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As rígidas regras do mercado de capitais criaram uma nova paranóia nas companhias – todo mundo precisa ser vigiado

A rotina dos executivos da Redecard mudou um bocado desde a abertura de capital da administra­dora de cartões, em junho — a mais vultosa estreia na bolsa nos últimos três anos, com oferta inicial equivalente a 3,5 bilhões de reais. Um dos novos hábitos en­tre eles é acompanhar a cotação das ações de tempo em tempo. Outro — menos ex­citante e mais burocrático — é seguir uma série de regras impostas pela listagem da companhia no Novo Mercado, o grau má­ximo de governança corporativa do mer­cado brasileiro. Até agora, um conjunto de 15 processos foi criado para fiscalizar o cumprimento dessas novas normas. Al­guns deles já começaram a alterar a roti­na da Redecard. Os vendedores, por exem­plo, passaram a seguir uma nova cartilha de análise de clientes, segundo a qual de­vem evitar instalar as máquinas leitoras de cartões em fabricantes de armas ou em ho­téis sob suspeita de exploração da prostituição. Sempre que houver um anúncio re­levante para a Redecard, seja uma aquisi­ção, seja a entrada num novo setor, os diretores terão de provar que não fizeram uso de informação privilegiada para ne­gociar ações da empresa. O controle de to­dos esses processos está nas mãos do exe­cutivo Douglas Oliveira, diretor de risco e controle da Redecard, que há quase um ano incluiu o termo compliance em seu cartão de visita. O conceito (sem equivalente em português e já devidamente in­corporado ao vocabulário dos negócios) representa a tarefa de fazer com que re­gras de conduta sejam criadas e seguidas à risca dentro das empresas. “Minha mis­são é zelar pelos valores e pela imagem da companhia”, diz Oliveira.

A vida sob vigilância permanente tor­nou-se uma nova obsessão dentro de gran­des companhias em todo o mundo. Pelo menos duas situações favorecem a ascen­são da patrulha corporativa. A primeira, no caso brasileiro, é a sofisticação dos me­canismos de controle do mercado de ca­pitais e a crescente adesão das companhias aos níveis mais rigorosos de governança. A segunda é a adaptação das multinacio­nais com capital aberto nos Estados Uni­dos — e, por consequência, de suas sub­sidiárias — às rígidas regras da Lei Sarbanes Oxley. Uma mostra da crescente preocupação das empresas com o tema é o número de afiliados da americana Society of Corporate Compliance and Ethics, maior organização mundial sem fins lu­crativos com o objetivo de estimular a éti­ca nos negócios. Em 2006, havia 600 em­presas associadas. Passado pouco mais de um ano, os associados chegaram a 900, in­cluindo nomes como Wal-Mart e Micro­soft. “As solicitações de clientes interes­sados em estruturar seus departamentos de compliance têm aumentado mês a mês”, diz a brasileira Shin Hong, sócia respon­sável pela recém-criada área de compliance do escritório Tozzini Freire. “Organi­zar essas operações é algo complexo e ca­ro, mas fundamental para assegurar a pe­renidade do negócio.” Um dos casos mais recentes que ilustram a urgência em mo­nitorar as atividades dos executivos é o da alemã Siemens, que entrou numa crise em abril deste ano, logo após suspeitas de frau­des que teriam causado prejuízo de 258 milhões de dólares. Em julho, em meio às investigações, o presidente mundial, Klaus Kleinfeld, pediu demissão.

O primeiro desafio para o responsável pela área de compliance é quebrar a ima­gem de que sua equipe se resume a um grupo de burocratas chatos, pagos para atrapalhar a vida dos colegas. “Meu tra­balho exige muito diálogo e relaciona­mento”, diz Oliveira, da Redecard. “Con­verso com os executivos, falo da impor­tância da área e das regras para a manu­tenção da boa imagem da empresa.” Des­de que a Redecard começou a se prepa­rar para abrir o capital, a equipe de Oli­veira passou de cinco para nove pessoas e ganhou um orçamento de 7 milhões de reais por ano. Nesse período, foi criado também um comitê de compliance — for­mado por sete representantes de cada uma das áreas da empresa, como os diretores de finanças e de tecnologia. O grupo se reúne a cada dois meses para discutir nor­mas e condutas internas. Segundo Olivei­ra, parte do trabalho foi facilitada pelo fa­to de a Redecard já contar com uma área de risco desde sua fundação, em 1996 — entre outras atividades, esse departamen­to monitorava o conteúdo dos e-mails en­viados pelos funcionários e o acesso à in­ternet. (Há alguns anos, um funcionário foi demitido por enviar informações de da­dos sigilosos de cartões de crédito de clien­tes.) A prática demonstrou que uma das melhores ma­neiras de convencer os fun­cionários da importância da área é tornar as conquis­tas conhecidas de todos. Um dos episódios recen­temente alardeados foi o resultado de uma investi­gação com ares policialescos, na qual a equipe de compliance identificou um ex-funcionário que estava espalhando in­formações falsas sobre a Redecard no mer­cado. “Graças a informações que recebe­mos de clientes e funcionários, consegui­mos identificar o sujeito e processá-lo por calúnia e difamação”, diz Oliveira.

