a tendência, observada qualitativamente por profissionais da contratação de altos executivos, também vale no Brasil. “Caiu principalmente o tempo médio no cargo dos CEOs que saíram por desempenho”, diz Souza. Antes, esperavam-se sete anos para demitir. Agora, lucros insatisfatórios levam à demissão em 4,6 anos, em média. Quer dizer, diminuiu consideravelmente a paciência dos acionistas com a falta de resultados. “Talvez esse tempo seja curto demais para realizar mudanças profundas de forma segura”, diz Souza. “É preocupante, mas é, ou pelo menos foi até agora, a realidade do mercado.”

O “foi até agora” da frase acima se explica pela perspectiva de tudo mudar com o estoura da bolha da Nova Economia. Durante mais de uma década, muitas metas foram fixadas com base em expectativas irreais e atingidas com a ajuda de uma contabilidade no mais das vezes, digamos, duvidosa (ou criativa, para usar o eufemismo em voga nos Estados Unidos). Como disse o consultor financeiro americano Darrell Dusina, em carta à revista Fortune, em junho passado: “O objetivo de crescer, normalmente com índices de dois dígitos, tem estado em todos os planos estratégicos que eu já li, e aparece ano após ano, não importa se há recessão, terrorismo, redução de investimentos ou qualquer outro problema”. Essa situação é vivida por Edílson Fusetti, presidente no Brasil da empresa de consultoria de informática EMC. “A meta que tivemos para o primeiro semestre foi faturar a cada trimestre 30% mais que no anterior. É uma meta agressiva, mas temos conseguido nos manter dentro dela”, diz Fusetti. “Para isso, tratamos todas as oportunidades de venda com ‘a’ oportunidade.”

É no mínimo curioso, como nota o consultor Paulo Apsan, que está deixando a presidência da Arthur D. Little para criar uma consultoria própria: “Se todas as empresas crescem dois dígitos, como é que a economia só cresce 3% ou 5%?” Essa ditadura das metas contribuiu para levar empresas sempre tidas com respeitáveis a cometer desde deslizes corriqueiros até falcatruas abomináveis. “Mas é preciso tomar cuidado com o pêndulo”, diz Apsan. “Não é bom ter metas absolutas, em que os fins justificam os meios, mas não se pode abandonar as metas. Toda empresa precisa delas.” O momento, segundo ele, é de incorporar ou fortalecer uma visão filosófica, de discutir os valores éticos e a contribuição social da empresa. “Todas a nossa teoria de administração é baseada no conhecimento da economia e do negócio, na criação capacitações e na dinâmica psicológica de levar as pessoas a se superar”, afirma Apsan. “Para equilibrar isso, é preciso ter a missão social presente.” Em suma: sem um forte espírito ético, as metas são um convite ao vale-tudo. Quanto mais agressivas, maior a tentação para o lado escuro. “Para nós, consultores, é duro”, diz Apsan. “Você está ouvindo isso de uma cara que viveu 30 anos vendendo o mantra ’planeje, tenha metas, remunere seus executivos’. Mas, sem regras de bom senso, as metas podem levar a essa desgraça que está aí.”

A lavagem de roupa suja nos Estados Unidos e a própria desaceleração da economia mundial já estão fazendo com que as empresas rebaixem suas expectativas. Daqui para frente, as metas devem, portanto, tornar-se um pouco mais realistas. Uma contrapartida é que os investimentos, principalmente os estrangeiros, também refluem. “A remessa de capital cai porque começa a haver uma clareza maior de que não dá para ter retorno de 15% a 20% só pelo fato de o país ser um mercado emergente”, diz Apsan. Bom, mas pelo menos as exigências vão cair na mesma proporção que a crise, certo? Mais ou menos. Num primeiro momento – ou seja, neste ano –, a tendência é haver um descasamento maior entre as metas e a realidade. “Sempre é assim quando há inversão de tendência na economia”, diz Souza, da Booz Allen. “Principalmente agora, que a inversão é para baixo, vai haver falhas no estabelecimento de metas, seja porque a meta já tenha sido feita e o cenário mudou, seja porque estão se fazendo metas e ainda não há uma leitura clara de quão profunda é a crise, qual será a duração nem quanto ela vai afetar a empresa.”

