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As histórias (e os problemas) de quem tenta substituir um fora-de-série – e o que as empresas fazem para facilitar o trabalho do sucessor

No auge de seu poder no comando da Coca-Cola, nos anos 90, o executivo cubano Ro­berto Goizueta ouviu de um acionista um comen­tário capaz de envaidecer qualquer homem de ne­gócios. “Gostaríamos que você fosse como o pa­pa”, disse o investidor. “E não se aposentasse nun­ca.” Na época, Goizueta era um dos executivos mais poderosos do mundo, responsável por uma valorização de 3 500% nas ações da Coca-Cola em 15 anos. O espetacular desempenho deu ori­gem a um fenômeno típico de empresas bem-sucedidas: transformou Goizueta numa espécie de lenda — dotada, aos olhos de funcionários e acionistas, de características dogmáticas similares à infalibilidade papal. O problema, claro, é que mes­mo esses executivos saem de cena alguma hora (nem que seja quando morrem, como aconteceu na Coca-Cola de Goizueta). E o pior vem depois: alguém, vindo diretamente do reino dos simples mortais, enfrentará o desafio de suceder a lenda. “Se presidir uma empresa já é difícil, viver sob a sombra de alguém julgado infalível torna a missão de um executivo infernal”, diz Peter Capelli, especialista em liderança da escola de negócios Wharton, uma das mais conceituadas do mundo. O sucessor de Goizueta, Doug Ivester, teve uma das presidências mais atrapalhadas da história recente da Coca-Cola e durou apenas dois anos no cargo. Pelo menos, no que diz respeito a formar um suces­sor, Goizueta falhou.

Esse é o desafio que vive hoje André Gerdau, escolhido em novembro do ano passado para suceder o pai, Jorge, na presidên­cia de um dos maiores grupos siderúrgicos do mundo. E, a rigor, repete-se em menor escala na rotina de cada profissional que sen­ta na cadeira que pertencia a um fora-de-série — seja nas empre­sas, seja fora delas. É evidente o peso que Ben Bemanke, novo presidente do Fed, passou a carregar ao substituir o todo-poderoso Alan Greenspan, czar da economia mundial por 18 anos. Trata-se de uma posição que requer graus incomuns de fortale­za psicológica e habilidade política. O desejo de deixar sua mar­ca e fazer melhor do que quem veio antes — um dos instintos que levam as pessoas à excelência — encontra barreiras maiores que as habituais (“quem ele pensa que é para mudar a fórmula que vinha dan­do certo?”, perguntarão). As compa­rações com o antecessor são cruéis (“nos tempos de fulano, uma estupi­dez dessa jamais teria sido feita”). Acer­tos serão creditados à manutenção da ordem, e erros serão debitados na con­ta de quem acaba de chegar. Estudos sobre sucessão são comuns, mas nun­ca sobre um tema tão específico quan­to as dificuldades de quem sucede um executivo que construiu uma marca forte. Um número, porém, ajuda a en­tender o tamanho do problema. Segun­do uma pesquisa recente da Universi­dade Harvard e de Wharton, o valor de mercado de uma empresa cai em mé­dia 18% depois que seu fundador pas­sa o bastão. De acordo com os pesqui­sadores, isso acontece porque traba­lhadores e acionistas vêem no funda­dor o único responsável por criar um império — logo, o homem certo para levar a companhia ao futuro. A saída de cena deixa um vácuo, e passa-se a duvidar da capacidade de qualquer postulan­te ao cargo. “Fundadores e executivos-lenda causam o mesmo ti­po de reação dentro das empresas”, diz Jon Martínez, professor da Escola de Negócios da Universidade de Los Andes, na Co­lômbia, e um dos maiores especialistas do mundo em sucessões empresariais. “E esse efeito é positivo quando estão na ativa, e pode ser muito negativo quando deixam a empresa.”

