Aprenda com grandes líderes
5 de fevereiro de 2019O que seu líder espera de você
5 de fevereiro de 2019As histórias (e os problemas) de quem tenta substituir um fora-de-série – e o que as empresas fazem para facilitar o trabalho do sucessor
No auge de seu poder no comando da Coca-Cola, nos anos 90, o executivo cubano Roberto Goizueta ouviu de um acionista um comentário capaz de envaidecer qualquer homem de negócios. “Gostaríamos que você fosse como o papa”, disse o investidor. “E não se aposentasse nunca.” Na época, Goizueta era um dos executivos mais poderosos do mundo, responsável por uma valorização de 3 500% nas ações da Coca-Cola em 15 anos. O espetacular desempenho deu origem a um fenômeno típico de empresas bem-sucedidas: transformou Goizueta numa espécie de lenda — dotada, aos olhos de funcionários e acionistas, de características dogmáticas similares à infalibilidade papal. O problema, claro, é que mesmo esses executivos saem de cena alguma hora (nem que seja quando morrem, como aconteceu na Coca-Cola de Goizueta). E o pior vem depois: alguém, vindo diretamente do reino dos simples mortais, enfrentará o desafio de suceder a lenda. “Se presidir uma empresa já é difícil, viver sob a sombra de alguém julgado infalível torna a missão de um executivo infernal”, diz Peter Capelli, especialista em liderança da escola de negócios Wharton, uma das mais conceituadas do mundo. O sucessor de Goizueta, Doug Ivester, teve uma das presidências mais atrapalhadas da história recente da Coca-Cola e durou apenas dois anos no cargo. Pelo menos, no que diz respeito a formar um sucessor, Goizueta falhou.
Esse é o desafio que vive hoje André Gerdau, escolhido em novembro do ano passado para suceder o pai, Jorge, na presidência de um dos maiores grupos siderúrgicos do mundo. E, a rigor, repete-se em menor escala na rotina de cada profissional que senta na cadeira que pertencia a um fora-de-série — seja nas empresas, seja fora delas. É evidente o peso que Ben Bemanke, novo presidente do Fed, passou a carregar ao substituir o todo-poderoso Alan Greenspan, czar da economia mundial por 18 anos. Trata-se de uma posição que requer graus incomuns de fortaleza psicológica e habilidade política. O desejo de deixar sua marca e fazer melhor do que quem veio antes — um dos instintos que levam as pessoas à excelência — encontra barreiras maiores que as habituais (“quem ele pensa que é para mudar a fórmula que vinha dando certo?”, perguntarão). As comparações com o antecessor são cruéis (“nos tempos de fulano, uma estupidez dessa jamais teria sido feita”). Acertos serão creditados à manutenção da ordem, e erros serão debitados na conta de quem acaba de chegar. Estudos sobre sucessão são comuns, mas nunca sobre um tema tão específico quanto as dificuldades de quem sucede um executivo que construiu uma marca forte. Um número, porém, ajuda a entender o tamanho do problema. Segundo uma pesquisa recente da Universidade Harvard e de Wharton, o valor de mercado de uma empresa cai em média 18% depois que seu fundador passa o bastão. De acordo com os pesquisadores, isso acontece porque trabalhadores e acionistas vêem no fundador o único responsável por criar um império — logo, o homem certo para levar a companhia ao futuro. A saída de cena deixa um vácuo, e passa-se a duvidar da capacidade de qualquer postulante ao cargo. “Fundadores e executivos-lenda causam o mesmo tipo de reação dentro das empresas”, diz Jon Martínez, professor da Escola de Negócios da Universidade de Los Andes, na Colômbia, e um dos maiores especialistas do mundo em sucessões empresariais. “E esse efeito é positivo quando estão na ativa, e pode ser muito negativo quando deixam a empresa.”