No Brasil, um complicador vem do quadro eleitoral. “Estabelecer metas agora é extremamente delicado”, afirma Darcio Crespi, sócio-diretor da Heidrick & Struggles no Brasil, uma consultoria de contratação de altos executivos. “É um planejamento que já tem data de revisão – depois da eleição. Muita coisa vai depender da linha do novo governante e de como o mercado externo vai reagir.” O que não quer dizer que não se possa planejar. “Por mais confuso que esteja o ambiente econômico, as indústrias têm um ciclo do setor e tendências próprias. Muitas empresas tomam decisões apesar da instabilidade. O ritmo pode acelerar ou desacelerar, mas a direção fica dada”, afirma Crespi.

Nem sempre. A siderúrgica gaúcha Gerdau, por exemplo, tinha como meta neste ano a construção de uma laminadora, no Rio Grande do Sul, para atender à indústria automobilística. Mas o esperado aumento da demanda não veio, e não deve vir tão cedo, e o projeto foi engavetado por tempo indefinido. “Nosso planejamento roda o ano inteiro”, diz Jorge Gerdau Johannpeter, presidente da empresa que tem a notável marca de nunca ter fechado um ano com prejuízo em 100 anos de existência. “Fazemos cenários, previsões, e então agimos. Se algo que esperávamos não acontece, suspendemos e botamos o dinheiro em outro lugar. Temos uma lista de prioridades, sempre há mais demanda para investimentos”.

Para muitas empresas, porém, não são as prioridades que determinam as metas, mas sim as condições financeiras que determinam as prioridades. “Cheguei a ver um monte de empresas em que o lucro já estava preestabelecido”, diz Sidney Ito, sócio da auditoria KPMG. “Para fazer lucro, passou a valer tudo: fusão, incorporação, joint ventures, mudança de foco…” Para os especialistas, quando a discussão é assim tão centrada no resultado financeiro, o que pode estar faltando é um plano estratégico, com visão de longo prazo. “Tive essa discussão no mês passado, numa empresa com acionistas americanos”, afirma Mathias Mangels, diretor da Symnetics, empresa especializada em implementação da ferramenta de gestão Balanced Scorecard (BSC), de São Paulo. “O acionista pensa em dólares. Se não tiver a remuneração que ele quer, bota o dinheiro em outro lugar.” Nesses casos, a correção da expectativa econômica e a conseqüente redução de metas pode ser um problema, em vez de um alívio. Como diz Oswaldo Vitoratto Junior, presidente da Black & Decker para a América Latina: “Se não há expectativa de crescimento – e é o que acontece com nossa empresa no mundo inteiro neste ano –, há uma meta de melhoria da rentabilidade, esperada em torno dos 20%. O único jeito de atingir o resultado é cortar custos. Se você disser que já fez tudo o que era possível, pode escrever um currículo bem bonito e procurar outro emprego”.

A mesma lógica vale para os acionistas brasileiros. Aqui, a comparação em geral não é com a taxa de câmbio, mas com o retorno do mercado financeiro. A remuneração para deixar o dinheiro parado, embora tenha baixado nos últimos anos, ainda está em torno de 15%, tirando os impostos. “Nossa grande meta, nos últimos dez anos, era mostrar ao acionista que nosso negócio era melhor do que deixar o dinheiro aplicado”, diz José Édison Barros Franco, diretor de planejamento e controladoria do grupo Camargo Corrêa, que investe em negócios tão diversificados quanto construção civil, industria têxtil, energia, concessão de rodovias e serviços financeiros. Em 1996, o retorno sobre o capital empregado do grupo estava entre 5% e 6%. A meta foi atingida no ano passado, com a rentabilidade de 17,2%. “Agora estamos trabalhando com as metas para os próximos dez anos”, diz Barros Franco.

