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5 de fevereiro de 2019O perfil, os desafios e as conquistas das três gerações de profissionais que lideraram as empresas no país a partir dos anos 80
A gênese da figura do executivo nas economias mais desenvolvidas ocorreu no início do século passado. Um dos marcos foi a sucessão ocorrida na General Motors, dos Estados Unidos, quando o fundador, William Durant, cedeu seu lugar ao funcionário de carreira Alfred Sloan. Entre os anos 20 e 50, com a ajuda de técnicas inovadoras de administração para a época, como a descentralização da produção, Sloan conduziu a montadora ao posto de líder mundial do mercado e entrou para a posteridade como o primeiro gestor profissional americano. Enquanto a GM evoluía a passos largos sob o comando do lendário Sloan, o capitalismo brasileiro ainda era tocado por donos e um tipo de profissional sem nenhum poder de decisão e cuja única função era controlar o livro de contas ou os operários na produção. Até a década de 70, os altos postos das multinacionais instaladas por aqui eram território exclusivo de expatriados. Nas empresas nacionais, a figura do executivo — tal como conhecemos hoje — não existia. Essa figura foi uma inovação nas últimas décadas no ambiente de negócios do país. E sua existência passou a se justificar conforme a economia se tornava mais dinâmica e mais complexa. “A situação só começou a mudar nos anos 80, quando as empresas tiveram de investir em lideranças preparadas para tocar os negócios num ambiente econômico muito mais conturbado e instável”, afirma Jacques Gelman, professor de administração da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Uma das maiores amostras de como o executivo é uma figura nova na história do capitalismo brasileiro encontra-se na foto de abertura desta reportagem. Os personagens retratados resumem a evolução da trajetória do administrador profissional no país. Cada um deles representa uma das três gerações de líderes empresariais profissionais que foram se sucedendo no país da década de 80 aos dias atuais. O carioca Maurício Botelho, de 64 anos, faz parte do time dos pioneiros. Em 1985, ele se tornou presidente da Cobrel Maquip, braço industrial do grupo Bozano Simonsen. A ascensão do paranaense Antônio Maciel Neto, de 50 anos, ocorreu na década seguinte, quando ele assumiu a presidência da Cecrisa, tradicional empresa catarinense do setor cerâmico. O caçula da turma é o também carioca Bernardo Hees, de 37 anos, que fez uma carreira meteórica na maior empresa de transporte ferroviário do país, a América Latina Logística (ALL), do Paraná. Hees começou como analista de logística da empresa no final dos anos 90 e chegou ao posto mais alto da ALL em janeiro de 2005.
As três gerações de executivos brasileiros enfrentaram desafios e ambientes econômicos completamente distintos. Quando chegou ao poder na Cobrel, Botelho foi obrigado a fazer orçamentos de obras de engenharia e a tomar decisões levando em conta uma taxa de inflação que bateu na casa dos 80% ao mês na década de 80. Seus contemporâneos que subiram ao topo da carreira em multinacionais tinham outro dilema: conquistar a confiança da matriz e adaptar a operação brasileira a padrões enxutos. Por todos os cargos que passou em mais de duas décadas como funcionário da companhia francesa Rhodia, o paulista Edson Vaz Musa, de 68 anos, nunca teve um chefe brasileiro. Quando chegou ao comando da empresa, em 1984, uma de suas primeiras medidas foi reduzir a equipe de 12 secretárias da presidência (sim, 12) a apenas uma. O exagero era uma herança do período de bonança vivido durante o milagre econômico dos anos 70. Com o crescimento do país seguindo numa marcha bem menos acelerada, Musa fez ajustes ainda mais drásticos. Em 1984, a Rhodia tinha 15.000 funcionários e faturava 1 bilhão de dólares. “Quando me aposentei, 12 anos mais tarde, a empresa possuía metade dos empregados e o dobro das receitas”, diz Musa, que hoje atua como conselheiro de companhias como Natura e Weg. A distância entre gerações de executivos — no que se refere à pressão por custos — virou um abismo ao longo dos anos 90, quando o mercado brasileiro se abriu para competidores estrangeiros. Esse contexto forjou um novo perfil de administrador, o reestruturador, que encontrou espaço nas estatais recém-privatizadas e em companhias familiares em crise. Pela primeira vez, os profissionais brasileiros estavam expostos a um nível de concorrência global. “A ruptura foi tão grande que eu nem lembrava que tinha tido uma vida profissional anterior”, diz Botelho. Depois de sua experiência na Cobrel, ele coordenou uma das mais espetaculares reestruturações do país à frente da Embraer. Botelho assumiu o comando da fabricante de aviões em 1995, logo após um consórcio liderado pelo grupo Bozano e alguns fundos de pensão ter arrematado a ex-estatal. Em apenas uma década, tirou a companhia da bancarrota e a elevou ao patamar de uma das maiores fabricantes de aviões do mundo. Em abril, Botelho deixou o comando operacional da Embraer e, atualmente, ocupa o cargo de presidente do conselho de administração da empresa.