Uma das consequências práticas dessa situação é a dificuldade de tirar esses líderes do dia-dia das empresas. Segundo os especialistas, cerca de seis em cada dez presidentes bem-sucedidos deixam o posto de principal executivo da companhia para assumir o comando do conselho de administração. Ou seja, continuam lá, numa posição em que podem minar a autoridade do novo presidente. “Meu pai não largava o osso”, diz Décio Silva, presidente da Weg, uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, com sede em Santa Catarina. Aos 35 anos, Décio sucedeu o pai e fundador da companhia, Egon da Silva, no comando da empresa. “Ele foi para o conselho, mas não parou de dar palpites nas questões cotidianas, e assim ficou difícil encontrar meu espaço.” Egon só deixou de interferir quando Décio conseguiu provar que era capaz de melhorar os resultados da empresa. Depois de elevar 20 vezes o faturamento da Weg nos últimos 18 anos, Décio terá de provar agora se saberá sair de cena. Em 2008, será substituído na presidência da empresa por Harry Schmelzer, atual diretor regional da companhia na Europa, e, assim como seu pai, irá para o conselho. Quando a relação em questão não é entre pai e filho, mas entre um líder carismático e um profissional de mercado, a mistura tende a ser ainda mais explosiva — e a bomba normalmente estoura do lado do sucessor. Poucos exemplos são tão simbólicos quanto os seguidos arranca-rabos na Nike. empresa de material esportivo controlada por seu fundador, o americano Phil Knight. O último executivo que passou pela frigideira de Knight, William Perez, durou apenas um ano na presidência seu cargo foi tão esvaziado que, quando começou a tomar decisões banais (como a contratação de uma consultoria para rever a estratégia da companhia), foi sabotado abertamente por Knight. Numa reunião de diretoria no ano passado. Perez foi demitido sumariamente.
Por isso mesmo, é um alívio para o sucessor quando quem sai decide não atrapalhar. Esses são os casos mais raros, já que requerem do executivo lendário a noção exata de que seu tempo ficou para trás e que é hora de abrir espaço para os mais novos. O Bradesco, que já passou por duas sucessões complicadíssimas, é visto como um exemplo. O fundador do banco, Amador Aguiar, deixou sob todos os seus sucessores uma espécie de espada de Dâmocles: ao presidente do banco cabe manter o Bradesco na liderança do mercado brasileiro, custe o que custar — e quem deixar a liderança fugir será responsável por rasgar seu legado. Ao mesmo tempo, porém, Aguiar criou as condições para que fossem bem-sucedidos. Quando passou o bastão a Lázaro Brandão, em 1980, recolheu-se ao conselho e só palpitava quando chamado pelo pupilo. “Amador só observava”, afirma Brandão. Na sucessão seguinte, Brandão levou as lições de Amador Aguiar ao limite. Para evitar que o novo presidente, Márcio Cypriano, fosse sabotado por aqueles que concorreram à vaga, promoveu todos os vice-presidentes ao conselho. “Brandão disse que eles tinham perdido o poder da caneta. Isso foi muito importante para que eu pudesse impor minha autoridade”, diz Cypriano. Cada um a seu modo, os dois sucessores de Amador Aguiar mantiveram o Bradesco na liderança do mercado brasileiro.
Além de enfrentar eventuais conflitos com o antecessor, o executivo que sucede lendas como Phil Knight. Jorge Gerdau e Amador Aguiar tem como missão primordial conquistar legitimidade entre acionistas e funcionários, especialmente os “velhos da casa” (aqueles que conviveram e foram promovidos pelo presidente que saiu). Essa legitimidade dificilmente é conquistada somente pelos próprios méritos do sucessor. Por isso, as empresas tentam elaborar métodos, em tese, científicos e impessoais para estruturar a sucessão, torná-la menos traumática e, acima de tudo, facilitar a vida do novo presidente e não atrapalhar os resultados. A Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, acaba de passar por uma experiência desse tipo. Maurício Botelho, tido como responsável por tirar a empresa da beira da falência, em 1995, para em seguida transformá-la numa gigante global, anunciou em 2006 que deixaria a presidência. Somente nove meses depois, porém, o poder passaria às mãos do sucessor, Frederico Curado, escolha de consenso do conselho de administração da Embraer. Durante esse período, Botelho apresentou Curado como seu sucessor, o que facilitou as coisas quando a transição terminou, em julho de 2007. “É como se aquele que é visto como lenda desse permissão para que todos possam, agora, responder ao novo presidente”, diz Martinez.