Parece cruel tamanha pressão. Mas, em última análise, é para isso que as empresas estão aí: remunerar o capital e permitir novos investimentos, que façam a economia crescer. O problema é que qualquer remuneração de capital envolve riscos. Em geral, quanto maior a ambição, maior o perigo de dilapidar o negócio. “O acionista também tem de ver o longo prazo, porque a empresa é vendável”, diz Crespi, da Heidrick & Struggles. É aí que entra a boa governança corporativa. “O mundo financeiro faz que você puxe demais o elástico”, afirma Mangels. “Governança é estabelecer as metas, analisar as estratégias e acompanhar o caminho das pedras.” Infelizmente, há um loooongo caminho a percorrer, avalia Heloisa Bedicks, diretora do instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC): “Os conselhos de administração que funcionam ainda são uma minoria. O que acontece no Brasil, e muito, é a presença de figurões que vão às reuniões sem ter feito o dever de casa, não sabem nem qual é a pauta da reunião, fazem uma palestra sobre as perspectivas econômicas e só.”

A questão, portanto, não é bater-se contra a dura realidade, mas sim calibrar metas de acordo com ela, e garantir o cumprimento dos seus objetivos. De preferência, mantendo a organização saudável. Como fazer isso? Normalmente, as metas vão sendo desdobradas, num efeito cascata, do resultado esperado para a definição de ações que levarão até ele. “Deixa eu bater um pouco na minha tecla”, diz Mangels. “O BSC é uma ferramenta que serve tanto para comunicar a estratégia, quanto para controlar seu cumprimento.” Por essa ferramenta, as metas vão sendo desdobradas, do nível financeiro para as ações de mercado, daí para os processos e, finalmente, para o nível de aprendizado e crescimento, que determina as competências. Parece infalível. “Mas você tem de descontar um pouco o que eu falo, porque sou apaixonado por esse troço”, diz Mangels. Um bom desconto para esse entusiasmo todo é que o BSC, como, aliás, qualquer método, não garante que as metas sejam factíveis. Ele apenas organiza as estimativas, mas estas continuam sendo feitas por pessoas de carne, osso e ilusões. Veja o que dizem os executivos Larry Bossidy, ex-CEO da Honeywell, uma das 100 maiores empresas do ranking da revista Fortune, e o consultor Ram Charan, no livro Execution – the Discipline of Getting Things Done (Execução – a Disciplina de Fazer as Coisas Acontecerem): “O seu chefe pediu para que você dirija de Chicago a Oskaloosa, no Iowa, uma jornada de 500 quilômetros. E preparou um orçamento com regras claras. Você não pode gastar mais do que 16 dólares com gasolina, deve chegar em 5 horas e 37 minutos e não pode dirigir a mais de 90 quilômetros por hora. Mas ninguém tem um mapa com a rota para Oskaloosa, e você não sabe se vai ter de enfrentar uma tempestade de neve no meio de caminho. Absurdo? Não mais do que a maneira como muitas companhias traduzem seus planos estratégicos em operações. Elas fazem isso com um processo de orçamento que dita os resultados que você deve alcançar, como receita, fluxo de caixa e lucro, e os recursos que você tem à sua disposição. Mas o processo não lida com ‘como’ ou mesmo ‘se’ você pode alcançar os resultados, e portanto está desconectado da realidade.”

Normalmente, isso acontece quando a visão é irrealista. “Antes da visão, você tem de conhecer a situação atual da empresa”, diz Armando Grell, gerente sênior da KPMG. Quanto mais distantes uma da outra, mais agressivas têm de ser as metas. Mas a agressividade exagerada leva a metas operacionais irrealizáveis. “Dependendo da distância entre a situação atual e sua visão, a empresa vai precisar de mudanças profundas”, diz Grell.

