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O perfil, os desafios e as conquistas das três gerações de profissionais que lideraram as empresas no país a partir dos anos 80

A gênese da figura do executivo nas economias mais desenvolvidas ocorreu no início do sé­culo passado. Um dos marcos foi a sucessão ocorrida na General Motors, dos Estados Uni­dos, quando o fundador, William Durant, ce­deu seu lugar ao funcionário de carreira Alfred Sloan. Entre os anos 20 e 50, com a ajuda de técnicas inovadoras de administração para a época, como a descentralização da produção, Sloan conduziu a montadora ao posto de líder mundial do mercado e entrou para a posteridade como o primeiro gestor profissional americano. Enquanto a GM evoluía a passos largos sob o comando do lendário Sloan, o ca­pitalismo brasileiro ainda era tocado por donos e um tipo de pro­fissional sem nenhum poder de decisão e cuja única função era controlar o livro de contas ou os operários na produção. Até a década de 70, os altos postos das multinacionais instaladas por aqui eram território exclusivo de expatriados. Nas empresas na­cionais, a figura do executivo — tal como conhecemos hoje — não existia. Essa figura foi uma inovação nas últimas décadas no ambiente de negócios do país. E sua existência passou a se justificar conforme a economia se tornava mais dinâmica e mais complexa. “A situação só começou a mudar nos anos 80, quan­do as empresas tiveram de investir em lideranças preparadas pa­ra tocar os negócios num ambiente econômico muito mais con­turbado e instável”, afirma Jacques Gelman, professor de admi­nistração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Uma das maiores amostras de como o executivo é uma figu­ra nova na história do capitalismo brasileiro encontra-se na fo­to de abertura desta reportagem. Os personagens retratados re­sumem a evolução da trajetória do administrador profissional no país. Cada um deles representa uma das três gerações de líderes empresariais profissionais que foram se sucedendo no país da década de 80 aos dias atuais. O carioca Maurício Botelho, de 64 anos, faz parte do time dos pioneiros. Em 1985, ele se tornou presidente da Cobrel Maquip, braço industrial do grupo Bozano Simonsen. A ascensão do paranaense Antônio Maciel Neto, de 50 anos, ocorreu na década seguinte, quando ele assumiu a presidência da Cecrisa, tradicional empresa catarinense do setor cerâmico. O caçula da turma é o também carioca Bernardo Hees, de 37 anos, que fez uma carreira meteórica na maior em­presa de transporte ferroviário do país, a América Latina Logís­tica (ALL), do Paraná. Hees começou como analista de logísti­ca da empresa no final dos anos 90 e chegou ao posto mais alto da ALL em janeiro de 2005.

As três gerações de executivos brasileiros enfrentaram desa­fios e ambientes econômicos completamente distintos. Quando chegou ao poder na Cobrel, Botelho foi obrigado a fazer orçamentos de obras de engenharia e a tomar decisões levando em conta uma taxa de inflação que bateu na casa dos 80% ao mês na década de 80. Seus contemporâneos que subi­ram ao topo da carreira em multinacionais tinham outro dilema: conquistar a confiança da matriz e adaptar a operação brasilei­ra a padrões enxutos. Por todos os cargos que passou em mais de duas décadas como funcionário da companhia francesa Rhodia, o paulista Edson Vaz Musa, de 68 anos, nunca teve um chefe brasileiro. Quando chegou ao co­mando da empresa, em 1984, uma de suas primeiras medidas foi re­duzir a equipe de 12 secretárias da presidência (sim, 12) a apenas uma. O exagero era uma heran­ça do período de bonança vivido durante o milagre econômico dos anos 70. Com o crescimento do país seguindo numa marcha bem menos acelerada, Musa fez ajus­tes ainda mais drásticos. Em 1984, a Rhodia tinha 15.000 funcioná­rios e faturava 1 bilhão de dóla­res. “Quando me aposentei, 12 anos mais tarde, a empresa pos­suía metade dos empregados e o dobro das receitas”, diz Musa, que hoje atua como conselheiro de companhias como Natura e Weg. A distância entre gerações de executivos — no que se refere à pressão por custos — virou um abismo ao longo dos anos 90, quando o mercado brasileiro se abriu para competidores estran­geiros. Esse contexto forjou um novo perfil de administrador, o reestruturador, que encontrou es­paço nas estatais recém-privatizadas e em companhias familia­res em crise. Pela primeira vez, os profissionais brasileiros esta­vam expostos a um nível de concorrência global. “A ruptu­ra foi tão grande que eu nem lembrava que tinha tido uma vida profissional anterior”, diz Botelho. Depois de sua ex­periência na Cobrel, ele coordenou uma das mais espetaculares reestruturações do país à frente da Embraer. Botelho assumiu o comando da fabricante de aviões em 1995, logo após um consórcio liderado pelo grupo Bozano e alguns fun­dos de pensão ter arrematado a ex-estatal. Em apenas uma década, tirou a companhia da bancarrota e a elevou ao pata­mar de uma das maiores fabricantes de aviões do mundo. Em abril, Botelho deixou o comando operacional da Em­braer e, atualmente, ocupa o cargo de presidente do conse­lho de administração da empresa.

