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5 de fevereiro de 2019A vida dura dos gerentes
5 de fevereiro de 2019Como a Serasa tenta vencer um problema das empresas: conciliar o dia-a-dia com a necessidade de pensar o futuro
Uma queixa recorrente dos executivos é a dificuldade de cumprir as inúmeras tarefas relacionadas à operação no dia-a-dia (reuniões, visitas a clientes, análise de números, acompanhamento das equipes, interação com chefes, entre muitas outras) e ainda achar tempo para pensar no futuro do negócio. O dilema representa sofrimento para os profissionais — que se desdobram para dar conta do recado e nem sempre conseguem bons resultados — e para as empresas — que pregam a importância da inovação e do planejamento de longo prazo sem, muitas vezes, conseguir colocá-los em prática. Esse empecilho foi revelado numa pesquisa internacional da Marakon Associates com a Economist Intelligence Unit, que mostrou que os altos executivos dedicam 80% do seu tempo a questões que respondem por menos de 20% da geração de valor das companhias.
A Serasa, empresa especializada em análises de crédito com sede em São Paulo, vem tentando resolver o impasse de maneira inusitada. Os executivos da companhia definiram que as áreas consideradas estratégicas devem ser tocadas não por um, mas por dois diretores. Eles têm o mesmo status e o mesmo salário, mas as responsabilidades são distintas. Um cuida do presente — ou da operação. O outro, das estratégias do futuro e da inovação. Numa época em que a maioria das empresas opta por reduzir seus quadros para aumentar a produtividade, a Serasa obtém resultados duplicando parte da estrutura. Há dois anos a companhia consegue cumprir, antes do prazo estipulado, 100% dos projetos previstos no planejamento estratégico. “É essa estrutura, associada aos nossos sistemas de planejamento e de qualidade, que garante o nosso desempenho”, afirma Elcio Anibal de Lucca, presidente da Serasa. No final de 2005, a companhia tornou-se a única do país a ganhar por três vezes o Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ), uma espécie de atestado de excelência em gestão.
Ainda que sejam exceções, há casos de outras companhias que se deram bem com mais de um executivo dividindo o mesmo posto. Um exemplo brasileiro é a Natura, que por muitos anos foi dirigida por três presidentes — os empresários Luiz SEABRA, Guilherme Leal e Pedro Passos. Fora do país, uma das experiências mais bem-sucedídas é a do canal de TV americano Fox, que há sete anos mantém uma dupla na presidência. Gary Newrnan e Dana Walden são co-responsáveis pelos resultados da Fox. Com o modelo, o canal conseguiu aumentar de cinco para 25 o número de séries produzidas a cada ano.
A peculiaridade da estrutura da Serasa é que cada co-diretor cuida de um aspecto específico do negócio. “Não há modelo igual no Brasil ou na literatura mundial”, afirma Carlos Arruda, diretor de desenvolvimento da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. “Uma das vantagens desse sistema é que ele favorece a inovação, que deixa de ficar isolada num departamento.” Na área de marketing da Serasa, o espanhol Juan Camilo é o executivo responsável pelo presente. Ele cuida da comercialização dos produtos, da negociação com os clientes e do atendimento pós-venda. Os novos projetos, como os de desenvolvimento de produtos, estão sob o comando do paulista Ricardo Loureiro. Na área de análise econômico-financeira, os co-diretores são o paulista Amador Rodriguez e o roraimense Laércio de Oliveira. Rodriguez zela pela qualidade das informações das companhias cadastradas nos bancos da Serasa. Oliveira corre o mundo em busca de metodologias que possam tornar as análises dessas informações cada vez mais precisas.
Em sua busca pela inovação, Oliveira se dedica a manter a Serasa próxima do meio acadêmico. É ele o representante da empresa no conselho do CEB-Serasa, um centro de excelência em gestão bancária mantido em parceria com a Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Oliveira também visita centros mundiais de excelência em crédito e se relaciona com especialistas renomados. Um deles é o professor Edward Altman, da Stern, a escola de negócios da Universidade de Nova York, com quem realiza teleconferências mensais. “Tenho de me manter a par do que está sendo feito de melhor no mundo”, diz Oliveira. “Não podemos ser surpreendidos.”
Apesar da divisão de tarefas, as duplas da Serasa procuram atuar bastante próximas. Os diretores se reúnem diariamente por pelo menos uma hora para trocar informações e monitoram de perto o andamento dos projetos alheios. “Se algum produto está sendo desenvolvido pelas equipes do futuro, lá está alguém do presente observando, dando pitacos”, afirma Camilo. “A interação é fundamental.” Mas nem tudo nessa convivência é fácil. Muitas vezes, as equipes de inovação querem implementar novidades para as quais as equipes da operação ainda não estão prontas. “Como temos a visão do que vai acontecer lá na frente, somos mais ansiosos”, diz Carlos Eduardo Trindade, o executivo do futuro da área de tecnologia. “Mas, como todas as decisões são compartilhadas, esses conflitos de ritmo acabam sendo resolvidos.”
Revista EXAME – Nº. 1 – 18 de janeiro de 2006 – págs. 74 a 76.