Vai mudar ou não vai?

Esta é, talvez, a primeira grande questão da elaboração de metas. Se você está gerenciando exatamente da mesma forma que no passado, então a melhoria dos resultados só pode vir da melhoria geral do mercado ou de um aumento da pressão interna. Crescer junto com o mercado é o mesmo que navegar ao sabor do vento, e aumentar a pressão só funciona quando há um a situação pregressa de conforto, o que na maioria das empresas já não é verdade há muito tempo. Portanto, uma boa meta precisa implicar um processo de mudança.

“ A meta é a âncora para mudar a cultura de uma companhia”, diz Alexandre Behring, presidente da ALL Delara (América Latina Logística), de Curitiba. Behring fala baseado na própria experi6encia. A ALL, pertencente à GP, empresa de participações do grupo encabeçado pelo empresário Jorge Paulo Lemann, nasceu e cresceu comprando pedaços das malhas ferroviárias brasileira e argentina. Sua primeira missão foi mudar radicalmente a estrutura de uma organização tipicamente estatal para uma companhia extremamente voltada para resultados, marca registrada das empresas controladas pelo GP, como a AmBev e a Lojas Americanas. De 1997 para cá, a ALL só faz crescer. Saiu de um faturamento de 195 milhões de reais para quase 700 milhões no ano passado. “Todas as 750 pessoas com cargo de chefia no Brasil e na Argentina têm suas metas”, diz Behring. Acima da mesa de cada gerente da ALL há um cartaz que estampa essas metas e como está o desempenho em relação a elas. As metas de Behring, por exemplo, são dobrar o lucro operacional, melhorar a satisfação e a qualificação do pessoal, aumentar o grau e cumprimento de pedidos e aproveitar novas oportunidades. “São só quatro neste ano porque acabei de casar e tenho metas a cumprir em casa também”, brinca. É claro que a cobrança explícita dá muito mais pressão do que nos tempos de estatal. “Mas nós queríamos criar uma meritocracia.”

O consultor Augusto pinto, que comandou a entrada no Brasil da SAP, depois da Siebel, e hoje é sócio-diretor da RMA, uma companhia de comunicação empresarial, diz que um plano de metas se assemelha a um plano de vôo. Mas um plano meio vago. “No primeiro ano num mercado novo, você estuda o que aconteceu em outros lugares, mas sua meta não deixa de ser um chute. Quando você estima, finge que não sabe que o mercado muda a toda hora”, afirma. A meta, nesse caso, é principalmente inspiratória. “Você não conhece a rota, mas não pode dizer que é uma aventura, senão você vai sozinho. A meta deve dar credibilidade à visão. Mesmo que você vá errar 50%, é bom ter.” Às vezes, errar é até saudável. Na década passada, uma das metas do grupo Camargo Corrêa era ganhar alguma concorrência na privatização do setor de telecomunicações. Não levou nada, e hoje ninguém está triste por isso. “Olha como está esse mercado”, diz Barros Franco, o diretor de planejamento da Camargo Corrêa. “Ainda bem que não conseguimos cumprir a meta.”

Um exemplo de metas de transformação é a empresa de papel e celulose Bahia Sul, do grupo Suzano. Criada em 1992, a Bahia Sul ainda patinava em 1998, com taxa de retorno dos investimentos negativa, quando resolveu adotar um programa da Fundação para o Prêmio Nacional de Qualidade (FPNQ). As metas, de cinco anos, incluíam ações em relação a pessoal, clientes, estratégias, processos. “Tínhamos várias ações encaminhadas, mas não iam todas na mesma direção. Quando adotamos esses critérios Da FNPQ, de classe mundial, conseguimos criar uma cultura de comprometimento com controle de custos, busca de resultados e companheirismo”, diz Murilo Passos, superintendente da Bahia Sul. Para ele, um exemplo da mudança, são as reuniões semestrais para prestar contas aos empregados. “No início, há cinco anos, as perguntas eram sobre a construção da estrada para a vila ou sobre o pagamento do dissídio. Hoje, um mecânico levanta para perguntar sobre nossa participação no mercado de Portugal ou se vamos conseguir dobrar a produção”, diz Passos.