Com o campo aberto para fazer grandes viradas, alguns exe­cutivos tornaram-se reestruturadores seriais, pulando de em­presa em empresa. O paranaense Antônio Maciel Neto, por exemplo, passou os anos 90 em meio à reestruturação de três companhias — a Cecrisa, do empresário Manoel Dilor de Frei­tas, o grupo Itamarati, de Olacyr de Moraes, e a subsidiária brasileira da Ford. “O princípio em todos esses casos era o mes­mo: envolver as pessoas para a mudança”, diz Maciel, que conseguiu chegar ao final de todos os processos colhendo resultados po­sitivos. Nos sete anos em que co­mandou a Ford, por exemplo, ele não apenas recuperou os resulta­dos como a transformou na montadora mais lucrativa do Brasil. No ano passado, Maciel deixou a companhia para assumir a presi­dência da Suzano Papel e Celu­lose. Sua missão? Iniciar por lá outro processo de reestruturação. Do ponto de vista de forma­ção e de trajetória profissional, existem também grandes diferen­ças entre as três gerações de exe­cutivos brasileiros. Em geral, os pioneiros faziam carreira na mes­ma empresa até chegar ao coman­do. A partir da década de 90, po­rém, atributos como o tempo de casa perderam relevância para de­finir a promoção de um executi­vo. “A capacidade de liderança ganhou importância, o que valo­rizou o executivo com bom rela­cionamento e não apenas conhecimento técnico”, afirma Gelman, Os executivos com diploma na área de engenharia — casos de Botelho, Musa e Maciel — aos poucos foram cedendo espaço pa­ra profissionais com outros tipos de formação. Bernardo Hees, da ALL, por exemplo, cursou eco­nomia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O que não mudou através dos anos foi a ausência das mulhe­res no topo da hierarquia. Figuras como a atual presidente do laboratório suíço Galderma, Daniela Lins, de 39 anos, ainda representam uma exceção, apesar de a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro ter aumentado de 21% pa­ra 40% nos últimos 40 anos.

Daniela faz parte da mais recente geração de executivos, que chegou ao poder já tendo pela frente os desafios da eco­nomia globalizada. Sua rotina frenética reflete a velocidade do mundo atual dos negócios. Eles estão conectados 24 ho­ras por dia, não vivem sem o inseparável BlackBerry, e traba­lho nos fins de semana, para vários deles, é rotina. “Não dá para desligar por um momento sequer”, afirma Mário Anseloni, de 40 anos, presidente da HP no Brasil. Trata-se de uma turma de profissionais que vive tendo a transitoriedade como uma realidade constante, uma tendência que cada vez mais se impõe na vida corporativa. “A próxima geração está chegan­do ainda mais bem preparada para a velocidade que os negó­cios exigem hoje”, diz Hees, da ALL. “Quero ter quatro, cin­co sucessores que sejam melhores do que eu.”

As três gerações

Os pioneiros

A primeira geração de executivos brasileiros ascendeu à presidência nos anos 80. Até então, o cargo era exclusividade de expatriados ou dos donos, no caso das companhias familiares.

Principal desafio

Equilibrar níveis altíssimos de inflação com uma política de controle de preços pelo governo.

Atributos que os levaram até o cargo

Conhecimento técnico e muitos anos de casa.

Benefícios

Casa, clube e escola para os filhos.

Instrumentos de trabalho

Caneta Parker e calculadora.

Os reestruturadores

Nos anos 90, os executivos tinham a missão de resistir à invasão estrangeira com medidas como cortar níveis hierárquicos.

Principal desafio

Preparar estrutura e processos para resistir à concorrência mundial.

Atributos que os levaram até o cargo  

Conhecimento de técnicas de produção enxuta e rapidez para promover mudanças.

Benefícios

Carro e planos de previdência privada.

Instrumentos de trabalho

Computador e celular.

Os expansionistas

A ênfase em boa parte das grandes empresas do pais é o crescimento — seja com aquisições, seja com a abertura de operações fora do país.

Principal desafio

Descobrir novas oportunidades de negócios e tirar proveito de fornecedores ou clientes que estão fora do país.

Atributos que os levaram até o cargo

Experiência internacional, MBA e habilidade para liderar equipes.

Benefícios

Bônus de longo prazo e stock options.

Instrumentos de trabalho

Notebook e BlackBerry.

Fonte: REVISTA EXAME – 10/10/2010 – Pág. 76 a 80.

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