Com o campo aberto para fazer grandes viradas, alguns executivos tornaram-se reestruturadores seriais, pulando de empresa em empresa. O paranaense Antônio Maciel Neto, por exemplo, passou os anos 90 em meio à reestruturação de três companhias — a Cecrisa, do empresário Manoel Dilor de Freitas, o grupo Itamarati, de Olacyr de Moraes, e a subsidiária brasileira da Ford. “O princípio em todos esses casos era o mesmo: envolver as pessoas para a mudança”, diz Maciel, que conseguiu chegar ao final de todos os processos colhendo resultados positivos. Nos sete anos em que comandou a Ford, por exemplo, ele não apenas recuperou os resultados como a transformou na montadora mais lucrativa do Brasil. No ano passado, Maciel deixou a companhia para assumir a presidência da Suzano Papel e Celulose. Sua missão? Iniciar por lá outro processo de reestruturação. Do ponto de vista de formação e de trajetória profissional, existem também grandes diferenças entre as três gerações de executivos brasileiros. Em geral, os pioneiros faziam carreira na mesma empresa até chegar ao comando. A partir da década de 90, porém, atributos como o tempo de casa perderam relevância para definir a promoção de um executivo. “A capacidade de liderança ganhou importância, o que valorizou o executivo com bom relacionamento e não apenas conhecimento técnico”, afirma Gelman, Os executivos com diploma na área de engenharia — casos de Botelho, Musa e Maciel — aos poucos foram cedendo espaço para profissionais com outros tipos de formação. Bernardo Hees, da ALL, por exemplo, cursou economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O que não mudou através dos anos foi a ausência das mulheres no topo da hierarquia. Figuras como a atual presidente do laboratório suíço Galderma, Daniela Lins, de 39 anos, ainda representam uma exceção, apesar de a participação feminina no mercado de trabalho brasileiro ter aumentado de 21% para 40% nos últimos 40 anos.
Daniela faz parte da mais recente geração de executivos, que chegou ao poder já tendo pela frente os desafios da economia globalizada. Sua rotina frenética reflete a velocidade do mundo atual dos negócios. Eles estão conectados 24 horas por dia, não vivem sem o inseparável BlackBerry, e trabalho nos fins de semana, para vários deles, é rotina. “Não dá para desligar por um momento sequer”, afirma Mário Anseloni, de 40 anos, presidente da HP no Brasil. Trata-se de uma turma de profissionais que vive tendo a transitoriedade como uma realidade constante, uma tendência que cada vez mais se impõe na vida corporativa. “A próxima geração está chegando ainda mais bem preparada para a velocidade que os negócios exigem hoje”, diz Hees, da ALL. “Quero ter quatro, cinco sucessores que sejam melhores do que eu.”
As três gerações
Os pioneiros
A primeira geração de executivos brasileiros ascendeu à presidência nos anos 80. Até então, o cargo era exclusividade de expatriados ou dos donos, no caso das companhias familiares.
Principal desafio
Equilibrar níveis altíssimos de inflação com uma política de controle de preços pelo governo.
Atributos que os levaram até o cargo
Conhecimento técnico e muitos anos de casa.
Benefícios
Casa, clube e escola para os filhos.
Instrumentos de trabalho
Caneta Parker e calculadora.
Os reestruturadores
Nos anos 90, os executivos tinham a missão de resistir à invasão estrangeira com medidas como cortar níveis hierárquicos.
Principal desafio
Preparar estrutura e processos para resistir à concorrência mundial.
Atributos que os levaram até o cargo
Conhecimento de técnicas de produção enxuta e rapidez para promover mudanças.
Benefícios
Carro e planos de previdência privada.
Instrumentos de trabalho
Computador e celular.
Os expansionistas
A ênfase em boa parte das grandes empresas do pais é o crescimento — seja com aquisições, seja com a abertura de operações fora do país.
Principal desafio
Descobrir novas oportunidades de negócios e tirar proveito de fornecedores ou clientes que estão fora do país.
Atributos que os levaram até o cargo
Experiência internacional, MBA e habilidade para liderar equipes.
Benefícios
Bônus de longo prazo e stock options.
Instrumentos de trabalho
Notebook e BlackBerry.
Fonte: REVISTA EXAME – 10/10/2010 – Pág. 76 a 80.