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5 de fevereiro de 2019Livro mostra que boas estratégias de negócios também podem levar uma empresa ao fracasso – e que sem uma dose de sorte nenhuma delas consegue prosperar
No começo da década de 90, a Sony lançou o produto que prometia revolucionar a indústria da música. Anunciado pela multinacional como o “walkman da era do disco”, o tocador MiniDisc tinha tecnologia de ponta capaz de substituir os CDs — e estava apoiado numa estratégia de negócios aparentemente impecável. Para manter os custos baixos, os discos seriam produzidos em fábricas de CD adaptadas. Até o fornecimento de conteúdo estava planejado. As músicas seriam da própria Sony, que acabara de se tornar uma grande gravadora graças a uma aquisição. Apesar dos planos sofisticados. o MiniDisc foi um fracasso. Basicamente, tudo o que poderia acontecer de errado com a Sony aconteceu. O primeiro problema foi que os CDs, em vez de perder popularidade com o passar do tempo como a Sony previa, ganharam cada vez mais adeptos — sobretudo porque passaram a ser usados também em computadores para armazenar dados. O maior golpe, porém, foi o novo ambiente para troca de músicas que surgiu na internet. Em vez de comprar MiniDisc, milhares de consumidores começaram a baixar músicas diretamente da web. Aos poucos as vendas foram minguando e restringindo-se basicamente ao mercado japonês. A ironia é que o mesmo cenário que transformou o produto da Sony em decepção acabou abrindo espaço para o iPod, o “walkman da era digital”. Lançado no final de 2001 pela Apple, o aparelho se transformou num dos maiores sucessos de todos os tempos. Até hoje mais de 100 milhões de unidades foram vendidas em todo o mundo.
A comparação entre os resultados opostos de Sony e Apple é um dos exemplos mais reveladores do livro The Strategy Paradox— Why Committing To Success Leads to Failure and what to do About it (em tradução livre “O paradoxo da estratégia — Por que o compromisso com o sucesso pode levar ao fracasso e como lidar com isso”). Escrita pelo consultor da Deloitte Michael E. Raynor, a obra tem como ponto de partida a tese de que modelos de negócios, por mais bem estruturados que pareçam, podem desabar diante de mudanças drásticas no mercado. A premissa não é exatamente uma revelação bombástica. Mas com base nela Raynor desenvolve um raciocínio que se pode chamar de inovador. Na opinião dele, as estratégias das empresas mais bem-sucedidas guardam similaridades impressionantes com aquelas que originaram fracassos retumbantes. A diferença entre um extremo e outro é uma só: sorte. “As empresas que evitam o risco sobrevivem, mas não prosperam. Já aquelas que aceitam estratégias arriscadas podem experimentar tanto grandes recompensas como ir à ruína”, afirma ele.
Apesar de creditar boa parte do desempenho das empresas ao imponderável, Raynor aponta saídas para o tal “paradoxo da estratégia” — afinal, como ele mesmo diz, “o futuro é incerto, mas seu destino não precisa ser”. A principal delas envolve a criação de um novo estilo de empresa, em que prever mudanças de cenário (e preparar estratégias para enfrentá-las) é a principal preocupação. Para isso. Raynor sugere uma estrutura hierárquica específica. Cada nível seria definido de acordo com sua relação com o risco. O presidente, por exemplo, em vez de se preocupar com o desempenho em curto prazo da empresa, deveria traçar alternativas estratégicas que poderiam ser úteis no futuro. Os funcionários de nível médio teriam como tarefa preparar possíveis soluções para as incertezas que rondam as estratégias já em uso pela companhia. Enquanto isso, o trabalho dos empregados operacionais se resumiria a entregar os resultados dos planos definidos previamente por seus superiores.
O maior mérito de Raynor em The Strategy Paradox é oferecer um
método detalhado para que as empresas possam se preparar para as surpresas do
mercado. Nas últimas páginas do livro há, inclusive, uma lista dos
“causadores de incertezas”, como os avanços tecnológicos e a
volatilidade da opinião pública. Em linhas gerais, o escritor sugere que cada
empresa tenha sempre à mão um leque de opções estratégicas, que vão da criação
de aplicações diferentes para um mesmo produto à compra de participação em
empresas
de novos setores. Segundo o autor, quem seguir essa cartilha terá mais chance
de protagonizar sucessos como o da japonesa Toyota, que conseguiu se
beneficiar da crise mundial do petróleo na década de 70. Na época, os preços
altos do combustível fizeram com que explodisse nos Estados Unidos a demanda
por carros menores e mais econômicos. Como a montadora tinha em seu portfólio
esse tipo de carro, conseguiu ganhar espaço rapidamente no mercado americano —
e assim dar um salto considerável em seu processo de internacionalização.
Raynor admite que, apesar de seu método, as empresas continuarão expostas as
mudanças de mercado — para o bem e para o mal. Mas encerra seu argumento com
uma frase dita pelo químico francês Louis Pasteur: “A sorte favorece os
preparados”.
Fonte: REVISTA EXAME – 24/10/2010 – Pág. 138 a 139.