Uma das consequências práticas dessa situação é a dificuldade de tirar esses líderes do dia-dia das em­presas. Segundo os especialistas, cerca de seis em cada dez pre­sidentes bem-sucedidos deixam o posto de principal executi­vo da companhia para assumir o comando do conselho de ad­ministração. Ou seja, continuam lá, numa posição em que po­dem minar a autoridade do novo presidente. “Meu pai não lar­gava o osso”, diz Décio Silva, presidente da Weg, uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, com sede em Santa Catarina. Aos 35 anos, Décio sucedeu o pai e funda­dor da companhia, Egon da Silva, no comando da empresa. “Ele foi para o conselho, mas não parou de dar palpites nas questões cotidianas, e assim ficou difícil encontrar meu espa­ço.” Egon só deixou de interferir quando Décio conseguiu pro­var que era capaz de melhorar os resultados da empresa. De­pois de elevar 20 vezes o faturamento da Weg nos últimos 18 anos, Décio terá de provar agora se saberá sair de cena. Em 2008, será substituído na presidência da empresa por Harry Schmelzer, atual diretor regional da companhia na Europa, e, assim como seu pai, irá para o conselho. Quando a relação em questão não é entre pai e filho, mas entre um líder carismático e um profissional de mercado, a mistura tende a ser ainda mais explosiva — e a bomba normalmente estoura do lado do sucessor. Poucos exemplos são tão simbólicos quanto os seguidos arranca-rabos na Nike. empresa de material esportivo controlada por seu fundador, o americano Phil Knight. O último executi­vo que passou pela frigideira de Knight, William Perez, durou apenas um ano na presidência seu cargo foi tão esvaziado que, quando começou a tomar decisões banais (como a contratação de uma consultoria para rever a estratégia da companhia), foi sabotado abertamente por Knight. Numa reunião de diretoria no ano passado. Perez foi demitido sumariamente.

Por isso mesmo, é um alívio para o sucessor quando quem sai decide não atrapalhar. Esses são os casos mais raros, já que requerem do executivo lendário a noção exata de que seu tempo ficou para trás e que é hora de abrir espaço para os mais no­vos. O Bradesco, que já passou por duas sucessões complicadís­simas, é visto como um exemplo. O fundador do banco, Amador Aguiar, deixou sob todos os seus sucessores uma espécie de es­pada de Dâmocles: ao presidente do banco cabe manter o Bra­desco na liderança do mercado brasileiro, custe o que custar — e quem deixar a liderança fugir será responsável por rasgar seu legado. Ao mesmo tempo, porém, Aguiar criou as condições pa­ra que fossem bem-sucedidos. Quando passou o bastão a Lázaro Brandão, em 1980, recolheu-se ao conselho e só palpitava quando chamado pelo pupilo. “Amador só observava”, afirma Brandão. Na sucessão seguinte, Brandão levou as lições de Ama­dor Aguiar ao limite. Para evitar que o novo presidente, Márcio Cypriano, fosse sabotado por aqueles que concorreram à vaga, promoveu todos os vice-presidentes ao conselho. “Brandão dis­se que eles tinham perdido o poder da caneta. Isso foi muito importante para que eu pudesse impor minha autoridade”, diz Cypria­no. Cada um a seu modo, os dois sucessores de Amador Aguiar mantiveram o Bradesco na liderança do mercado brasileiro.

Além de enfrentar eventuais conflitos com o antecessor, o executivo que sucede lendas como Phil Knight. Jorge Gerdau e Amador Aguiar tem como missão primordial conquistar le­gitimidade entre acionistas e funcionários, especialmente os “velhos da casa” (aqueles que conviveram e foram promovidos pelo presidente que saiu). Essa legitimidade dificilmen­te é conquistada somente pe­los próprios méritos do suces­sor. Por isso, as empresas ten­tam elaborar métodos, em te­se, científicos e impessoais pa­ra estruturar a sucessão, tor­ná-la menos traumática e, aci­ma de tudo, facilitar a vida do novo presidente e não atrapa­lhar os resultados. A Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, acaba de passar por uma experiência desse tipo. Maurício Botelho, tido como responsável por tirar a em­presa da beira da falência, em 1995, para em seguida trans­formá-la numa gigante global, anunciou em 2006 que deixa­ria a presidência. Somente nove meses depois, porém, o po­der passaria às mãos do sucessor, Frederico Curado, escolha de consenso do conselho de administração da Embraer. Du­rante esse período, Botelho apresentou Curado como seu su­cessor, o que facilitou as coisas quando a transição terminou, em julho de 2007. “É como se aquele que é visto como lenda desse permissão para que todos possam, agora, responder ao novo presidente”, diz Martinez.