A Bahia Sul atingiu suas metas em quatro anos: obteve em 2000 a melhor margem de lucros operacionais do setor, 8,9%, e ganhou o Prêmio Nacional de Qualidade do ano passado. É claro que para a lucratividade aumentar também colaborou o fato de que a empresa exporta seus produtos e pôde beneficiar-se da subida vertiginosa do dólar em 1999. Passos não titubeia: “O poder da meta é tão forte que fez até o Banco Central desvalorizar a moeda”. Para os próximos anos, sua meta aumentou. Ele foi promovido a superintendente também da empresa-mãe, a Suzano, e quer transplantar para ela a experiência da Bahia Sul. “Vamos começar devagar. Com a experiência que nós adquirimos, espero conseguir adotar os critérios do PNQ em três anos, em vez de cinco.”

É para agora ou é para já?

Outra questão espinhosa no estabelecimento de metas é o eterno conflito entre o curto e longo prazo. Numa época de crise, os problemas com fluxo de caixa começam a aparecer no curto, e os resultados têm de vir imediatamente, sob pena de a empresa jamais chegar sequer ao médio, que dirá ao longo prazo. Mas é preciso dosar muito bem as metas. Na teoria, o que importa são os objetivos de longo prazo, e todas as metas de curto prazo são passos no caminho da redenção e da imortalidade da empresa. Na prática, quase sempre os objetivos de curto prazo conflitam, e muito, com os de longo.

Em primeiro lugar, porque o enxugamento de custos costuma gerar excelentes resultados de curto prazo, mas deixa a estrutura enfraquecida. E, normalmente, o principal executivo não é incentivado a pensar no longo prazo. “Mudou muito o relacionamento do executivo com a empresa”, diz Sérgio Lozinsky, consultor da Princewaterhouse. “Até uns cinco anos atrás, todo diretor queria crescer na empresa. Hoje, já entra planejando a saída. E, se você entra com a cabeça de curto prazo, privilegia a maximização de resultados imediatos.”

Nessas horas, a meta mostra seu lado negativo. “Você tem de dar um determinado lucro para a empresa”, diz o gerente de marketing de uma companhia do setor de bebidas. “Se não consegue, precisa cortar custos, investimentos em marketing. Essa pressão é sempre maior no final do ano fiscal. Aí começa a briga: preciso aumentar meu volume de vendas, então faço um monte de promoções. Só que isso danifica meu patrimônio de marca, depois fica difícil vender pelo preço normal. Preciso cortar a propaganda. Só que isso afeta a construção as marca.”

Daí vem um dos calvários dos executivos: a negociação das metas. “Às vezes, para agradar aos chefes, o executivo aceita metas absurdas. É melhor se desgastar negociando por baixo e depois aceitar, ou mesmo propor, incrementos nas metas, calcados na realidade”, diz Augusto Pinto. “Na primeira negociação, tem de ser muito pão-duro. E estar preparado para aceitar correções para cima.” Essa negociação costuma ser duríssima, em especial porque a meta, uma vez galvanizada, só é mudada com muita carga de sofrimento. “O ideal é não mexer”, diz Pinto. “Passa a impressão de incompetente ou até desonesto, mas às vezes tem de fazer.”

O presidente da subsidiária brasileira de uma multinacional americana usa a seguinte estratégia: “Se acho que podemos chegar a 20% de crescimento, colocamos a metade disso como meta oficial para a corporação. Os 20% ficam como meta virtual, internamente. Se há algum imprevisto, podemos rever as rotas e não nos complicamos perante a matriz, que presta contas para os analistas de mercado.” Parece uma tática pouco transparente, mas é bem menos nociva do que topar executar metas de crescimento ousadas demais. Uma conclusão do estudo da Booz-Allen sobre demissão de executivos reforça essa estratégia. “O principal fator de demissão por desempenho é o declínio rápido de resultados”, diz Ivan de Souza. “Os executivos que entregam pequenos sucessos com constância têm mais longevidade do que aqueles que entregam grandes sucessos mas também estrondosos fracassos.”