Uma das tarefas mais árduas dos profissionais que atuam na área de compliance é romper com velhos hábitos in­corporados pela companhia — e que até então eram vistos como práticas comuns de mercado. Desde que assumiu a diretoria de compliance da subsidiária brasilei­ra do laboratório americano Bristol-Myers Squibb, em 2005, o executivo Alexandre Dalmasso vem combatendo uma tradicio­nal prática da indústria farmacêutica: dar presentes caros a médicos, como televiso­res de LCD, e bancar viagens dentro e fo­ra do país. “Só bancamos viagens de mé­dicos se eles forem dar palestras a nossos funcionários ou se tiverem a necessidade de participar de algum congresso para atualizar suas palestras. Não queremos que es­se relacionamento se transforme numa moeda de troca”, afirma Dalmasso.

Um dos ônus de propa­gar maneiras de controlar o que se passa em toda a companhia é aumentar a burocracia — o que não deixa de ser certo retrocesso, sobretudo para as empresas que mantêm es­truturas magras. Na AES Eletropaulo, por exemplo, alguns contratos com for­necedores que antes eram avaliados em poucos dias hoje podem le­var até três semanas. “Cumprir uma le­gislação como a Sarbanes-Oxley tornou nosso trabalho mais complexo'”, afirma Maurício Vargas, vice-presidente de go­vernança corporativa do grupo AES no Brasil, controlado pela americana AES. Vargas, que coordena uma equipe de dez profissionais, já treinou 415 funcionários para que eles passassem um pente-fino nos contratos dos prestadores de servi­ços, de modo a descobrir se algum deles sonega impostos ou explora mão-de-obra infantil. Como resultado, fornecedores que acu­mularam muitos litígios trabalhistas ou problemas fiscais e tributários nos últi­mos quatro anos. “Às vezes, um simples contrato de 50.000 reais fechado com um fornecedor de comportamento duvidoso pode comprometer a integridade de nos­sa empresa”, diz Vargas.

Tanto trabalho já fez com que algumas companhias desistissem de seguir esse
caminho. A Rhodia, por exemplo, deci­diu recentemente deixar o mercado americano de ações até o final deste ano (a empresa vai continuar negociando seus papéis na Europa, onde as regras são me­nos rígidas). “Temos apenas 1% dos nos­sos papéis no mercado americano e a cor­poração entendeu que o alto custo e as inúmeras exigências do mercado tornam nossa permanência inviável”, diz André Luis Rodrigues, vice-presidente financei­ro da Rhodia para a América Latina. Ro­drigues garante, porém, que vai manter programas de compliance, como canais para denúncias, um comitê de auditoria e outros sistemas de controles internos. “Às vezes, é difícil notar os resultados de uma política de compliance, porque ela está lá justamente para evitar que os problemas surjam”, diz Shin, do Tozzini Frei­re. “Mas as empresas que apostam nes­sas práticas normalmente conseguem obter e manter um bem muito valioso, a boa reputação da companhia.”

Patrulha constante

O que representa a área de compliance numa grande empresa

Missão

Criar e garantir o cumprimento de regras de conduta. Para isso, algumas companhias treinam centenas de funcionários.

Equipe

A equipe, em média, compreende dez profissionais. Em geral, o diretor acumula funções como diretoria de risco ou financeira.

Custo

O investimento em atividades relacionadas à área pode chegar a 7 milhões de reais por ano, como no caso da Redecard.

Fonte: REVISTA EXAME – 10/10/2010 – Pág. 146 a 148.

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