Mesmo que contem com a cooperação de funcionários e se­jam vistos com respeito por concorrentes e investidores, esses executivos encontram um problema peculiar. Se a fama de seu antecessor é, de fato, justa, o novo presidente assumirá uma em­presa em ótimas condições. Muitas vezes, a percepção interna é que “se melhorar, estraga”. Ou seja, ao mesmo tempo em que é difícil deixar sua marca melhorando os números, qualquer que­da nos resultados será vista como culpa do novato. “Meu maior desafio, sem dúvida, é entregar a empresa ao meu sucessor me­lhor do que a recebi”, diz Curado, da Embraer. É um trabalho espinhoso, considerando-se o patamar em que a empresa já se encontra. O ano de 2006 foi o melhor da história da Embraer, e analistas prevêem dificuldades para manter o atual ritmo de cres­cimento. A saída encontrada pelos executivos que se provam ex­celentes sucessores é fugir imediatamente da tentação de imitar o antecessor, buscando, por exemplo, um novo negócio a ser ex­plorado. Curado decidiu apostar em áreas como a aviação exe­cutiva e militar, claramente fora da mi­ra principal de Botelho. Ele tenta se­guir o exemplo do americano Jeffrey Immelt, sucessor de Jack Welch na pre­sidência mundial da General Electric. Ao sentar-se na cadeira do mais pres­tigiado executivo do mundo, em meio à crise mundial de 2001, Immelt foi tra­tado como incapaz pelos analistas. “Pa­ra conseguir se impor e conquistar res­peito, o sucessor deve deixar claro lo­go de cara quais são seus objetivos e onde quer chegar”, diz John Davis, es­pecialista em sucessão de Harvard. Foi exatamente o que fez Immelt. Logo que assumiu a cadeira da presidência da GE, ele se apresentou aos funcionários e ex­pressou sua visão do futuro dos negó­cios. Ao contrário de Welch, que boce­java ao ouvir quem quer que fosse dis­cursar sobre meio ambiente. Immelt es­tá apostando sua carreira na criação de tecnologias limpas. Ele traçou como meta atingir a liderança desse mercado, que movi­menta 600 bilhões de dólares por ano — e, com isso, catapultou sua popularidade dentro e fora da GE.

Há, Claro, situações piores que a enfrentada por Immelt ou Frederico Curado. Em alguns casos, toda a estraté­gia consagrada durante anos pode ser posta a perder por uma transformação no ambiente de negócios. “Os tempos mudam e a gestão das empresas deve se adequar às novas realidades”, diz Howard Anderson, professor de empreendedorismo do MIT Sloan School of Management. A tarefa de passar uma borracha no passado é hercúlea e coloca o executivo em rota de colisão com a velha guarda, que julga o modelo anterior insubstituível. O executivo Daniel Mandelli viveu essa experiência. Quando assumiu a presidência da TAM, após a morte do fundador, Rolim Amaro, a empresa passava por uma aguda crise fi­nanceira. Mandelli chegou, então, à conclusão de que seria preciso mudar aquilo que o fundador mais preza­va: a qualidade do serviço. Ele aumentou o número de assentos dos vôos domésticos (reduzindo o espaço en­tre as poltronas) e simplificou o serviço de bordo. Mui­tas de suas decisões foram tomadas a despeito de orien­tações contrárias do conselho de administração, contro­lado pela família Amaro — e a demissão de Mandelli veio ape­nas dois anos depois da posse. Há, porém, casos que caminham para um final feliz. Na Sun Microsystems, uma das maiores em­presas de tecnologia do mundo, o executivo Jonhatan Schwartz
vem chamando a atenção justamente por ter transformado o le­gado do fundador da empresa, Scott McNealy. Ele fez uma mudança radical no modelo de negócios da Sun, deixando de co­brar pela venda do Solaris, seu software mais popular. Hoje, a empresa ganha cobrando para fazer a integração do sistema a outros softwares e vendendo os servidores para rodar o produ­to. “Mudar o que foi criado por um mito pode ser difícil, mas é preciso ter ousadia”, disse Schwartz a EXAME. “Isso signifi­ca investir em ideias que seus subordinados ainda não enten­dem.” Com tino, coragem e habilidade política, torna-se possí­vel realizar o sonho de qualquer executivo que entra numa situação dessa. Dar ao seu sucessor o mesmo desafio que recebeu: o de substituir uma lenda.

Fonte: REVISTA EXAME – 26/09/2010 – Pág. 30 a 34.

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