Mesmo que contem com a cooperação de funcionários e sejam vistos com respeito por concorrentes e investidores, esses executivos encontram um problema peculiar. Se a fama de seu antecessor é, de fato, justa, o novo presidente assumirá uma empresa em ótimas condições. Muitas vezes, a percepção interna é que “se melhorar, estraga”. Ou seja, ao mesmo tempo em que é difícil deixar sua marca melhorando os números, qualquer queda nos resultados será vista como culpa do novato. “Meu maior desafio, sem dúvida, é entregar a empresa ao meu sucessor melhor do que a recebi”, diz Curado, da Embraer. É um trabalho espinhoso, considerando-se o patamar em que a empresa já se encontra. O ano de 2006 foi o melhor da história da Embraer, e analistas prevêem dificuldades para manter o atual ritmo de crescimento. A saída encontrada pelos executivos que se provam excelentes sucessores é fugir imediatamente da tentação de imitar o antecessor, buscando, por exemplo, um novo negócio a ser explorado. Curado decidiu apostar em áreas como a aviação executiva e militar, claramente fora da mira principal de Botelho. Ele tenta seguir o exemplo do americano Jeffrey Immelt, sucessor de Jack Welch na presidência mundial da General Electric. Ao sentar-se na cadeira do mais prestigiado executivo do mundo, em meio à crise mundial de 2001, Immelt foi tratado como incapaz pelos analistas. “Para conseguir se impor e conquistar respeito, o sucessor deve deixar claro logo de cara quais são seus objetivos e onde quer chegar”, diz John Davis, especialista em sucessão de Harvard. Foi exatamente o que fez Immelt. Logo que assumiu a cadeira da presidência da GE, ele se apresentou aos funcionários e expressou sua visão do futuro dos negócios. Ao contrário de Welch, que bocejava ao ouvir quem quer que fosse discursar sobre meio ambiente. Immelt está apostando sua carreira na criação de tecnologias limpas. Ele traçou como meta atingir a liderança desse mercado, que movimenta 600 bilhões de dólares por ano — e, com isso, catapultou sua popularidade dentro e fora da GE.
Há, Claro, situações piores que a enfrentada por Immelt ou
Frederico Curado. Em alguns casos, toda a estratégia consagrada durante anos
pode ser posta a perder por uma transformação no ambiente de negócios. “Os
tempos mudam e a gestão das empresas deve se adequar às novas realidades”,
diz Howard Anderson, professor de empreendedorismo do MIT Sloan School of
Management. A tarefa de passar uma borracha no passado é hercúlea e coloca o
executivo em rota de colisão com a velha guarda, que julga o modelo anterior
insubstituível. O executivo Daniel Mandelli viveu essa experiência. Quando
assumiu a presidência da TAM, após a morte do fundador, Rolim Amaro, a empresa
passava por uma aguda crise financeira. Mandelli chegou, então, à conclusão de
que seria preciso mudar aquilo que o fundador mais prezava: a qualidade do
serviço. Ele aumentou o número de assentos dos vôos domésticos (reduzindo o
espaço entre as poltronas) e simplificou o serviço de bordo. Muitas de suas
decisões foram tomadas a despeito de orientações contrárias do conselho de
administração, controlado pela família Amaro — e a demissão de Mandelli veio
apenas dois anos depois da posse. Há, porém, casos que caminham para um final
feliz. Na Sun Microsystems, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, o
executivo Jonhatan Schwartz
vem chamando a atenção justamente por ter transformado o legado do fundador da
empresa, Scott McNealy. Ele fez uma mudança radical no modelo de negócios da
Sun, deixando de cobrar pela venda do Solaris, seu software mais popular.
Hoje, a empresa ganha cobrando para fazer a integração do sistema a outros
softwares e vendendo os servidores para rodar o produto. “Mudar o que foi
criado por um mito pode ser difícil, mas é preciso ter ousadia”, disse
Schwartz a EXAME. “Isso significa investir em ideias que seus
subordinados ainda não entendem.” Com tino, coragem e habilidade
política, torna-se possível realizar o sonho de qualquer executivo que entra
numa situação dessa. Dar ao seu sucessor o mesmo desafio que recebeu: o de
substituir uma lenda.
Fonte: REVISTA EXAME – 26/09/2010 – Pág. 30 a 34.