Um estudo ainda mais ambicioso aponta na mesma direção. O pesquisador americano Jim Collins concluiu em seu mais recente livro, Good to Great (Empresas Feitas para Vencer, na tradução da editora Campus), que as empresas que deram o salto para a excelência seguiram sempre a mesma lógica: “Elas sempre prometeram menos do eu podiam e entregaram mais. Com uma disciplina sistemática, com D maiúsculo.” Collins defende também a adoção de metas criativas. “A Starbucks é uma empresa que está crescendo muito, mas a meta deles não é o crescimento. O crescimento é apenas uma conseqüência da verdadeira meta, que é tornar-se a marca mais reconhecida e respeitada no mundo. Isso, sim, é uma meta criativa.” É mais ou menos como seguir o arco-íris para encontrar no final o pote de ouro. Mesmo algumas empresas muito voltadas para o resultado financeiro reconhecem essa limitação. “Um dos pontos que temos de melhorar é a criação de indicadores de longo prazo, pois a gestão por valor agregado pode induzir a pensar apenas no exercício”, diz Barros Franco, da Camargo Corrêa. O grupo paulista está longe se ser um caso isolado. “Raras empresas fazem análise de resultados maturados em cinco anos, para saber se suas decisões de longo prazo foram acertadas ou não”, diz Crespi, da Heidrick & Struggles. “Às vezes porque o executivo já deixou a empresa, às vezes porque, ao contrário, foi promovido, e ninguém quer criar animosidades.” Resultado: por mais que digam que trabalham para o longo prazo, o que as empresas medem, na grande maioria dos casos, são apenas e tão-somente as metas anuais. São elas que têm força para premiar ou punir os executivos.

Quem diz o número

De onde surgem essas metas? Há, basicamente, dois movimentos. De cima para baixo (matas impostas pela direção ou pelos acionistas) e de baixo para cima (metas sugeridas pelos gerentes na ponta do negócio). Ambos os critérios têm ardorosos defensores e críticos. “O processo top-down (de cima para baixo) é muito mais rápido. Com apenas algumas premissas estratégicas, podemos ter uma idéia muito clara dos resultados e, se tivermos de mudar algo, podemos fazer isso em uma reunião de duas horas”, diz Murilo Percia, gerente de controladoria da Aracruz Celulose. À crítica de que as metas impostas não trazem comprometimento, ele responde, no segundo ano de uso desse método na Aracruz, o pessoal começou a perceber como as estimativas eram boas e passou a confiar no processo. Na Camargo Corrêa, ao contrário, as metas são estabelecidas nas próprias unidades de negócio, obedecendo a alguns parâmetros. “Uma holding com negócios toa diversificados como a nossa tem de ter um papel mais estimulador”, diz Barros Franco. O temor é que esse modelo permita folgas, ou seja, metas menos ousadas do que poderiam ser. “É possível que não estejamos aproveitando todo o potencial dos negócios, essa é uma das nossas preocupações.”

É difícil encontrar um dos sistemas puro. A maior parte das empresas gasta de dois a três meses por ano nesse movimento de cima para baixo e de baixo para cima, até chegar a um número mágico, que deverá ser revisado uns seis meses depois. Claramente, não há solução perfeita. Na ALL, herdeira da cultura de metas agressivas patrocinada por Jorge Paulo Lemann, Alexandre Behring estabeleceu um método interessante. Numa reunião que é realizada no final de agosto de cada ano, cerca de 250 pessoas-chave da companhia discutem oportunidades e problemas, e criam o que ele chama de um “desejo, que é então submetido à diretoria e depois aos sócios. “Eu também trabalho comum número na cabeça, que vem do sentimento de acionista, da vivencia do negócio”, diz Behring. “Mas não falo, para não direcionar.” Segundo o executivo, nos primeiros anos ele teve de puxar um pouco para cima o “desejo” do pessoal. “Mas, nos últimos três anos, tive de empurrar o número para baixo, porque, se a meta ficar muito difícil, desmotiva.”

