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Sempre que há uma fusão, a maior parte das empresas só lida com as diferenças de cultura de uma e de outra quando já é tarde demais?

Porque cultura não é algo que se possa reduzir a números. Toda fusão começa, em geral, pela análise financeira, além de uma ou outra análise estratégica. Se as avaliações forem positivas, segue-se possivelmen­te uma comparação das culturas das em­presas em provável processo de fusão. Digo “provável” porque, no momento em que uma fusão começa a parecer atraente, a possibilidade de um acordo já se insinuou no processo. Com isso, as chances de um recuo — mesmo que mo­tivado pelas melhores razões possíveis ou por mais racional que pareça — co­meçam a diminuir.

Talvez você ache que as inúmeras atividades de fusão e aquisição ocorridas recentemente tenham ensinado às em­presas o que fazer para não sucumbir a essa atração. Algumas resistiram. Mui­tas, porém, não foram fortes o bastan­te. Culpe-se a natureza humana, os ban­cos de investimento, a concorrência fe­roz do mercado global ou seja lá o que for. Como consequência, temos o “pe­cado” que você aponta: o desprezo peIas diferenças culturais das empresas envolvidas na fusão.

No entanto, na corrida maluca para a linha de chegada, cometem-se muitos outros erros em processos de fusão e aquisição. Talvez o mais doloroso seja observar a “síndrome da troca de pa­péis”, que acontece quando um compra­dor quer tanto fechar’ negócio que aca­ba fazendo concessões no mínimo lamentáveis e, na pior das hipóteses, des­trutivas. Em muitas situações desse ti­po, o comprador tende a ceder tanto na ânsia de fechar negócio que, em última análise, a empresa adquirida não pode efetivamente ser considerada como tal. Ela simplesmente continua a dar todas as ordens. Nesses casos, os executivos da empresa adquirida comportam-se co­mo se ainda fossem autônomos — ou, pior, com uma dose de hostilidade em relação aos compradores. Repudiam toda e qualquer sugestão de mudança com objeções do tipo: “Você não sabe como esse tipo de indústria funciona. Se nos deixar em paz, colherá os lucros no fi­nal do trimestre”. Não é de espantar que a maior parte dos “proprietários” pegos nesse tipo de situação se veja fazendo a seguinte indagação: “Porque gastei tan­to dinheiro por nada?”

Um caso clássico de papéis trocados está acontecendo atualmente na sede da Boston Scientific Corp. Tudo come­çou em 2004, quando a empresa pagou 742 milhões de dólares pela Advanced Bionics, empresa da Califórnia que pro­duz dispositivos eletrônicos para res­tauração da audição e que permitem o bombeamento de analgésicos no siste­ma sanguíneo. Na época da compra, a Advanced Bionics estava tendo prejuí­zos, mas a Boston Scientifíc estava convencida de que o negócio tinha poten­cial para gerar retornos polpudos e po­dia desempenhar um papel significati­vo em seu sucesso futuro.

Talvez um dia isso aconteça de fato. Mas até agora a Boston Scientifíc e a Advanced Bionics têm perdido um bocado de tempo brigando na Justiça Federal. No âmago do desentendimento está uma con­cessão feita durante as negociações. Alfred Mann, dono da Advanced Bionics, insistia em continuar na liderança da em­presa. A Boston Scientifíc. seduzida pe­la possibilidade de aquisição, disse “sim”.

Talvez os altos executivos achassem que Mann, de 81 anos, fosse se aposentar em breve. Ou, quem sabe, achassem que Mann pudesse tornar a empresa lucrati­va. Nada disso aconteceu. Em julho, a Boston Scientifíc pediu a Mann que re­nunciasse a seu posto sob a alegação de que ele resistia às mudanças necessárias para a transformação da Advanced Bio­nics em empresa lucrativa. Mann rejei­tou a alegação e recusou-se a sair, dizen­do que, por contrato, poderia dirigir a Ad­vanced Bionics por quanto tempo quises­se. Um juiz federal lhe deu razão — e é essa decisão que está sendo contestada agora. (Nota da redação: a disputa judi­cial se encerrou no dia 9 de agosto e a Boston Scientifíc vai pagar mais 1,1 bi­lhão de dólares para garantir o contro­le total da empresa.)

Não sabemos o suficiente sobre o ca­so para dizer qual lado estava certo e qual estava errado. Sabemos, porém, que a síndrome da troca de papéis pro­duz efeitos que não valem a pena. Se você não tem condições de comprar uma empresa nos seus termos, não se deixe seduzir pelo desejo de comprá-la; ou, no mínimo, procure algum tipo de proteção. No caso de um proprietário que deseje continuar no negócio, esqueça os pacotes de pagamentos adicionais. Ofereça ao empreendedor ou executivo da empresa adquirida um acordo limitado de permanência e mantenha sua opção de “liberar” essa pessoa quando bem entender. Esse tipo de acordo lhe dá a margem de manobra de que você precisa para fazer as mudanças estraté­gicas e pessoais necessárias.

Ninguém gosta de ser roubado. No entanto, a síndrome da troca de papéis, que pode paralisar as empresas e minar até mesmo os mais promissores acordos de fusão e aquisição, faz exatamente isso. Para piorar, ela usa a própria “arma” da empresa que fez a aquisição para “assaltá-la”.

Fonte: REVISTA EXAME – 29/08/2007 – Pág. 120 a 121.

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