Quanto Vale o Show?

Finalmente, uma questão que faz executivo-chefe perder o sono: como criar compromisso entre o pessoal para o cumprimento das metas? As opiniões são variadas nas empresas. Na ALL, o funcionário pode levar para casa até dez salários a mais se estiver entre os 10% mais eficientes. As metas são comparativas, ou seja, os empregados competem entre si. “Tem de ser, senão vira mamãezada”, diz Behring. Na Bahia Sul, o atingimento de metas não está atrelado à remuneração. “Quando isso acontece, há uma tendência natural do ser humano se baixar a ousadia das metas”, diz Passos. Na EMC, as metas chegaram a ser reduzidas, no último trimestre de 2001, para que todos os gerentes pudessem receber bônus. “Era preciso manter a motivação do pessoal”, diz Fusetti.

Niels Pflaeging, chefe da controladoria da Krupp, fabricante de sistemas automotivos, baseada em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, defende uma terceira via. “Você deve ter meta para trabalhar para a frente, mas a remuneração não pode estar atrelada a um número inventado no passado, e sim à realidade.” Ou seja, ele sugere que a remuneração seja variável em relação aos concorrentes ou a índices de comparação do mercado.

Pflaeging faz parte do Beyond Budgeting Round Table (Mesa-redonda para além do orçamento), um movimento de empresas nascido em Londres que questiona todo o sistema de fixação de metas. Num documento do grupo, dois de seus diretores, o contador Jeremy Hope e o consultor Robin Fraser, afirmam: “Para acreditar na eficiência dos contratos de desempenho, você deve acreditar que estabelecer metas financeiras fixas é o melhor meio de maximizar lucros, que incentivos financeiros constroem motivação e compromisso, que planos anuais são o melhor meio de direcionar ações para aproveitar oportunidades de mercado, que os líderes estão em posição privilegiada para fazer uma alocação de recursos que otimize a eficiência, que os líderes podem efetivamente coordenar planos e ações para torná-los coerentes, e que relatórios financeiros fornecem informações relevantes para a tomada de decisões. Mas cada uma dessas crenças é uma falácia.” Hope e Fraser citam um estudo no qual o guru de estratégia Robert Kaplan afirma que 60% das empresas não conseguem alinhar seus planos de ação com a estratégia, e 85% dos gerentes discutem estratégia menos de uma hora por mês.

“ O estabelecimento de metas supões a empresa como uma máquina racional”, diz Thomas Wood, consultor e professor de estratégia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. “Para mim, as metas atendem à função de prover racionalidade, a mundo que não é racional. Você trabalha com a aparência de racionalidade, porque as pessoas querem estar num lugar que faça sentido.” Mesmo para os ardorosos fãs do cumprimento de metas, a meta nunca é apenas um número nem uma realidade tangível. Uns invocam o poder de inspiração, outros o poder de comprometimento, outros ainda o poder de avaliação de rumos.

No final das contas, toda ciência e toda experiência valem para ajudar a montar uma estrutura de metas que fique entre o acomodado e o impossível, entre o comprimido e o rarefeito, entre o sonhador e o pessimista, entre o impositivo o consensual, em suma, entre o factível e o desculpável. Isso continuará não garantindo que elas sejam cumpridas – afinal, o mundo é um lugar imprevisível. Mas pode fazer toda a diferença saber se, quando anunciar suas metas, você vai provocar inspiração ou angústia.

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Fonte: Revista Exame – 18 de setembro de 2002 pg. 42 á 51

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